Polícia insiste em criminalização de vítimas de massacre do Jacarezinho, mas recua sobre 29ª morte

Neste sábado, a Polícia Civil do Rio citava “28 criminosos”, além de um policial, ao atualizar o balanço da operação, mas voltou atrás posteriormente da informação de mais um óbito confirmado

Mulheres choram durante protesto na favela do Jacarezinho, no Rio contra a chacina que deixou ao menos 29 mortos.
Mulheres choram durante protesto na favela do Jacarezinho, no Rio contra a chacina que deixou ao menos 29 mortos.RICARDO MORAES (Reuters)
Daniela Mercier
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BRA01. RIO DE JANEIRO (BRASIL), 07/05/21.- Manifestantes participan en una protesta en la favela de Jacarezinho este viernes frente a las instalaciones de la Policía Civil de Río de Janeiro, para pedir justicia por las 25 vidas segadas la víspera en un violento operativo policial contra la banda de delincuentes que domina esa deprimida favela carioca. El magistrado Edson Fachin, uno de los miembros de la Corte Suprema de Brasil, calificó este viernes como "graves" las denuncias de abusos en la operación policial que dejó 25 muertos en una favela de Río de Janeiro y dijo haber visto indicios de "ejecuciones arbitrarias" en vídeos que analizó. EFE/Antonio Lacerda
Jacarezinho protesta contra chacina: “Parem de nos matar”
View of the scene where an alleged drug trafficker was reportedly killed by civil police in Jacarezinho favela, Rio de Janeiro, Brazil on May 6, 2021. - A massive police operation against drug traffickers in a Brazilian favela Thursday left 25 people dead, turning the impoverished Rio de Janeiro neighborhood into a battlefield and drawing condemnation from rights groups. (Photo by MAURO PIMENTEL / AFP)
Ao menos 13 vítimas do Jacarezinho não eram investigados na operação
View of the scene where an allegedly drug trafficker was reportedly killed by civil police when he tried to escape police and ran into a house and the room of a 9-year-old girl who witnessed the shooting in Jacarezinho favela, Rio de Janeiro state, Brazil on May 6, 2021. - A massive police operation against drug traffickers in a Rio de Janeiro favela Thursday left at least 24 suspects and a policeman dead, Brazilian media reports and AFP correspondents said. (Photo by Mauro Pimentel / AFP)
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A Polícia Civil do Rio de Janeiro recuou da informação de que subiu para 29 o número de mortes confirmadas oficialmente na considerada a chacina mais letal da história da capital fluminense, na operação na favela do Jacarezinho, na última quinta-feira. Em nota divulgada neste sábado pela manhã, a corporação falava que “28 criminosos e o inspetor de polícia André Leonardo de Mello Frias morreram na operação.” Entretanto, posteriormente, recuou da informação confirmada e voltou a falar em 28 mortes ao todo: 27 civis e o agente, baleado na cabeça. O policial ainda é a única execução reconhecida pelas autoridades, apesar do depoimento de moradores.

De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, um corpo de uma pessoa cuja identidade ainda não foi identificada, localizado na região em que ocorreu a ação policial e que está no IML, pode ser a 29ª vítima, mas a Polícia Civil ainda investiga se há relação com o episódio. Oficialmente, entretanto, a Polícia Civil fluminense explicou que “o equívoco aconteceu por conta de dois corpos que não estavam identificados no hospital, mas que já tinham sido identificados pela Delegacia de Homicídios; o que causou a contagem dupla.”

A Polícia Civil também no início da noite a lista com os 28 nomes das vítimas (veja abaixo). A operação, chamada de Exceptis, apurava o aliciamento de crianças e adolescentes para o tráfico de drogas. Como mostrou reportagem do EL PAÍS, ao menos 13 vítimas não tinham qualquer relação com a investigação. Os investigadores não conseguiram chegar à maioria das 21 pessoas suspeitas —da lista, somente três foram detidas e outras três foram mortas. Segundo o Instituto Fogo Cruzado, ao todo 33 pessoas foram baleadas, incluindo duas que foram feridas por bala perdida dentro do metrô.

Ainda de acordo com o Instituto, considerando as vítimas civis, o massacre ainda é o segundo mais letal já registrado no Estado, ficando atrás do cometido por um grupo de extermínio em 2005, na Baixada Fluminense.

