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Brasil perde quase 12 bilhões de dólares em dois meses e vira epicentro da fuga de capitais na América Latina

México sofre apagão de investimentos externos no valor de 2 bilhões de dólares no primeiro mês e meio desde o início do surto do coronavírus

Morador de rua caminha em via comercial esvaziada devido a quarentena no centro de São Paulo. Vídeo: NELSON ALMEIDA/AFP | AFP
Ignacio Fariza

Em menos de três meses o Brasil deixou de ser a nova menina dos olhos dos investidores na América Latina, ansiosos pela confirmação de seus sinais de recuperação —desta vez parecia que sim—, para se tornar o marco zero da fuga de capitais da região e um dos epicentros do fenômeno no bloco emergente. Nos primeiros dois meses do início da crise do coronavírus, o gigante latino-americano teve uma saída de capital no valor de 11,73 bilhões de dólares, segundo o banco de dados do Instituto de Finanças Internacionais (IIF na sigla em inglês) ao qual o EL PAÍS teve acesso. O número é próximo do PIB de um país como a Nicarágua.

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O México fica atrás do Brasil, embora a muita distância: um mês e meio depois do início da crise do coronavírus (o último dado disponível no país norte-americano) já havia sofrido a saída de 2 bilhões de dólares de sua economia. Um número também expressivo, apesar de ainda não incluir as fugas de dinheiro investido na Bolsa de Valores, mas a anos-luz do gigante sul-americano: nesse mesmo período —para que ambos os dados sejam plenamente comparáveis— o Brasil já havia perdido mais de 10 bilhões dólares, principalmente por conta da venda de ações. O terceiro país da região incluído na estatística, a Colômbia, quase não teve perdas.

Os emergentes como um todo, e muito particularmente os países latino-americanos, são os maiores prejudicados quando os investidores recolhem as velas e se refugiam na liquidez em dólar. Desta vez essa norma está sendo cumprida à risca: como receptores líquidos tanto de investimento em Bolsa e de dívida procedentes do exterior quanto de investimento estrangeiro direto —ainda não incluídos nesta estatística; será preciso esperar o fim do primeiro trimestre para que estes dados estejam disponíveis—, de acordo com dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad na sigla em inglês) este cairá de 5% a 15% entre este ano e o próximo. As moedas da região também foram arrastadas e algumas delas caíram a níveis mínimos históricos. A queda do real brasileiro foi especialmente pronunciada, em consonância com os dados de saída de capitais disponíveis até o momento.

Por que o Brasil? “É um país muito sensível ao que acontece no exterior e, devido ao seu tamanho, é uma boa aproximação do risco dos países emergentes em geral. Muitos administradores de carteiras e fundos de investimento têm ordem de vender os ativos do bloco e, sendo um mercado grande e líquido, as saídas são maiores”, explica o economista-chefe do IIF para a América Latina, Martín Castellano. “O outro fator tem mais a ver com os fundamentos do Brasil: uma economia que sai de uma recessão muito longa e que está muito exposto à venda de matérias-primas [cujo consumo despencou com o coronavírus] para a China, o país que sofreu o primeiro choque do coronavírus.” Embora ainda seja preciso aguardar alguns dias para que os dados sejam completamente homogêneos e comparáveis entre os três países latino-americanos analisados, Castellano não tem dúvidas: o Brasil é o epicentro da fuga de capitais da região desde o início da crise.

Apesar disso, a redução nas previsões de crescimento feitas pela entidade patronal global dos bancos é generalizada em todo o subcontinente e, mais ainda, em todos os países emergentes. As saídas de capital, juntamente com a estagnação das vendas de matérias-primas —com o petróleo a preços muito baixos— e o golpe sofrido pelos mercados financeiros de todo o mundo “mudaram substancialmente” o panorama econômico do bloco em vias de desenvolvimento e, muito especialmente, o dos países latino-americanos. “O coronavírus e o estresse nos mercados atingem o mundo emergente em um contexto de baixo crescimento persistente e de investimento fraco, o que caracterizamos como estagnação secular. Tanto a Ásia quanto a América Latina sofrerão com a combinação de preços baixos das commodities, deslocamento financeiro e recessão nos principais parceiros comerciais”, destacam os técnicos da organização no último relatório de perspectivas do organismo, sediado em Washington.

Segundo as últimas projeções do IIF, atualizadas nesta semana, a América Latina está exposta a uma enorme mordida econômica devido ao vírus: sua economia retrocederá 2,7% em comparação com a expansão de 1,2% prevista há cinco meses. As cinco principais economias da região fecharão o exercício no vermelho: a Argentina cairá 3,1% em comparação com a previsão de 1,6% até agora; o Chile passa de um crescimento de 3,2% para uma queda de 2,3%; a Colômbia vai de 3,3% a -0,4%; o México, de 1,2% para -2,8%; e o Brasil, de 2% a -1,8%. Apesar do baque, esses números são prudentes: no México, por exemplo, as autoridades já esperam um golpe ainda maior no crescimento do que o contemplado pela patronal bancária mundial. “O choque acontece sobre uma posição inicial ruim, depois de anos de crescimento decepcionante. Mesmo sob a premissa de uma forte recuperação em 2021, o PIB continuará muito abaixo da tendência”, apontam em relação ao México. “E o Brasil está em situação semelhante, com muita capacidade ociosa da economia”, dizem os técnicos. Março ainda não terminou, mas uma coisa já está clara: 2020 será um ano para esquecer.

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