Morre o prefeito Bruno Covas, aposta de renovação tucana em São Paulo
Aos 41 anos, político perde batalha contra o câncer contra o qual lutava desde 2019 e deixa o filho Tomás. Emedebista conservador Ricardo Nunes assume prefeitura da maior cidade da América Latina
Assim como aconteceu com seu avô, o ex-prefeito e governador Mário Covas, há 20 anos, o câncer interrompeu a vida de Bruno Covas. O prefeito licenciado de São Paulo morreu neste domingo, às 8h20, aos 41 anos. Covas estava internado no Hospital Sírio Libanês, na capital paulista, desde o dia 2 de maio para tratar de um sangramento no sistema digestivo, região em que desenvolveu um tumor cancerígeno contra o qual lutava desde 2019. Integrante de uma das mais importantes dinastias políticas no Estado, o político do PSDB foi eleito para seu mandato à frente da maior cidade da América Latina em novembro de 2020 —mas ocupava o cargo desde 2018, porque assumiu o posto com o deslocamento do então titular João Doria para o Governo estadual. Covas estava licenciado da Prefeitura desde o começo do mês, quando o câncer se espalhou da cárdia, entre o esôfago e o estômago, para fígado e ossos do político. Quem assume a Administração paulistana em definitivo é seu vice, o emedebista de perfil conservador Ricardo Nunes.
Na manhã deste domingo, políticos lamentaram sua partida precoce. “Bruno Covas era esperança. E a esperança não morre: ela segue, com fé, nas lições que ele nos ofereceu na vida”, afirmou Doria, seu padrinho político. Guilherme Boulos (PSOL), que disputou a prefeitura contra ele nas últimas eleições, também se manifestou em seu Twitter. “Tivemos uma convivência franca e democrática”, afirmou. Após um cortejo fúnebre pelas ruas de São Paulo na tarde deste domingo, o corpo de Covas chegou a Santos no início da noite e foi enterrado no cemitério de Paquetá.
Bruno Covas nasceu em Santos, em 1980, um ano depois de seu avô, Mario, recuperar os direitos políticos na fase final da ditadura. Filho da primogênita do político, Renata, Bruno teve sua vida e carreira ligadas ao avô pelo sobrenome. Enquanto estudava em colégios particulares de Santos, entre as décadas de 80 e 90, viu Mário ser eleito deputado federal, virar prefeito de São Paulo, bater recorde de votos para um cargo eletivo ao concorrer como senador, deixar o PMDB para fundar o PSDB e ser candidato a presidente até, em 1994, vencer as eleições para governador do Estado, o último cargo que ocupou em vida.
No ano em que Mário Covas assumiu o Governo paulista, em 1995, Bruno se mudou para São Paulo para estudar no Colégio Bandeirantes e morar com o avô. Três anos depois, ingressou na Universidade de São Paulo (USP) como estudante de Direito, concluindo o curso em 2002, e na Pontíficia Universidade Católica (PUC-SP) como aluno de Economia, se graduando em 2005. Quando passou no vestibular, influenciado pelo avô, se filiou ao PSDB —foi eleito primeiro secretário da Juventude Tucana em 1999, presidente estadual em 2003 e presidente nacional em 2007. Mário Covas viria a morrer em março de 2001, licenciado do cargo de governador, em decorrência de um câncer na bexiga.
Antes mesmo de concluir sua segunda graduação, Bruno Covas disputou sua primeira eleição municipal como vice de Raul Christiano, do PSDB, para a Prefeitura de Santos —acabou em quarto lugar. No entanto, as boas lembranças dos paulistas atreladas ao seu sobrenome lhe renderam mais de 120.000 votos em 2006 e a eleição como deputado estadual em São Paulo. Aos 30 anos, foi reeleito como mais votado do Estado, com quase 240.000 votos. Se licenciou do cargo para participar do Governo de Geraldo Alckmin, em 2011, como secretário do Meio Ambiente, posto que exerceu até 2014.
Depois de um bem-sucedido início na vida política, chegou à Brasília como deputado federal eleito em 2014. Foram só dois anos na Câmara federal, nos quais votou a favor do impeachment da presidenta Dilma Roussef (PT), em 2016. “Para que a gente possa resgatar a esperança nesse país, em nós mesmos, nas instituições e na democracia”, justificou à época. No mesmo ano, se licenciou para disputar e vencer as eleições municipais de São Paulo como vice de João Doria (PSDB), fato que o permitiu assumir a Prefeitura da maior cidade do país em 2018, quando Doria deixou o posto para se candidatar —e novamente ganhar— o pleito para governador do Estado.
