Suspeição de Moro: com decisão do STF de que ex-juiz foi parcial, provas contra Lula podem ser anuladas
Delações de testemunhas que incriminaram o ex-presidente não poderiam ser usadas pela Justiça do DF, para onde Fachin remeteu os casos, afirmam juristas
O Supremo Tribunal Federal colocou mais pimenta na discussão sobre seus julgamentos na Operação Lava Jato. A Segunda Turma da Corte decidiu nesta terça-feira a favor de um habeas corpus impetrado pela defesa do petista que pedia a suspeição de Sergio Moro, que foi juiz responsável pelas sentenças em primeira instância contra ele. A chamada suspeição é uma figura jurídica invocada quando há o receio de que a imparcialidade ou neutralidade do juiz esteja comprometida, ou seja, outros interesses, que não a métrica da Justiça, norteiem suas decisões ―logo o réu não teria acesso a um julgamento justo como previsto na Constituição. Com placar de 3 a 2 a favor do petista, foi uma vitória maiúscula de Lula.
Os advogados do ex-petista afirmavam que Moro agiu com “parcialidade” e “motivação política” contra Lula, violando princípios básicos de um devido processo legal. O julgamento havia sido paralisado a pedido de ministro Kassio Nunes Marques quando o placar estava em dois votos a favor da argumentação de Lula, e dois a favor do ex-juiz. Nesta terça, Nunes Marques votou a favor de Moro, mas Cármen Lúcia desempatou a favor do petista. Com esse resultado, até mesmo as provas colhidas pelo Ministério Público Federal ao longo dos processos seriam anuladas, afirmam juristas ouvidos pelo EL PAÍS. Com isso, uma nova condenação do petista na Justiça do Distrito Federal, para onde no começo de março Edson Fachin enviou os processos do ex-presidente, se tornaria inviável. Seguiram para o DF o caso do tríplex em Guarujá, pelo qual Lula já cumpriu parte da pena, o sítio de Atibaia, que já tinha condenação em segunda instância, e a compra do terreno do Instituto Lula e doações para a instituição.
Fachin decidiu em 8 de março que os processos de Lula não eram da competência do juiz de Curitiba, e sim do DF. Agora confirmada a suspeição de Moro, “a incompetência [de Moro ao decidir julgar os casos] deixa de ser um erro de boa-fé para se configurar como algo deliberado com o fim de cumprir um desejo político, agora escancarado”, afirma o advogado Mauricio Dieter. Neste caso, “teriam que, em novo julgamento, refazer todas as provas”. O advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, faz coro ao colega: “Não só as provas, mas os atos instrutórios [coleta e preparação de provas] não poderão ser utilizados pelo juízo do DF”. Oitivas, interceptações telefônicas e outras medidas chanceladas por Moro seriam invalidadas.
Declarar-se suspeito
Em alguns casos, juízes, promotores e desembargadores podem se declarar suspeitos e alegar a suspeição quando o processo no qual atuam envolve um familiar ou amigo, e quando já se manifestaram de forma contrária a alguma das partes fora dos autos. Na teoria, a suspeição tem relação com questões subjetivas ao juiz, e ela não é obrigatória. Outra figura semelhante que pode ser invocada no tribunal é o impedimento: os magistrados são proibidos de julgar casos envolvendo pessoas ou empresas para as quais já tenha trabalhado ou representado.
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Clique aquiO habeas corpus analisado nesta terça foi protocolado em novembro de 2018 pela defesa de Lula, e começou a ser julgado em dezembro daquele ano, mas foi suspenso após pedido de vista (mais tempo para análise) feito pelo ministro Gilmar Mendes. À época o ex-presidente já estava preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, após condenação em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá.
No documento, os advogados de Lula afirmavam que “há no caso prova (...) da suspeição do juiz Sérgio Fernando Moro para atuar e julgar o paciente [Lula], e sua verificação demanda a mera leitura das decisões proferidas pelo magistrado [Moro] e da análise de fatos públicos e notórios”. Dentre os pontos mencionados no HC agora vitorioso para justificar a acusação de parcialidade contra Moro estão a condução coercitiva do ex-presidente autorizada por ele em março de 2016 sem que o investigado fosse antes intimado para depor (conforme determina a legislação), a quebra do sigilo telefônico de Lula, seus familiares e advogados, dentre outras. “O conjunto destes acontecimentos evidencia que o magistrado vê o paciente como inimigo e sempre teve interesse pessoal no desfecho do processo”, diz o texto, que faz também referência às reuniões e conversas mantidas entre Moro e a equipe de campanha de Jair Bolsonaro, então rival do candidato petista Fernando Haddad e que posteriormente levaria o ex-juiz para o Ministério da Justiça e Segurança. Além de Cármen Lúcia, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski já haviam concordado com o argumento da defesa.
Embora não faça parte dos autos, a tese da suspeição de Moro ganhou ainda mais força após a divulgação de mensagens trocadas entre o então juiz e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato, reveladas na série de reportagens da Vaza Jato. Nos diálogos eles discutiam a data de operações e o magistrado dava dicas à equipe do Ministério Público, algo considerado irregular no devido processo legal, tendo em vista a necessidade de que o juiz se mantenha imparcial. Posteriormente mais diálogos vieram à tona com a Operação Spoofing, que prendeu os hackers que acessaram as mensagens das autoridades.
Esta reportagem, feita originalmente em 9 de março, foi atualizada nesta terça-feira.
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