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Lula catalisa corrida por 2022 e joga pressão sobre candidaturas de centro

Presença de petista reforça a polarização com Bolsonaro. Presidente usa retórica antiesquerda para manter sua base coesa

Manifestante em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília.
Manifestante em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília.Eraldo Peres (AP)
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05-03-21 Entrevista a Luiz Inacio Lula da Silva. RICARDO STUCKERT
Lula: “Falta que a gente tenha uma próxima eleição para medirmos força com Bolsonaro”
Brazil's President Jair Bolsonaro talks with journalists next his son Senator Flavio Bolsonaro after a meeting with Economy Minister Paulo Guedes in Brasilia, Brazil January 27, 2021. REUTERS/Ueslei Marcelino
Rejeição a Bolsonaro turbina chance de todos os opositores em 2022
QUITO, ECUADOR - FEBRUARY 04: Presidential candidate of Union por la Esperanza Andrés Arauz looks on during his closing campaign rally on February 4, 2021 in Quito, Ecuador. (Photo by Hamilton Lopez/Agencia Press South/Getty Images)
A esquerda retoma o voo na América Latina, mas ainda não encontra seu lugar no Brasil

Quase todas as análises sobre a eleição presidencial de 2022 feitas até o domingo podem ser ignoradas. O tabuleiro político ganhou uma nova configuração nesta segunda-feira com a decisão judicial que recolocou oficialmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa. O petista teve os seus direitos políticos restabelecidos por um habeas corpus concedido pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que entendeu que a vara que julgou seus processos ―primeiro a cargo de Sergio Moro e depois de Gabriela Hardt― em Curitiba, não tinha competência para fazê-lo e determinou que todos os casos fossem transferidos para a primeira instância do Distrito Federal, recomeçando tudo quase da estaca zero.

“Sem dúvida, a decisão do Fachin tem ares constitutivos de colocar de novo o Lula no jogo”, disse a cientista política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais Marjorie Marona. A decisão do ministro não analisou a suspeição de Sergio Moro ―um tema que segue pendente de definição―, mas ela acabou por movimentar o mundo político, o que, indiretamente e temporariamente, beneficia até o presidente Jair Bolsonaro, já que o foco das atenções midiáticas se dividirá entre o combate à pandemia de covid-19 e o debate do cenário eleitoral. Acaba também por dar munição ao presidente, que sempre investiu na polarização com o PT e com as legendas de esquerda para manter coesa sua base política.

Ao comentar o caso com jornalistas, Bolsonaro afirmou que a população não quer a volta do petista ao Palácio do Planalto. “Foi uma administração catastrófica a do PT no Governo. Acredito que o povo brasileiro sequer quer um candidato deles em 2022, muito menos pensar em uma possível eleição dele [Lula]”. De quebra, o presidente criticou Fachin, a quem disse ser ligado ao PT ―outra tática comum do bolsonarismo é criticar o STF.

Apesar do impedimento legal que existia até então, o nome de Lula jamais havia desaparecido do cenário. No fim de semana, uma pesquisa divulgada pelo instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC) mostrou que 50% dos entrevistados votariam com certeza ou poderiam votar em Lula se ele se candidatasse novamente à presidência, e 44% afirmaram que não o escolheriam de jeito nenhum. Enquanto que Jair Bolsonaro aparecia com 38% no potencial de voto e com 56% na rejeição.

Se já era uma sombra na disputa, agora restabelecido formalmente no tabuleiro, Lula aumenta a pressão sobre o centro e a centro-direita, que ainda fazem prospecções para a disputa de 2022. Para o cientista político Andrei Roman, fundador da consultoria Atlas Político, mesmo antes da decisão que favorecia Lula, o PT já garantiria lugar no segundo turno contra Bolsonaro em 2022 por causa da fragmentação dos partidos de centro e da falta de uma liderança clara desse espaço. “O que muda na margem é a fortaleza discursiva do petismo. Se antes dessa anulação o cenário de segundo turno apontava para uma ligeira vantagem do bolsonarismo, depois dela vejo uma ligeira vantagem estratégica do petismo”, afirmou Roman. Se o panorama se confirma, repetiria-se a batalha de rejeições no segundo turno, mas, desta vez, com o bolsonarismo carregando o desgaste de quatro anos no poder em meio a crises simultâneas.

A consultoria de risco Eurasia Group faz análise no mesmo sentido em nota as clientes. A empresa diz que é cedo para dizer que Lula conseguirá mesmo se candidatar, mas afirma que os analistas veem desprezando as chances da esquerda para priorizar cenários com centristas: “Num cenário onde a economia não se recupera, e a rejeição de Bolsonaro cresce, por que a esquerda não seria mais competitiva? Se o sentimento de mudança cresce, a rejeição de Lula e do PT provavelmente cairiam.”

Entre lideranças da centro-direita e direita, houve manifestações: o apresentador Luciano Huck, que é assediado por legendas para concorrer à presidência, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) falaram. “No Brasil, o futuro é duvidoso e o passado é incerto. Na democracia, a Corte Suprema tem a última palavra na Justiça. É respeitar a decisão do STF e refletir com equilíbrio sobre o momento e o que vem pela frente. Mas uma coisa é fato: figurinha repetida não completa álbum”, disse Huck em sua conta no Twitter.

