Por imunização de adolescentes, Ministério da Saúde bagunça mais uma vez a campanha de vacinação
Contrariando a Anvisa, ministro Marcelo Queiroga determinou a suspensão da injeção em jovens de 12 a 17 anos e disse que campanha é feita de maneira ‘intempestiva’ pelos Estados, que manterão campanhas
Aviso aos leitores: o EL PAÍS mantém abertas as informações essenciais sobre o coronavírus durante a crise. Se você quer apoiar nosso jornalismo, clique aqui para assinar.
O Ministério da Saúde bagunçou mais uma vez a campanha de vacinação contra a covid-19. Pressionado pela falta de imunizantes para a segunda dose em alguns Estados, como São Paulo, o ministro Marcelo Queiroga decidiu nesta quinta-feira voltar atrás na imunização de jovens de 12 a 17 anos, autorizada no Brasil com a vacina da Pfizer. O ministro, agora, indica a aplicação somente naqueles que tenham algum tipo de comorbidades ou estejam em privação de liberdade. A determinação se estende inclusive para quem já tomou a primeira dose. Mas Queiroga não parou por aí.
Para justificar a decisão, ministro usou a entrevista coletiva desta tarde para reverberar as mentiras que correm por redes e mídias bolsonaristas, levantando suspeitas sobre a eficácia das vacinas da Pfizer no público jovem e contrariando a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de organismos internacionais de excelência. Além disso, criticou os Estados por estarem levando a cabo uma campanha de forma “intempestiva”. A fala causou indignação entre os secretários de Saúde, e Governos como os do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Pernambuco já afirmaram que seguirão com a campanha de imunização para adolescentes. Ao lado do presidente Jair Bolsonaro na live desta quinta-feira, Queiroga sugeriu que a decisão foi tomada após conversa com o mandatário.
Durante a coletiva de imprensa, a secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, citou ainda o caso de um jovem morto em São Paulo para insinuar que vacina pode não ser segura para adolescentes. Mas a morte do garoto ainda está sendo investigada e não há indícios, por ora, de que tenha a ver com a imunização. A fala vinda de uma autoridade federal poderá, contudo, contribuir para espalhar o medo e a desconfiança entre pais e mães que estão vacinando seus filhos, segundo especialistas que acompanharam —e criticaram— o anúncio.
100% errada a decisão do @minsaude de suspender a vacinação em adolescentes. Até quando vão tratar a pandemia com uma abordagem clínica, e não coletiva? É verdade que a maioria dos adolescentes não terá caso grave, mas quanto mais gente vacinada, mais difícil pro vírus circular.
— Pedro Curi Hallal (@PedroHallal) September 16, 2021
As motivações do Governo não estão claras, mas sabe-se que existe uma escassez de imunizantes da AstraZeneca em vários lugares, como São Paulo, o que gerou um atraso na aplicação da segunda dose. A solução apresentada é que essa segunda dose seja feita com a vacina da Pfizer, que vem sendo aplicada nos adolescentes. O problema não foi apenas a suspensão repentina da campanha para o público jovem, que poderia ser justificada, mas a forma como isso foi comunicado —levantando suspeitas e atacando governadores. “O que o Ministério da Saúde fez hoje no Brasil foi uma campanha anti-vacina”, afirmou a epidemiologista Ethel Maciel pelo Twitter. “Apresentar dados do sistema de evento adverso que apenas é notificação, sem uma investigação adequada, é uma afronta à saúde pública, uma irresponsabilidade e que precisa ser corrigida. Inaceitável!”.
De acordo com a nota técnica do Ministério da Saúde, os benefícios da vacinação em adolescentes sem comorbidades ainda não estão claramente definidos e a maioria infectada nesse grupo tem evolução benigna. O documento também disse que a Organização Mundial de Saúde (OMS) não recomenda a imunização de criança e adolescente, com ou sem comorbidades —a organização, na verdade, não coloca essa faixa etária como prioritária e diz que são necessários mais estudos para avaliar seus benefícios, mas não veta a aplicação.
Por outro lado, a Anvisa autorizou ainda em julho o uso do imunizante da Pfizer para adolescentes, assim como outros órgãos internacionais. Mas uma apuração do jornal O Globo mostrou que a decisão de Queiroga não passou pelos especialistas do Programa Nacional de Imunização e da Câmara Técnica do Ministério da Saúde. Tampouco foram consultados conselhos nacionais de secretários de saúde estaduais (Conass) e municipais (Conasems). As entidades confirmaram a informação em nota e manifestaram o “profundo lamento” pela decisão. “Ao implementar unilateralmente decisões sem respaldo técnico e científico, coloca-se em risco a principal ação de controle da pandemia”, afirmaram. “Apesar de a vacinação ter levado a uma significativa redução de casos e óbitos, o Brasil ainda apresenta situação epidemiológica distante do que pode ser considerado como confortável, em razão do surgimento de novas variantes”.
Os órgãos também defenderam a continuidade da vacinação na população jovem, “sem desconsiderar a necessidade de priorizar neste momento dentre os adolescentes, aqueles com comorbidade, deficiência permanente e em situação de vulnerabilidade”.
Início antecipado
O Programa Nacional de Imunização (PNI) previa o início da vacinação de adolescentes a partir de 15 de setembro, mas os Estados se adiantaram ao Ministério da Saúde e começaram a aplicar as doses ainda em agosto, como é o caso de São Paulo. Queiroga criticou a antecipação da campanha, sugerindo que os Estados têm “pressa” e encaram a imunização contra a covid-19 como se fosse uma “corrida” que “exibem como se fosse um troféu”. O ministro também afirmou que adolescentes seriam o “último subgrupo elegível para vacinação” e sugeriu, sem detalhes, que administrações municipais e estaduais teriam aplicado vacinas que ainda não receberam autorização de órgãos reguladores. “O agente imunizante autorizado pela Anvisa é o imunizante da Pfizer. E o que nos observamos, além de antecipar a aplicação doses em adolescentes, a aplicação de outras vacinas para adolescentes em comorbidades”, afirmou.
SP está ao lado da ciência e ao lado de pais e mães de adolescentes que querem ver seus filhos imunizados. pic.twitter.com/P4W6iSDOC1
— João Doria (@jdoriajr) September 16, 2021
Os governos estaduais reagiram com indignação. São Paulo, por exemplo, afirmou que continuará vacinando os adolescentes de 12 a 17 anos de idade “por recomendação do Comitê Científico do Estado”. De acordo com a gestão João Doria (PSDB), que está em constante atrito com o Governo Jair Bolsonaro, cerca de 2,4 milhões de adolescentes (72% deste público) já tomaram a primeira dose da vacina.
“A medida [do Ministério da Saúde] cria insegurança e causa apreensão em milhões de adolescentes e famílias que esperam ver os seus filhos imunizados, além de professores que convivem com eles”, afirmou a gestão estadual em nota. E prosseguiu: “Coibir a vacinação integral dos jovens de 12 a 17 anos é menosprezar o impacto da pandemia na vida deste público. Três a cada dez adolescentes que morreram com covid-19 não tinham comorbidades em São Paulo. Este grupo responde ainda por 6,5% dos casos e, assim como os adultos, está em fase de retomada do cotidiano, com retorno às aulas e atividades socioculturais”.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Clique aquiInscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.