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OAB ingressa com ação contra Governo Bolsonaro por “desmonte da Cultura” no país

Ação Civil Pública, protocolada na terça, enumera uma série de ilegalidades no processo da Lei Rouanet, como um limite de propostas analisadas por mês e a priorização de projetos ligados às “artes clássicas”

O presidente Jair Bolsonaro, fotografado na terça-feira, 12 de maio.
O presidente Jair Bolsonaro, fotografado na terça-feira, 12 de maio.Joédson Alves (EFE)

O Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) deu entrada em um processo contra o Governo de Jair Bolsonaro na Justiça Federal por “desmonte da Cultura” no país. A Ação Civil Pública, protocolada na última terça-feira, enumera uma série de ilegalidades no processo da Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, e argumenta que se tratam de “atos do Poder Executivo Federal que têm por objetivo declarado o desmonte da cena cultural” no Brasil.

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A primeira ação de desmonte listada pela entidade, conforme documento obtido pelo EL PAÍS, é a Portaria nº 24, editada pelo secretário especial da Cultura, Mario Frias, em 24 de dezembro de 2020, que estabelece uma “meta” de análises de propostas no âmbito da Lei Rouanet, limitando a aprovação de 120 projetos culturais por mês, o que equivale a 1.440 anuais. Em 2020, foram aprovados 4.492 projetos na Lei Rouanet, de acordo com os dados do Sistema de Acesso às Leis de Incentivo à Cultura (Salic). A OAB considera que essa medida é “uma declaração ostensiva de intenção de ineficiência” e evidência de que está sendo adotada “uma operação tartaruga no setor”. Dados da Salic também mostram que 1.566 propostas estão na fila de espera da Secretaria Especial da Cultura e outras 844 já têm análise concluída, com no mínimo 10% do valor aprovado captado, mas ainda aguardam prosseguimento na secretaria, algumas desde agosto de 2020 —até 2019, os projetos levavam entre 30 e 60 dias para a análise.

A OAB acusa ainda o Governo de limitar também qualitativamente a análise de projetos, priorizando aqueles relacionados às “artes clássicas”, como as atividades museológica e de conservação de acervos, o que a entidade interpreta como a intenção de “limitar projetos que não compactuam com o projeto político ideológico do Governo”. Um exemplo disso seria a reprovação arbitrária do plano anual do Instituto Vladimir Herzog para o ano de 2021, algo inédito na história da instituição. O documento da OAB também menciona uma declaração de Mario Frias feita no dia 6 de maio em um evento virtual ao lado de André Porciúncula, secretário nacional de Fomento e Incentivo à Cultura: “O Governo Federal não tem obrigação de bancar marmanjo.”

A OAB considera que esse discurso e as medidas a ele associadas podem fazer com que artistas e produtores culturais passem a direcionar seus projetos aos segmentos com maior limite de captação, direcionando a produção cultural brasileira “às vontades e dirigismos estatais”.

Outra ilegalidade apontada na Ação Civil Pública é a Portaria nº 210, assinada por André Porciúncula, que suspende a análise de projetos nas localidades com restrição de circulação devido à pandemia de covid-19. Para a OAB, “trata-se de ato emanado com o velado intuito de asfixiar o setor cultural”, uma vez que os projetos aprovados pela Lei Rouanet não são executados imediatamente —o prazo de captação de recursos é até de três anos. “A União utiliza-se até mesmo da devastadora pandemia da covid-19 para praticar atos com vistas à limitação da captação e utilização dos recursos da Lei Rouanet, o que não pode ser admitido”, lê-se no documento.

O último ato apontado pela OAB é a não publicação do edital de convocação para o biênio de 2021 e 2022 da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), formada por representantes da sociedade civil e responsável por avaliar projetos para a obtenção de incentivo fiscal via Lei Rouanet. Em 28 de abril, o Ministério do Turismo, que responde pela Secretaria Especial da Cultura, publicou a Portaria nº 12, que expressamente autorizou que o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura poderá sozinho decidir quais projetos podem ser aprovados pela lei de financiamento cultural.

A OAB afirma que tais ações têm “acarretado incalculáveis danos ao patrimônio público e social, violando as garantias fundamentais do direito à cultura e ao acesso à cultura”. O EL PAÍS procurou a assessoria de imprensa do Ministério de Turismo para comentar a ação perpetrada pela entidade, mas ainda não obteve resposta.

No documento apresentado à Justiça Federal, a OAB salienta que a Lei Rouanet é especialmente essencial nestes anos de pandemia, nos quais o setor artístico e cultural foi um dos mais afetados e menciona dados do Observatório Itaú Cultural e da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua que indicam que um em cada dois profissionais da cultura perdeu trabalho no ano passado. A entidade também ressalta que “é notória a guerra contra a cultura travada pelo atual Presidente da República” mesmo antes de ser eleito, lembrando que, já em 2018, o então candidato “articulava uma narrativa calcada em fake news” para atrelar a Lei Rouanet a atividades supostamente clandestinas. A OAB diz ainda que uma “marca registrada” do Governo é a nomeação de pessoas sem perfil técnico adequado para os cargos na Cultura e o troca troca de secretários à frente da pasta —em menos de três anos, já foram seis.

Para o presidente da Comissão Especial de Cultura e Arte da OAB Ricardo Bacelar Paiva, signatário da petição, “a interrupção da fruição dos bens culturais, com o não funcionamento da lei Rouanet, gera danos irreparáveis aos processos coletivos e individuais de construção da identidade brasileira.” Também autor da ação, o presidente da Comissão Especial de Direitos Autorais, Sydney Limeira Sanches, destaca que “o desprezo do Governo Federal em relação à arte e ao conhecimento já são conhecidos”, mas “não irão prosperar”. “O Conselho Federal está atento e vigilante na defesa dos direitos culturais”, conclui.



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