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Reduzir lotação de estabelecimentos freia contágios entre os mais vulneráveis sem afundar a economia

Estudo com dados de milhões de celulares permite planejar uma volta cuidadosa da atividade, controlando a curva da pandemia: “A reabertura não precisa ser um tudo ou nada”

Jovens em lanchonete com capacidade reduzida, em Estocolmo, na semana passada.
Jovens em lanchonete com capacidade reduzida, em Estocolmo, na semana passada.FREDRIK SANDBERG (AFP)
Javier Salas

As pessoas com menos recursos econômicos estão sendo as mais golpeadas pela pandemia do coronavírus. Duplamente: mais contágios e mais desigualdade. Durante o confinamento, os mais vulneráveis precisam se expor mais, pelas características de seu emprego, às vezes como trabalhadores essenciais, ou pela falta de renda estável. E depois da desescalada, também são os mais expostos às infecções. É o que mostra novamente um estudo publicado na Nature que tira suas conclusões do movimento de 100 milhões de norte-americanos nas 10 cidades mais populosas dos Estados Unidos. Esses dados anônimos de deslocamentos e visitas a estabelecimentos, cruzados com os números reais de casos, demonstram que seu cotidiano é mais arriscado que o das pessoas com renda maior. Mas, além disso, esses dados também permitem desenhar uma nova normalidade em que se proteja especialmente sua saúde, e também a economia, sem pôr em risco a curva epidemiológica.

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Os pesquisadores se surpreenderam ao descobrir que, baseando-se apenas em dados de mobilidade, seu modelo predisse corretamente que os bairros com menor renda teriam índices de contágio mais elevados em comparação às áreas de renda mais elevada. “Identificamos dois mecanismos: primeiro, os bairros de menor renda não puderam reduzir tanto sua mobilidade no começo de março; e, segundo, os estabelecimentos que [seus moradores] visitam tendem a ser menores, mais lotados e, portanto, de maior risco”, explica Serena Chang, pesquisadora da Universidade de Stanford (Califórnia). E cita um exemplo: “Em média, uma ida ao supermercado era duas vezes mais perigosa para uma pessoa de baixa renda. Os mercados visitados por pessoas de baixa renda tinham em média 59% mais gente por metro quadrado, e as pessoas permaneciam 17% mais tempo”. Só usando os dados dos celulares, os pesquisadores puderam observar com clareza os padrões que provocam mais contágios entre pessoas com menos recursos: menos teletrabalho e maiores aglomerações. “Surpreendeu-me a medida em que os dados de mobilidade codificavam estas disparidades”, reconhece Chang.

“Nossos resultados destacam a necessidade de que os responsáveis políticos considerem os impactos da reabertura em diferentes populações”, acrescenta Chang. A equipe que assina este estudo construiu um modelo informático a partir dos dados de mobilidade capturados pelos celulares: movimentos por hora de cada pessoa dos bairros até diferentes lugares, como restaurantes e academias. Também podiam calcular a ocupação de cada ponto, sua área física e o tempo que as pessoas tendem a permanecer ali, o que permitiu predizer como essas visitas contribuíam para as infecções, depois de cruzar esses dados por blocos cadastrais com os de contágios reais por dia.

“Um dos nossos resultados importantes é que a reabertura não tem por que ser um tudo ou nada”, resume Chang. “Predizemos que a reabertura total resultará em um aumento dramático das infecções, o fechamento completo será difícil para a economia, mas se reabrirmos parcialmente com limites de lotação podemos recuperar a maior parte da atividade econômica sem provocar uma grande quantidade de infecções”, esclarece. Ao reduzir drasticamente a capacidade dos estabelecimentos, para 20%, o número de novos contágios caía 80%, mas as visitas de clientes só diminuem 60%, segundo os dados do estudo. A clientela se distribui em outros horários para evitar os momentos de maior aglomeração, e a economia não se ressente tanto como quando é preciso fechar totalmente, porque o gráfico de contágios disparou. Esta medida, além disso, é a que mais protege os vulneráveis, porque assim não se veem tão expostos durante tanto tempo nos estabelecimentos menores e mais abarrotados que costumam frequentar.

O que os dados desse estudo demonstram é que não serve de nada fechar os olhos e fingir que é possível reabrir locais de maior risco com total normalidade, sem que isto afete os contágios e mortes. Por exemplo, reabrir totalmente os restaurantes de Chicago provocaria 600.000 infecções adicionais em um par de meses. Porque os restaurantes são, segundo este trabalho, os locais mais perigosos (até três ou quatro vezes mais que as seguintes categorias mais expostas: academias, bares e hotéis), pois têm densidades de visitas mais altas, e os clientes permanecem ali mais tempo. Neste caso, novamente, as diferenças de classes sociais são importantes: as pessoas com mais recursos visitam muito mais bares e restaurantes, mas se contagiam ali muito menos que os de poucos recursos, porque estes últimos frequentam estabelecimentos que tendem a ser menores e mais concorridos, segundo os dados de mobilidade.

“Os dados podem predizer disparidades socioeconômicas nas taxas de contágios de covid-19, e uma grande razão provavelmente é que determinados grupos estão desproporcionalmente representados entre os trabalhadores essenciais e quem não pode teletrabalhar”, conclui Chang. E acrescenta: “É preciso conceber políticas de reabertura que reduzam as disparidades, em lugar de exacerbá-las. É importante não só avaliar o impacto de uma possível política de reabertura na população em geral, mas também especificamente seu impacto nas populações mais expostas”. O artigo da Nature propõe cinco medidas para evitar estas disparidades: limites de lotação mais rigorosos; centros de distribuição de alimentos de emergência para reduzir aglomerações; testes gratuitos nos bairros de alto risco; licenças remuneradas e ajudas econômicas para reduzir a mobilidade dos trabalhadores essenciais doentes; e medidas de prevenção de infecções no local de trabalho dos empregados essenciais.

Entornos supercontagiantes

O que o estudo de Stanford demonstra é que, mais do que pessoas supercontagiantes, existem ambientes supercontagiantes. Entre os especialistas, começa a se consolidar a ideia de que a pandemia avança não por meio de pequenos contágios em torno de cada doente, e sim que em algumas poucas circunstâncias ocorrem surtos com numerosos contágios, fazendo a doença se propagar. “Apenas 10% de todos os pontos mais infecciosos representam 80% das infecções de março a maio”, aponta Chang. “Por isso, os estabelecimentos talvez não devessem reabrir de forma uniforme, pois não contagiam de forma uniforme.”

O pesquisador Yamir Moreno, da Universidade de Zaragoza (Espanha), publicou em agosto um estudo com uma metodologia similar na cidade de Boston em que se observou que os contágios só poderiam ser controlados se houvesse um bom nível de rastreamento. Moreno considera que algumas conclusões do novo estudo são interessantes, como a correlação entre redução de mobilidade e desigualdades, embora alerte que o modelo, do ponto de vista epidemiológico, é bastante simplista por não controla fatores “que hoje em dia parecem fundamentais”, como os assintomáticos e as diferenças entre ambientes internos e externos. Porém, também considera interessante a conclusão de que é melhor realizar intervenções direcionadas, agir sobre determinados lugares, em vez de impor uma redução geral da mobilidade.

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