Sob desgaste por ‘pacote de maldades’, Covas escolhe discurso de conciliador nacional em nova posse em São Paulo
Prefeito prometeu reabrir leitos para covid-19 e também escolas. Reeleito enfrenta críticas por fim da gratuidade do transporte para idosos e alta do próprio salário
O novo mandato do prefeito reeleito de São Paulo Bruno Covas (PSDB) começou nesta sexta-feira com discurso conciliador e de tom nacional e recheado de sinais contraditórios, com austeridade fiscal por um lado e aumento de gastos por outro. Já antes da posse o Diário Oficial do município trazia pela manhã um decreto com a intenção do prefeito de cortar 10% de todos os servidores da Prefeitura não concursados a partir deste ano. Um dia antes, outro decreto retirou a gratuidade de viagens no transporte público da capital paulista de idosos até 65 anos. Para ambos os cortes a justificativa é cortar custos e adequar a máquina administrativa a uma queda de arrecadação e aumento de gastos por causa da pandemia. Na contramão, no entanto, Covas assinou embaixo dias atrás um aumento de 46% no próprio salário a partir de 2022.
“Queremos ajudar a construir um novo tempo de mais lucidez e responsabilidade coletiva”, afirmou Covas, de 40 anos, em seu discurso de posse na tarde desta sexta-feira. “Política não é terreno para intolerantes nem lacradores de redes sociais, é para quem acredita no diálogo e em fazer junto”, seguiu o tucano em outro trecho de sua fala, onde citou a vice-presidente eleita dos Estados Unidos, Kamala Harris, e o avô, o ex-governador paulista Mario Covas, morto em 2001. Foi um aceno às raízes social-democratas do partido onde ele disputa influência com seu padrinho político, o também tucano governador João Doria, mais à direita.
“Que as tão esperadas vacinas estejam à disposição o mais breve possível a todos brasileiros para que país possa seguir adiante”, disse, ao nacionalizar o discurso e cerrar fileiras junto a Doria, que vive um embate político com o presidente Jair Bolsonaro em torno da vacinação contra a covid-19. Doria promete iniciar a imunização em São Paulo com a vacina chinesa CoronaVac em 25 de janeiro —ainda que faltem alguns requisitos técnicos para cumprir a promessa―, enquanto o Governo federal ainda não possui data nem vacina para começar o programa nacional.
Covas assumiu, como não podia deixar de ser, dizendo que sua missão mais urgente é o enfrentamento da pandemia. Para isso, ele disse que pretende colocar em funcionamento com 100% da capacidade de dois hospitais municipais concluídos no ano passado, com preferência para leitos de pacientes com covid-19. “Aqui ninguém ficou ou ficará sem atendimento”, afirmou o prefeito, que não falou durante a posse sobre a necessidade de montar novamente hospitais de campanha na capital. A lotação dos hospitais não para de crescer. Desde o início de dezembro, as internações por covid-19 aumentaram 40%. Os hospitais públicos com mais pacientes são o Hospital das Clínicas, da rede estadual, e o Hospital Municipal da Brasilândia, da rede municipal. Segundo os dados do Sistema de Monitoramento Inteligente (Simi) do Governo estadual, entre o início do mês e este domingo (27) o Hospital das Clínicas registrou um aumento de 23% no número de pacientes internados na UTI. Nesta sexta, a taxa de ocupação nos hospitais da cidade de SP era de 60%. O índice estava em 33% em outubro. Sua segunda prioridade, disse, é retomar as aulas presenciais na rede municipal de ensino, mas não comprometeu-se com datas ou cronograma específico.
A batalha contra a pandemia é crucial politicamente tanto para Covas como para Doria. a cidade e o Estado de São Paulo são o último bastião relevante eleitoralmente do PSDB no país. Os tucanos conseguiram evitar o colapso na área da saúde em meio à pandemia até agora, e se firmaram como um contraponto de razão ao presidente Bolsonaro e todo seu negacionismo em relação à pandemia. Apesar de alguns deslizes recentes como o atraso na divulgação dos resultados de eficácia da CoronaVac assim como uma viagem para Miami de Doria em pleno endurecimento da quarentena no Estado, São Paulo ainda é o único Estado do país com um cronograma de vacinação contra a covid-19 definido.
