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No auge da pandemia, Nunes Marques, do STF, libera missas e cultos enquanto Bolsonaro e ministro da Saúde rejeitam “fechamento total”

Cientistas e acadêmicos pedem três semanas de ‘lockdown’ para salvar vidas. Presidente modula discurso e agora diz que sempre defendeu vacinação

Manifestantes protestam contra Bolsonaro no aniversário do golpe de 1964 na quarta-feira, no Brasil.
Manifestantes protestam contra Bolsonaro no aniversário do golpe de 1964 na quarta-feira, no Brasil.Joedson Alves (EFE)

Enquanto um grupo de cientistas e pesquisadores em saúde pública faz um novo apelo por medidas mais rígidas de isolamento social para conter a escalada mortífera de pandemia no Brasil, as autoridades do país caminham em outra direção. Neste sábado, quando os mortos brasileiros pela covid-19 ultrapassaram 330.000, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, atendeu um pedido da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) e liberou missas e cultos no domingo de Páscoa. “Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa”, disse Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro à corte no ano passado.

A vitória dos líderes religiosos, ainda que os cultos e missas tenham que respeitar regras de distanciamento social, acontece no mesmo dia em que tanto o presidente Jair Bolsonaro como seu novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, seguiram pregando contra o que chamaram de “fechamento total”. Em Brasília, Bolsonaro insistiu que a economia é prioritária. “Não podemos nos esquecer do tema do emprego. O vírus o pessoal sabe que estamos combatendo com vacinações. Apoiamos as medidas protetivas, mas tudo tem um limite”, afirmou, rejeitando o plano que denominou de política do “fecha tudo”.

Já Queiroga pediu à população que use máscara e não se aglomere, mas fez coro com o chefe. “A ordem é evitar o fechamento total, mas temos que fazer a nossa parte. Não é um assunto só dos Governos federal, estaduais ou municipais. Também é um assunto que diz respeito a cada cidadão.”

A rejeição ao “fechamento total” é exatamente o contrário do que dizem um conjunto de pesquisadores e especialistas de saúde pública, economia e políticas públicas que lançaram uma carta aberta aos governantes pedindo um lockdown nacional por três semanas. O movimento foi batizado de “Abril pela vida”. Os signatários do documento argumentam que o Brasil só colherá os louros da campanha de vacinação contra a covid-19 em maio se União, Estados e municípios tomarem medidas restritivas coordenadas já. “Sem a adoção das medidas supracitadas, teremos pelo menos 22 mil mortes adicionais, e podemos nos deparar com o surgimento de novas variantes, além de acentuarmos a crise de saúde pública e falta de leitos de UTI”, diz o texto. Março, com mais de 66.000 mortos, foi o mês mais mortífero da pandemia no Brasil.

No momento, são poucas as cidades que adotam um confinamento rígido, sem transporte público, por exemplo. A imensa maioria do país, incluindo as duas maiores metrópoles, optaram por antecipar alguns feriados deste ano e do próximo para que as pessoas possam ficar em casa sem o custo político de decretar um fechamento estrito. São Paulo, que tem mais de 90% das UTIs para covid-19 ocupadas neste sábado, deve manter o comércio de rua fechado até 11 de abril, mas não impôs nenhuma regra contra viagens intermunicipais como ocorre em regiões da Europa, por exemplo.

Presidente modula discurso pró-vacinação

O sábado foi também uma oportunidade para o presidente Jair Bolsonaro modular seu discurso sobre o coronavírus, enfatizando cada vez mais a necessidade de vacinar ―que inicialmente desprezou. Ele declarou que sua “guerra não é política”, em referência à batalha que trava com prefeitos e governadores pelas medidas para conter o vírus, que levou ao colapso do sistema de saúde. Na verdade, seria um duelo “pelo futuro da nação”, disse Bolsonaro em declarações transmitidas pelas redes sociais, ao lado do novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto.

Bolsonaro também apareceu em um centro de distribuição de alimentos para pessoas carentes na região administrativa de Itapoã, a 15 km de Brasília. De lá, com jaqueta de couro e diante de um prato de sopa, o presidente falou de política e do coronavírus após a semana mais turbulenta de seu mandato ―começou com uma profunda remodelação ministerial que afetou seis pastas, incluindo as de Relações Exteriores e a com uma ruidosa troca na Defesa que provocou uma crise. O presidente, o ministro e os guarda-costas não usaram máscara, ao contrário das funcionárias da associação beneficente que distribuía a sopa.

A pressão da classe econômica e do Congresso conseguiu, ao menos, que o mandatário já não fale mal da vacinação. Esses setores deixaram claro que será impossível recuperar a economia sem uma imunização em massa. Por isso, Bolsonaro alardeou que o Brasil aplicou mais de um milhão de injeções por dia na sexta e no sábado. Cerca de 11% dos brasileiros receberam a primeira dose; e 3%, as duas.

Ainda não se sabe se Bolsonaro, que contraiu o coronavírus na primeira onda, vai se vacinar ou não. No início, ele disse que de jeito nenhum. Nesta quinta, declarou que seria o último dos brasileiros a fazê-lo. A vacinação das pessoas de sua idade, 66 anos, já começou em Brasília, onde mora. Nos últimos dias, seu vice, o general Hamilton Mourão, recebeu o imunizante. Justamente neste sábado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a segunda dose, apenas algumas semanas após um juiz ter-lhe aberto o caminho para uma candidatura no ano que vem.

Para a próxima semana, o Governo tem na agenda duas medidas para mitigar os danos da pandemia. Por um lado, retomará na terça-feira, após intervalo de três meses, os pagamentos do auxílio emergencial pela covid-19, que nesta segunda fase devem cobrir cerca de 40 milhões de pessoas que perderam sua fonte de renda ―em sua maioria, trabalhadores informais. A outra medida busca atrair investimentos. O Executivo pretende leiloar nos próximos dias a concessão de diversas instalações. A bateria de leilões inclui 22 aeroportos, cinco terminais portuários e uma ferrovia, com os quais as autoridades esperam conseguir 10 bilhões de reais.

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