Polícia insiste em criminalização de vítimas de massacre do Jacarezinho, mas recua sobre 29ª morte
Neste sábado, a Polícia Civil do Rio citava “28 criminosos”, além de um policial, ao atualizar o balanço da operação, mas voltou atrás posteriormente da informação de mais um óbito confirmado
A Polícia Civil do Rio de Janeiro recuou da informação de que subiu para 29 o número de mortes confirmadas oficialmente na considerada a chacina mais letal da história da capital fluminense, na operação na favela do Jacarezinho, na última quinta-feira. Em nota divulgada neste sábado pela manhã, a corporação falava que “28 criminosos e o inspetor de polícia André Leonardo de Mello Frias morreram na operação.” Entretanto, posteriormente, recuou da informação confirmada e voltou a falar em 28 mortes ao todo: 27 civis e o agente, baleado na cabeça. O policial ainda é a única execução reconhecida pelas autoridades, apesar do depoimento de moradores.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, um corpo de uma pessoa cuja identidade ainda não foi identificada, localizado na região em que ocorreu a ação policial e que está no IML, pode ser a 29ª vítima, mas a Polícia Civil ainda investiga se há relação com o episódio. Oficialmente, entretanto, a Polícia Civil fluminense explicou que “o equívoco aconteceu por conta de dois corpos que não estavam identificados no hospital, mas que já tinham sido identificados pela Delegacia de Homicídios; o que causou a contagem dupla.”
A Polícia Civil também no início da noite a lista com os 28 nomes das vítimas (veja abaixo). A operação, chamada de Exceptis, apurava o aliciamento de crianças e adolescentes para o tráfico de drogas. Como mostrou reportagem do EL PAÍS, ao menos 13 vítimas não tinham qualquer relação com a investigação. Os investigadores não conseguiram chegar à maioria das 21 pessoas suspeitas —da lista, somente três foram detidas e outras três foram mortas. Segundo o Instituto Fogo Cruzado, ao todo 33 pessoas foram baleadas, incluindo duas que foram feridas por bala perdida dentro do metrô.
Ainda de acordo com o Instituto, considerando as vítimas civis, o massacre ainda é o segundo mais letal já registrado no Estado, ficando atrás do cometido por um grupo de extermínio em 2005, na Baixada Fluminense.
As imagens de casas tomadas pelo sangue e de corpos levados pela polícia em lençóis geraram revolta e motivaram cobrança de autoridades nacionais e internacionais por explicações. Na sexta, a Procuradoria-Geral da República solicitou ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), e à chefia do Ministério Público do Estado e das polícias Civil e Militar que esclareçam as circunstâncias da operação policial em um prazo de cinco dias úteis. A medida da PGR ocorreu após envio de ofício do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, cobrando providências. “Os fatos relatados parecem graves e, em um dos vídeos, há indícios de atos que, em tese, poderiam configurar execução arbitrária”, argumentou Fachin.
A Polícia Civil nega que tenha havido abusos e diz que os agentes agiram em legítima defesa e que os mortos tinham ligação com o crime organizado e o tráfico de drogas. Em entrevista coletiva na quinta, o delegado Rodrigo Oliveira criticou o “ativismo judicial” que faz “vitimização desse criminoso”. “A única execução que houve foi a do policial, infelizmente. As outras mortes que aconteceram foram de traficantes que atentaram contra a vida de policiais e foram neutralizados”, declarou à imprensa. A favela do Jacarezinho é considerada uma importante base do Comando Vermelho, a principal e mais poderosa facção do Rio de Janeiro.
Na noite de sexta, moradores da comunidade da Zona Norte carioca se reuniram em um protesto contra a chacina: “Parem de nos matar”, diziam em cartazes e camisas. Em São Paulo, houve um ato no vão-livre do MASP, convocado pela Coalizão Negra por Direitos, que reúne cerca de 200 entidades. “A chacina do Jacarezinho se insere no topo da lista de extermínios que marcam o triste e violento cotidiano das favelas do Rio de Janeiro e que escancara o racismo presente na sociedade brasileira”, afirma a instituição.
A coalizão ressalta que a operação aconteceu de forma ilegal, uma vez que STF proibiu ocupações policiais em favelas cariocas durante a pandemia. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio também manifestou sua preocupação com o descumprimento da norma. “É importante observar que a incursão policial acontece durante a vigência de medida cautelar proferida nos autos da ADPF 635 (STF), cujo dispositivo reserva operações dessa natureza, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a hipóteses completamente excepcionais e justificadas. E com acompanhamento do Ministério Público”, afirmou em nota. “Salientamos que o norte permanente da atuação das forças de segurança deve ser a preservação de vidas, inclusive a dos próprios policiais.”
Veja a lista dos 27 civis mortos no Jacarezinho, divulgada pela Polícia Civil:
1 - JONATHAN ARAÚJO DA SILVA
2 - JONAS DO CARMO SANTOS
3 - MÁRCIO DA SILVA BEZERRA
4 - CARLOS IVAN AVELINO DA COSTA JUNIOR
5 - RÔMULO OLIVEIRA LÚCIO
6 - FRANCISCO FÁBIO DIAS ARAÚJO CHAVES
7 - CLEYTON DA SILVA FREITAS DE LIMA
8 - NATAN OLIVEIRA DE ALMEIDA
9 - MAURÍCIO FERREIRA DA SILVA
10 - RAY BARREIROS DE ARAÚJO
11 - GUILHERME DE AQUINO SIMÕES
12 - PEDRO DONATO DE SANT’ANA
13 - LUIZ AUGUSTO OLIVEIRA DE FARIAS
14 - ISAAC PINHEIRO DE OLIVEIRA
15 - RICHARD GABRIEL DA SILVA FERREIRA
16 - OMAR PEREIRA DA SILVA
17 - MARLON SANTANA DE ARAÚJO
18 - BRUNO BRASIL
19 - PABLO ARAÚJO DE MELLO
20 - JOHN JEFFERSON MENDES RUFINO DA SILVA
21 - WAGNER LUIZ MAGALHÃES FAGUNDES
22 - MATHEUS GOMES DOS SANTOS
23 - RODRIGO PAULA DE BARROS
24 - TONI DA CONCEIÇÃO
25 - DIOGO BARBOSA GOMES
26 - CAIO DA SILVA FIGUEIREDO
27 - EVANDRO DA SILVA SANTOS.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.