Em sua posse, Covas mostrou que eles sabem muito bem o valor desse ativo político e pretendem catalisá-lo para as próximas eleições, apesar dele mesmo dizer que vai ficar os quatro anos de mandato no cargo —já Doria aparece desde sempre como pré-candidato ao Palácio do Planalto em 2022. “Vivemos tempos de renovação. A renovação no nosso país vai acontecer, estou confiante em dias melhores. O negacionismo está com os dias contatos, prevalecerá o diálogo, a construção coletiva e o diálogo”, disse o prefeito. “O momento exige união. O vírus do ódio e da intolerância precisam ser banidos da nossa sociedade”.
Para chegar firmes com chances eleitorais em 2022, os tucanos em São Paulo terão de continuar mantendo a pandemia sob relativo controle e conseguir vacinar a população, mas não é tudo. Covas reiterou o congelamento do IPTU e da tarifa do transporte público por mais um ano, além da continuidade da distribuição de vales-alimentação para alunos da rede municipal de ensino e ampliação de um programa da prefeitura de distribuição de renda que hoje atende cerca de 15 mil famílias.
Aumento polêmico
O novo mandato já começa, no entanto, com um desgaste por causa de “um pacote de maldades” gestado nas últimas semanas de 2020. A primeira polêmica da nova gestão do prefeito paulistano aconteceu antes da posse, com a concordância em receber um aumento de 46% no próprio contracheque, que vale a partir de 2022, aprovado na Câmara. O salário do prefeito vai de 24 mil reais para 35,4 mil reais por mês. “O teto está congelado desde 2013, quando tivemos o último reajuste. Durante esse período de 8 anos, a inflação foi algo em torno de 60 a 100%, dependendo do valor que é considerado. O salário mínimo aumentou nesse período 68%. O valor do salário dos professores na rede municipal aumentou 80%. Então hoje o teto está defasado”, afirmou o prefeito reeleito em entrevista à GloboNews ao defender o aumento e dizer que ele é necessário para poder aumentar o salário de outros funcionários que deixam a prefeitura por salários mais altos.
Na contramão, com outra medida impopular tomada antes da posse, Covas extinguiu um benefício que concedia transporte público gratuito para idosos entre 60 e 65 anos, existente desde a aprovação de uma lei municipal em 2013. A partir dos 65 anos, uma lei federal garante a gratuidade. Assim, a partir de fevereiro idosos menores de 65 anos deixam de contar com o benefício na capital paulista —o governador estendeu a restrição do benefício para toda a malha de transporte metropolitano. Para suspender a gratuidade para idosos no transporte municipal, Covas revogou a lei antes.
Já a edição do decreto 60.041 neste dia 1º fala em “medidas e ações objetivando a redução de despesas”. Por ele, todas as secretarias e entes diretos da administração municipal ficam obrigados a apresentar um estudo de redução de pelo menos 10% de todo o pessoal em cargos de comissão ou confiança, ou seja, servidores não concursados. Outro artigo do mesmo decreto fala em revisar e renegociar “todos os contratos, convênios, termos de colaboração, termos de fomento, termos de parcerias, contratos de gestão e outros instrumentos congêneres em vigor”. O freio de arrumação na maior arrecadação dentre os municípios do Brasil acontece quando a gestão tem um orçamento que prevê cerca de 2% menos dinheiro num contexto em que a cidade pode enfrentar queda de arrecadação com menos dinheiro em circulação por causa do fim do auxílio emergencial. Ao todo, a Prefeitura prevê gastar 67,5 bilhões de reais.
Por causa da pandemia, a cerimônia de posse do prefeito, do vice Ricardo Nunes, do MDB, e dos 55 vereadores neste ano foi feita de maneira presencial e virtual ao mesmo tempo. Parte dos eleitos tomou posse do cargo presencialmente na Câmara Municipal, e parte deles virtualmente. A direção da casa legislativa restringiu a circulação de pessoas no local. Cada vereador que decidiu comparecer pessoalmente pôde levar apenas um convidado e um funcionário do gabinete. O acesso da imprensa também foi restrito e parte dos jornalistas também fez a cobertura do evento a partir de transmissões ao vivo. A sessão foi presidida pelo vereador reeleito Eduardo Suplicy, do PT, e contou com a participação virtual de Doria e outras autoridades municipais e estaduais.
Além dos desafios da administração, o atual prefeito entra no segundo mandato em tratamento contra um câncer na cárdia, descoberto em 2019. A cárdia é a região entre o esôfago e o estômago e a doença é tida como controlada, segundo os médicos do prefeito.
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