STF vai decidir se governadores e prefeitos podem vetar abertura de igrejas na pandemia
Gilmar Mendes e Kássio Nunes tomaram decisões distintas nos últimos três dias. Um vetou o funcionamento de templos religiosos de São Paulo, outro permitiu abertura em Belo Horizonte
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O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou nesta segunda-feira dois pedidos que tinham como objetivo suspender um decreto do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que proibiu a realização de cerimônias em igrejas no Estado como uma medida para diminuir a transmissão do coronavírus. No sábado, outro ministro do STF, Kássio Nunes Marques, havia derrubado um decreto semelhante assinado pelo prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), e permitiu que os templos religiosos funcionassem. No domingo de Páscoa, as igrejas da capital de Minas Gerais abriram. Após a divergência de entendimentos, na próxima quarta-feira os 11 ministros do Supremo analisarão as ações que tratam do tema e deverão criar uma regra unificada. Toda essa discussão ocorre durante o auge da pandemia de covid-19 no Brasil, quando a média de mortes por dia se aproxima dos 3.000 casos e o número de óbitos já ultrapassa 330.000.
Em uma de suas decisões desta segunda-feira, Mendes fez críticas veladas a Nunes Marques, recém indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que no combate à doença tem atuado na contramão do que prevê a ciência. “A questão que se coloca é se o conteúdo normativo desses preceitos fundamentais restaria violado pelas restrições à realização de cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo em razão da pandemia da covid-19 determinadas pelo decreto. Quer me parecer que apenas uma postura negacionista autorizaria resposta em sentido afirmativo. Uma ideologia que nega a pandemia que ora assola o país, e que nega um conjunto de precedentes lavrados por este Tribunal durante a crise sanitária que se coloca”, disse Mendes.
Se analisados os argumentos usados por Gilmar Mendes em suas decisões proferidas nesta segunda-feira, a tendência é que governos municipais e estaduais sejam autorizados a emitir decretos que limitem o funcionamento dos templos religiosos durante a pandemia de covid-19. Nas duas liminares negadas, Mendes citou outras decisões assinadas pelos ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. No fim de semana, o decano do Tribunal, Marco Aurélio Mello, já havia criticado a decisão de Nunes Marques. Se seguirem essa lógica, nesta conta, já haveria ao menos cinco votos contrários a abertura das igrejas. Restaria apenas mais um para se formar uma maioria.
Os outros cinco ministros da Corte (Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli) não se manifestaram sobre o tema. Mas, desde que o STF foi instado a se manifestar sobre casos envolvendo a pandemia, ele tem dado autonomia a prefeitos e governadores para definirem as regras locais no combate ao vírus. O caso mais emblemático envolvendo este tema ocorreu em abril do ano passado, quando o PDT ingressou com uma ação contra uma medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que tinha como objetivo concentrar nas mãos do Governo Federal o poder de editar uma norma geral sobre o combate à pandemia. A intenção de Bolsonaro era impedir a realização de lockdowns, sob o argumento de que a economia não podia parar.
Naquela ocasião, por unanimidade, o Supremo deixou claro que além da União, os governos estaduais e municipais têm o poder para determinar regras de isolamento, quarentena e restrição de trânsito em rodovias em razão da pandemia. Desde então, Bolsonaro insiste de que o Supremo o impede de agir e tentou mais uma vez, no mês passado, derrubar decretos estaduais de restrição de circulação. Foi derrotado no Judiciário novamente. Ainda assim, ele mantém a narrativa política e de enfrentamento contra governadores.
A única mudança neste cenário é justamente a presença de Nunes Marques no Tribunal. Quando da decisão do ano passado, ele ainda não era ministro. Foi indicado por Bolsonaro após a aposentadoria de Celso de Mello, em outubro passado. A decisão do novo magistrado sobre as igrejas de Belo Horizonte acabou celebrada pela militância bolsonarista nas redes sociais no fim de semana.
“Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa”, disse Nunes Marques, ao decidir favoravelmente a um pedido da Associação Nacional de Juristas Evangélicos e liberar as missas e os cultos em Belo Horizonte.
A mesma sigla, dois partidos distintos
As decisões desta segunda-feira foram tomadas em duas arguições de descumprimento de preceito fundamental apresentadas pelo partido PSD e pelo Conselho Nacional de Pastores do Brasil. O curioso é que o mesmo partido que, em Belo Horizonte, queria manter os templos religiosos fechados, em São Paulo entrou na Justiça para abri-los. Além disso, o partido compõe a base do governo Doria no Estado, apesar de no Judiciário ter atuado como um opositor ao governador.
Ao decidir o pedido do PSD, Gilmar Mendes entendeu que o decreto que restringe as atividades religiosas não viola o direito à liberdade religiosa, tampouco é inconstitucional, como alegou o partido. “Em um cenário tão devastador, é patente reconhecer que as medidas de restrição à realização de cultos coletivos, por mais duras que sejam, são não apenas adequadas, mas necessárias ao objetivo maior de realização da proteção da vida e do sistema de saúde”.
Na outra, em que analisou o pedido do Conselho Nacional de Pastores, Mendes afirmou que a entidade não tinha legitimidade para apresentar o requerimento. Ainda alegou que a jurisprudência do Tribunal “é clara e direta ao entender que todos os entes federados têm competência para legislar e adotar medidas sanitárias voltadas ao enfrentamento da pandemia de covid-19”. Ele ainda cobrou a seriedade da sociedade civil no combate ao coronavírus. “Muito ajudaria se, para além do poder estatal, os entes sociais somassem esforços no sentido do efetivo combate ao vírus, numa perspectiva que prestigiasse o interesse coletivo e não objetivos corporativos”.
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