A vida de Bruno Covas se divide entre o pré e o pós-Prefeitura de São Paulo. A começar pela questão física e estética. Lembrado nas campanhas anteriores como uma figura de cabelo engomado e corpo acima do peso, Bruno assumiu a calvície, adotou a barba e emagreceu 20 quilos com uma rotina fitness, que combinou alimentação regrada com novos exercícios. Uma aparência mais saudável e jovem, com a qual lidou com um viaduto desabado na Marginal Pinheiros, a greve de caminhoneiros e o incêndio em uma ocupação irregular no Largo do Paissandu, no centro da cidade, todos eventos de 2018. Só iria se abater com o primeiro diagnóstico de câncer na cárdia, em outubro de 2019, um ano e meio após assumir o cargo. A doença o faria perder a barba e ainda mais peso.
De início, Covas garantiu que não se desligaria da Prefeitura para tratar o tumor. E procurou ser transparente sobre a evolução do câncer —em julho do ano seguinte, declarou à repórter Marina Rossi que já havia passado por oito sessões de quimioterapia “que fizeram regredir ao máximo dois dos três tumores”. Entre o diagnóstico e a melhora, a pandemia da covid-19 trouxe o maior desafio da carreira política do tucano, que em momentos ouviu reclamações do setor comercial por adotar um lockdown que seria restrito demais, enquanto em outros recebeu críticas de epidemiologistas por flexibilizar a economia mais do que o recomendado pela ciência. “Normalmente, quando a gente apanha dos dois lados, tanto daqueles que não querem que reabra, quanto daqueles que querem que abra, é porque estamos conseguindo fazer um meio termo entre o que é possível e o que não é possível”, chegou a dizer, apesar de ressaltar que “o bem maior a ser preservado é a vida. Não tem consumidor se todo mundo morrer”. O prefeito morou por três meses na Prefeitura no início da crise sanitária e foi infectado pelo vírus em julho de 2020, mas se recuperou rapidamente.
Com mais seis sessões de imunoterapia até o fim de 2020, Bruno melhorou a ponto de concorrer e vencer as eleições municipais de São Paulo em novembro. Teve um discurso moderado: fez oposição ao negacionismo de Jair Bolsonaro, que teve em Celso Russomanno (Republicanos) seu representante no pleito paulistano, e derrotou Guilherme Boulos (PSOL), que contou com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno, pedindo moderação ao invés de “radicalismo”. Seu filho, Tomás, fruto do casamento de 2004 a 2014 com Karen Ichiba, apareceu como grande companheiro do prefeito. Foi vivendo dentro do Edifício Matarazzo, sede da Prefeitura, que o prefeito recebeu visitas do filho, celebrou, sem festa, a chegada dos 40 anos. Na última polêmica em que se envolveu, levou Tomás para assistir à final da Libertadores no Maracanã, em 30 de janeiro, torcendo para seu Santos contra o Palmeiras. Sofreu críticas porque, enquanto foi torcer na arquibancada no Rio de Janeiro, vigorava —e ainda vigora— um decreto em São Paulo que proíbe a presença da torcida nos jogos de futebol.
No mês seguinte, divulgou que o último dos três tumores não havia regredido e, sim, se agravado, se espalhando para fígado e ossos. Ainda lidou com a pior fase da pandemia na cidade, durante os meses de março e abril de 2021, antes de ser internado em 15 de abril para um novo tratamento de quimio e imunoterapia. Teve alta no dia 27, mas não melhorou.
A controversa escolha de Ricardo Nunes
Bruno Covas era tido como uma esperança de renovação no combalido PSDB, que viu sua influência nacional ir minguando ano a ano após deixar a presidência brasileira que ocupou com Fernando Henrique Cardoso entre 1994 e 2002. São Paulo se tornou, então, um bastião estratégico do partido de origem de social-democrata e foi o político o responsável por mantê-lo intocado, vencendo a eleição em novembro passado. Apesar do perfil moderado, como o avô, Covas escolheu como vice o conservador Ricardo Nunes, um vereador com um discurso alinhado à retórica bolsonarista, contrário a políticas de diversidade sexual e ao aborto e defensor do projeto Escola sem Partido. Nunes, que tem ainda contra si um boletim de ocorrência por violência doméstica registrado por sua esposa anos atrás (ela diz não se recordar do episódio), mal apareceu durante a campanha eleitoral. Nos bastidores a escolha de Nunes para a chapa foi creditada o ao governador João Doria, que estaria articulando um apoio do MDB a uma possível candidatura sua à presidência da República em 2022.
Nos 20 meses que lidou com a doença, Bruno Covas se licenciou do cargo de prefeito somente uma vez: no último 2 de maio, um domingo, repassando o posto a Ricardo Nunes por um período que seria inicialmente de 30 dias. “Sem baixar a cabeça e sem perder minha motivação”, publicou recentemente, sorrindo. O último post seria ainda sobre política e apontando para o futuro do seu ninho tucano. Posou para foto ao lado do vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que trocou o DEM pelo PSDB. A ideia de Covas e Doria é que Garcia defenda a hegemonia da sigla no Palácio dos Bandeirantes ano que vem, uma tarefa nada fácil segundo pesquisa publicada por esse jornal.
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