As imagens de casas tomadas pelo sangue e de corpos levados pela polícia em lençóis geraram revolta e motivaram cobrança de autoridades nacionais e internacionais por explicações. Na sexta, a Procuradoria-Geral da República solicitou ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), e à chefia do Ministério Público do Estado e das polícias Civil e Militar que esclareçam as circunstâncias da operação policial em um prazo de cinco dias úteis. A medida da PGR ocorreu após envio de ofício do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, cobrando providências. “Os fatos relatados parecem graves e, em um dos vídeos, há indícios de atos que, em tese, poderiam configurar execução arbitrária”, argumentou Fachin.

A Polícia Civil nega que tenha havido abusos e diz que os agentes agiram em legítima defesa e que os mortos tinham ligação com o crime organizado e o tráfico de drogas. Em entrevista coletiva na quinta, o delegado Rodrigo Oliveira criticou o “ativismo judicial” que faz “vitimização desse criminoso”. “A única execução que houve foi a do policial, infelizmente. As outras mortes que aconteceram foram de traficantes que atentaram contra a vida de policiais e foram neutralizados”, declarou à imprensa. A favela do Jacarezinho é considerada uma importante base do Comando Vermelho, a principal e mais poderosa facção do Rio de Janeiro.

Na noite de sexta, moradores da comunidade da Zona Norte carioca se reuniram em um protesto contra a chacina: “Parem de nos matar”, diziam em cartazes e camisas. Em São Paulo, houve um ato no vão-livre do MASP, convocado pela Coalizão Negra por Direitos, que reúne cerca de 200 entidades. “A chacina do Jacarezinho se insere no topo da lista de extermínios que marcam o triste e violento cotidiano das favelas do Rio de Janeiro e que escancara o racismo presente na sociedade brasileira”, afirma a instituição.

A coalizão ressalta que a operação aconteceu de forma ilegal, uma vez que STF proibiu ocupações policiais em favelas cariocas durante a pandemia. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio também manifestou sua preocupação com o descumprimento da norma. “É importante observar que a incursão policial acontece durante a vigência de medida cautelar proferida nos autos da ADPF 635 (STF), cujo dispositivo reserva operações dessa natureza, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a hipóteses completamente excepcionais e justificadas. E com acompanhamento do Ministério Público”, afirmou em nota. “Salientamos que o norte permanente da atuação das forças de segurança deve ser a preservação de vidas, inclusive a dos próprios policiais.”

Manifestantes protestam na avenida Paulista, em São Paulo, neste sábado, contra as mortes na comunidade do Jacarezinho.
Manifestantes protestam na avenida Paulista, em São Paulo, neste sábado, contra as mortes na comunidade do Jacarezinho.AMANDA PEROBELLI (Reuters)

Veja a lista dos 27 civis mortos no Jacarezinho, divulgada pela Polícia Civil:

1 - JONATHAN ARAÚJO DA SILVA

2 - JONAS DO CARMO SANTOS

3 - MÁRCIO DA SILVA BEZERRA

4 - CARLOS IVAN AVELINO DA COSTA JUNIOR

5 - RÔMULO OLIVEIRA LÚCIO

6 - FRANCISCO FÁBIO DIAS ARAÚJO CHAVES

7 - CLEYTON DA SILVA FREITAS DE LIMA

8 - NATAN OLIVEIRA DE ALMEIDA

9 - MAURÍCIO FERREIRA DA SILVA

10 - RAY BARREIROS DE ARAÚJO

11 - GUILHERME DE AQUINO SIMÕES

12 - PEDRO DONATO DE SANT’ANA

13 - LUIZ AUGUSTO OLIVEIRA DE FARIAS

14 - ISAAC PINHEIRO DE OLIVEIRA

15 - RICHARD GABRIEL DA SILVA FERREIRA

16 - OMAR PEREIRA DA SILVA

17 - MARLON SANTANA DE ARAÚJO

18 - BRUNO BRASIL

19 - PABLO ARAÚJO DE MELLO

20 - JOHN JEFFERSON MENDES RUFINO DA SILVA

21 - WAGNER LUIZ MAGALHÃES FAGUNDES

22 - MATHEUS GOMES DOS SANTOS

23 - RODRIGO PAULA DE BARROS

24 - TONI DA CONCEIÇÃO

25 - DIOGO BARBOSA GOMES

26 - CAIO DA SILVA FIGUEIREDO

27 - EVANDRO DA SILVA SANTOS.

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