Nova mutação na variante britânica do coronavírus gera temor de uma maior resistência às vacinas
Reino Unido detecta 11 amostras do vírus com uma preocupante combinação de alterações, uma delas já encontrada na cepa de Manaus
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As autoridades sanitárias do Reino Unido detectaram a aparição de uma das mutações mais inquietantes do coronavírus —denominada E484K (ou Erik) e associada a uma maior facilidade para escapar das defesas humanas— na variante britânica do vírus, que já preocupava por ser aparentemente até 50% mais contagiosa. A agência de saúde pública inglesa, por enquanto, só observou esta nova combinação em 11 amostras colhidas de doentes de covid-19, segundo um relatório publicado nesta segunda-feira.
A chamada variante britânica apareceu em setembro e rapidamente se tornou dominante no Reino Unido. Já foi detectada em 73 países, e as autoridades norte-americanas advertiram que tem o potencial de piorar a pandemia. Os cientistas falam de variantes do vírus quando ele acumula uma série de mutações características. A variante britânica apresenta 23 alterações, incluída a mutação N501Y, apelidada de Nelly por alguns geneticistas e vinculada a uma maior capacidade de infecção. Diferentes relatórios científicos no Reino Unido advertiram nas últimas semanas que a variante britânica também poderia estar associada a um maior risco de morte, embora os dados ainda não sejam concludentes. A mutação E484K se somaria agora às outras 23 identificadas previamente. “É preocupante porque, a uma variante mais transmissível —e que agora parece que poderia estar associada a uma maior gravidade da doença—, devemos somar uma mutação que sabidamente compromete a reação com anticorpos”, opina o biólogo espanhol Iñaki Comas, codiretor do consórcio que monitora os genomas do coronavírus na Espanha.
O microbiólogo Ravi Gupta, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), criou em seu laboratório pseudovírus com as mutações características da variante britânica, mais a E484K. Seus resultados preliminares, anunciados em suas redes sociais, sugerem que a mutação Erik aumenta a resistência do vírus aos anticorpos do plasma sanguíneo doado por pessoas que já receberam a vacina da Pfizer. O biólogo Iñaki Comas recorda que as defesas humanas não consistem apenas nos anticorpos. Outro componente essencial da reação imunológica são os linfócitos T, glóbulos brancos capazes de destruir as células infectadas pelo coronavírus. Uma maior resistência aos anticorpos não implica necessariamente que o vírus escape ao exército defensivo do corpo humano.
O grande temor agora é que a nova variante britânica com a adição do Erik seja ainda mais transmissível, mais nociva e mais resistente às vacinas. A combinação das mutações Erik e Nelly já foi identificada antes em outras duas variantes preocupantes, observadas pela primeira vez na África do Sul e em Manaus.
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Clique aquiA mutação Erik é a principal suspeita da maior resistência do vírus aos anticorpos humanos. A vacina da empresa norte-americana Novavax apresentou 89% de eficácia frente à covid-19 no Reino Unido, mas apenas 60% na África do Sul, segundo os resultados preliminares de um ensaio com 20.000 pessoas. Na mesma linha, a vacina da também norte-americana Johnson & Johnson teve uma eficácia de 72% nos EUA, 66% na América Latina e 57% na África do Sul, segundo os dados provisórios de um ensaio com 44.000 participantes. As vacinas parecem ser menos eficazes na hora de frear as infecções por vírus com a mutação Erik, mas continuam oferecendo uma proteção altíssima contra formas graves da covid-19.
“Não é surpreendente que uma mutação que oferece tanta vantagem apareça tantas vezes em contextos diferentes. Isso nos indica que a única maneira de desacelerar a aparição destas variantes é reduzir ao máximo a transmissão”, observa Comas, do Instituto de Biomedicina de Valência (CSIC). Os vírus estão em constante mutação. A expansão descontrolada da pandemia permite que se multipliquem as possibilidades de surgirem variantes mais perigosas. Na última semana, foram diagnosticados quase quatro milhões de novos infectados no mundo. “Isto não é só uma janela de oportunidade para que o vírus mude. É basicamente abrir-lhe as janelas, as portas e até a garagem”, nas palavras do biólogo colombiano Julián Villabona, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
“A mutação E484K é preocupante, mas não é uma razão para se desesperar”, ressalva Villabona. A empresa norte-americana Moderna informou em 25 de janeiro que os anticorpos gerados por sua vacina têm uma capacidade de neutralizar o vírus seis vezes inferior frente à variante sul-africana, mas continua sendo suficiente, recorda o pesquisador. “A E484K pode ter um impacto na capacidade do vírus para nos reinfectar, mas isto não significa que a variante evadirá por completo o nosso sistema imunológico. Além disso, o efeito da mutação nas vacinas pode ser diferente em nível individual, mas o efeito em nível populacional pode continuar sendo satisfatório”, observa Villabona.
A equipe do epidemiologista Nuno Faria, do Imperial College de Londres, descobriu em dezembro uma variante do coronavírus com o Erik e o Nelly em Manaus. Faria e seus colegas advertiram em 12 de janeiro de que o vírus poderia, em diferentes lugares do planeta, estar mudando em uma mesma direção: variantes mais facilmente transmissíveis e inclusive capazes de reinfectar pessoas que já superaram a covid-19. O geneticista Fernando González Candelas, codiretor do consórcio espanhol e catedrático da Universidade de Valencia, acredita que ainda é cedo para falar de uma evolução convergente. “São mutações independentes. Agora falta ver que estejam sendo selecionadas nas diferentes populações para dar lugar a combinações de mutações similares”, aponta.
A solução para o problema é muito conhecida: vacinar todos o quanto antes e, enquanto isso não for possível, se proteger com máscaras, distanciamento físico, higiene das mãos e boa ventilação. “A lição que as novas variantes nos ensinam, e especialmente a mutação E484K, é que não devemos subestimar a evolução viral deixando que o vírus se propague desenfreadamente”, salienta Villabona. “Um vírus que não se propaga é um vírus que não evolui”, sentencia
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