Julgamento de Lula põe em jogo a democracia, diz Dilma Rousseff
Ex-presidenta afirma que uma série de manobras judiciais acabou mudando a história do país e que hoje “há uma certa inconformidade e temor dos mesmos que prenderam o Lula de que ele possa ser candidato à Presidência”
De sua casa em Porto Alegre, de onde não sai desde o início da pandemia, a ex-presidenta Dilma Rousseff também acompanha os julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quarta-feira. Para a ex-presidenta, há uma série de manobras judiciais que acabou mudando a história recente do país. “Em 2018, o Lula foi tirado da eleição porque ele ganharia de Bolsonaro. Elegemos uma pessoa completamente despreparada para o exercício da presidência. Veja como é grave interferir no processo democrático”, afirma a ex-presidente, que acha curioso que tanto um caso que afeta o futuro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quanto o futuro de Jair Bolsonaro, a depender do resultado da CPI no Senado, sejam julgados no mesmo dia.
A ex-presidenta lembra que ela também foi vítima de algumas dessas manobras jurídicas, inclusive com a conivência do Supremo. A primeira delas em 2016, quando o juiz Sergio Moro, mesmo sabendo que a presidenta havia sido gravada em um grampo da Polícia Federal contra o ex-presidente Lula, decidiu derrubar o sigilo e divulgar a conversa. “Ali o Supremo podia ter dado um basta no Sergio Moro. Eu fui gravada como presidenta da República sem autorização do Supremo”, afirma. Na época, Moro pediu “respeitosas escusas” à Corte, porém não houve punição pela gravação e divulgação da presidenta em exercício. “O Supremo foi gentil com Moro. Faz isso em qualquer outro país para ver as consequências?”
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Outro episódio onde o Supremo teve papel determinante foi no próprio impeachment de Dilma. A presidenta lembrou em que dezembro de 2015, Rodrigo Janot, então procurador-geral da República encaminhou um pedido ao STF para que afastasse Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados. “Acho que houve uma falha grave aí, porque ele pediu o afastamento de Cunha ao perceber que ele usava a condição de presidente da Câmara para obter vantagens”, afirma. “O interessante é que só depois que ele [Cunha] cumpre a função de criar as condições para me tirar do cargo, ele foi afastado”, diz Rousseff.
A ex-presidente acredita que o STF está em um momento de se redimir de seus erros recentes. Para ela, tanto o anulamento dos processos de Lula ― que, por uma questão de territorialidade, nunca deveriam ter sido em Curitiba―, quanto a determinação da suspeição de Moro no caso do triplex do Guarujá, determinado pela maioria dos ministros da Segunda Turma conseguiram restabelecer a ordenamento jurídico. “Eu estava achando que a justiça ia falhar, por isso fiquei contente dela só ter tardado. “Tenho expectativa de que os juízes façam justiça a Lula”.
O que está em jogo no Supremo
Na pauta do plenário da Corte desta quarta-feira está os recursos tanto da Procuradoria-Geral da República quando da defesa de Lula, que vão determinar se os processos do ex-presidente na Lava Jato voltam à estaca zero, isto é, à fase inicial de investigação, ou se serão mantidas as decisões do ex-juiz. Na prática, isso vai definir o futuro de Lula como candidato à presidência em 2022. “Há uma certa inconformidade e temor dos mesmos que prenderam o Lula por 580 dias —indevidamente, fato hoje reconhecido pelos ministros do Supremo—, de que ele possa ser candidato à Presidência da República”, afirma Rousseff.
Os recursos foram encaminhados ao plenário do STF pelo ministro Edson Fachin, o mesmo que determinou que Curitiba era incompetente para julgar o ex-presidente. “Estão tentando reabrir os casos da incompetência e suspeição [de Moro], levando para o plenário, na suposição de que pode ser alterada as decisões anteriores”, afirma a ex-presidenta. Na teoria, a declaração de parcialidade do juiz Moro no chamado caso do triplex do Guarujá, que já foi julgada pela Segunda Turma, não deveria ser matéria do plenário da Corte. Porém, a expectativa é que a Corte volte ao tema para definir se a declaração de parcialidade também anula por completo os processos do sítio de Atibaia, Instituto Lula e apartamento de São Bernardo.
Rousseff afirma que há forças internas e externas ao Supremo pressionando os ministros para tentar impedir a candidatura de Lula. “Todo mundo ficou estarrecido com uma fala do ministro Fachin à Veja na qual ele diz que não seria inusual, ou seja, não seria surpreendente, que o Plenário revogasse o que disse a Turma”, afirma a ex-presidenta. “É estranho que um ministro que votou a favor de algo defenda que sua decisão possa ser anulada”.
Um artigo publicado pelo general reformado Sergio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional sob o Governo Temer, também deixou Rousseff perplexa. O militar criticou a “canetada monocrática” de Fachin. “Mais uma vez o STF sacode o Brasil com decisões que aprofundam a insegurança jurídica, criam vácuos legais que nenhum daqueles magistrados vai resolver, desestabilizam o universo político e obrigam o país a retroceder muitos passos no penoso esforço pela moralidade”, escreveu o militar na página Clube Militar. Segundo Rousseff, “forças militares querem novamente interferir numa decisão que, sobre todos os aspectos constitucionais, é própria e exclusiva do Supremo”.
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