Tentando se desvincular de Bolsonaro, que ajudou a eleger, Mandetta, que deixou o Governo após embates sobre a condução da pandemia, chamou seus potenciais adversários nas urnas de extremistas. “Os extremos comemoram, pois se nutrem um do outro. A ruptura da liga social brasileira avança. Mais que nunca o povo de bem terá que apontar o caminho para pacificar esse país”, disse também nas redes sociais. O tucano João Doria, que também se aliou a Bolsonaro em 2018, repetiu a mesma estratégia: “Bolsonaristas radicais propagam a ideia de que ser contrário ao presidente é ser favorável a Lula, e vice-versa. A polarização favorece os extremistas, que destroem o país. O Brasil é muito maior do que Lula e Bolsonaro”, disse o governador de São Paulo.

Ao EL PAÍS, o também tucano Tasso Jereissati afirmou que, pelo bem da democracia, é a favor da candidatura de Lula. “Gostaria até que o Lula concorresse. No momento que nós vivemos, precisamos de uma grande lição de democracia na próxima eleição. Defendo que todas as correntes ideológicas participem”, disse o parlamentar. O tom do senador mostra a mudança de clima em relação a 2018, quando Lula foi impedido de concorrer.

Responsável pelas condenações de Lula em Curitiba, Moro, que deixaria a magistratura para se tornar ministro da Justiça de Bolsonaro, foi o silêncio mais eloquente. Rompido com o ex-chefe, o ex-juiz ainda não deixou de vez a bolsa de apostas por uma carreira política. De Brasília também veio a pressão para que Moro não saia ileso e seja julgado na ação de Lula no STF que pede que ele seja considerado suspeito ao julgar o petista.

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A hegemonia do PT na esquerda

A reabilitação política de Lula retoma o lugar de hegemonia do PT nas negociações da esquerda e centro-esquerda em 2022. O principal e imediato prejudicado é Ciro Gomes, o ex-governador cearense e presidenciável pelo PDT, que já demonstrou interesse em não estar no mesmo palanque que os petistas. Em sua conta no Twitter, no entanto, ele manteve coerência e recuperou uma série de declarações feitas desde 2016 nas quais afirmava que processos duvidosos, como o de Lula, seriam anulados e que a legalidade da Operação Lava Jato estaria em xeque. “Sabe qual é a consequência das imprudências do Sergio Moro? O processo do Lula vai ser anulado.”

Já o Governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), já vinha sinalizando que abriria mão de sua candidatura em nome de Lula. “Há muitos anos, venho sublinhando que esses processos contra o ex-presidente Lula jamais poderiam ter sido julgados em Curitiba. Incompetência processual que pode e deve ser reconhecida a qualquer tempo. Vitória da Constituição”, afirmou em sua conta no Twitter.

Guilherme Boulos, candidato derrotado do PSOL à prefeitura paulistana e à presidência, disse que trabalha por construir uma frente de esquerda e que nunca pautou suas convicções por “conveniências eleitorais”. Ainda cobrou uma punição a Sergio Moro. “A anulação dos processos não pode ser a salvação de quem fez política de toga!”

Para quem analisa os cenários político e judiciário, a decisão segue uma lógica que vinha sendo desenhada há algumas semanas, tanto pelo petista quanto por membros do Judiciário. “Há um grande movimento para se colocar o Lula de volta à disputa. Já faz um tempo que ele tem demonstrado que não estava morto politicamente”, afirmou o cientista político Antonio Flávio Testa, que fez parte da equipe de transição de Bolsonaro logo após a campanha de 2018.

Para a professora Marona, o próprio ministro Fachin já vinha sinalizando esse caminho de reposicionamento do STF. Nos últimos dias, ele tem feito declarações públicas e concedido entrevistas com o objetivo de demonstrar que a corte não é conivente com atos de corrupção, que é contra atos ilegais para punir investigados, que pretende defender a democracia e que não aceita interferências externas como a pressão que o general Eduardo Villas Bôas quis fazer durante um julgamento de um processo de Lula em 2018.

“O ministro reaqueceu a pauta. Veio a público tentando construir uma certa narrativa em defesa do STF. O impacto é grande, profundo, ele fez um movimento estratégico, buscando deixar de avaliar no mérito a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro”. Havia na Corte um processo que questionava a parcialidade de Moro de julgar os casos de Lula, já que, a partir de suas decisões, o ex-presidente acabou condenado em duas instâncias e foi impedido de disputar a eleição de 2018 por infringir a Lei da Ficha Limpa.

Marjorie Marona diz ainda que, pelo andar dos processos judiciais que passarão a tramitar na primeira instância, corre-se o risco de Lula ter seus casos mais uma vez sendo julgados às vésperas da eleição presidencial, assim como ocorreu em 2018, quando só ficou claro que ele não poderia concorrer depois de ter inscrito a chapa na Justiça Eleitoral. Para que isso ocorra, contudo, deveria haver novamente uma incomum celeridade no processo da mesma maneira que aconteceu nos julgamentos de Curitiba e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. “Acho que o Poder Judiciário não se aventuraria novamente”, avalia a pesquisadora.

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