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Fachin anula condenações de Lula na Lava Jato de Curitiba e ex-presidente recupera direitos políticos

As ações do triplex do Guarujá, sítio de Atibaia, sede e doações do Instituto Lula foram encaminhadas para a Justiça do Distrito Federal

Lula da Silva
O ex-presidente Lula no ano passado, no dia de votação das eleições municipais.AMANDA PEROBELLI (Reuters)

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuperou seus direitos políticos e, no momento, pode concorrer às eleições de 2022, se assim quiser. O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu nesta segunda-feira habeas corpus que declara a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela maioria dos casos da Operação Lava Jato, para julgar o ex-presidente Lula. Com isso, as condenações do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, e as ações sobre a sede e doações do Instituto Lula voltam à primeira instância no Distrito Federal. Ou seja, as duas condenações em segunda instância do petista deixam de valer e ele se livra, ao menos neste primeiro momento, do impedimento da Lei da Ficha Limpa. A Procuradoria-Geral da República vai recorrer da decisão do ministro Fachin. A 13ª Vara de Curitiba, por sua vez, disse em nota que irá cumprirá a decisão do ministro do STF.

A decisão monocrática (solitária) de Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, é um terremoto que pega o mundo político de surpresa pelo timing. Há meses os processos contra Lula, especialmente os julgados pelo ex-juiz Sergio Moro, estão sob forte bombardeio após as revelações da chamada Vaza Jato, que trouxe à tona mensagens privadas mostrando a proximidade entre magistrado e procuradores que viola a Constituição brasileira. Esperava-se que o Supremo primeiro analisasse o pedido de Lula para considerar Moro suspeito, um julgamento que desde 2018 espera para ser retomado pela principal corte brasileira.

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Fachin decidiu com base num debate antigo da Lava Jato. A decisão do ministro parte do entendimento de que Curitiba deveria ser responsável apenas pelo “julgamento dos fatos que vitimaram a Petrobras” e nada fora disso. Ou seja, extrapolou suas funções ao julgar casos-combo de Lula. A questão da jurisprudência vem desde os primórdios da Lava Jato, uma vez que a 13ª Vara Federal aglutinou a grande maioria de processos da operação. Em 2015, o STF decidiu que seria critério de distribuição de casos o local de origem do crime e a relação direta com crimes praticados pela Petrobras. Na época, muitos processos acabaram fatiados, mas ficou definido que os atos determinados por Moro em Curitiba não seriam anulados. A ordem de Fachin de anular os processos vai contra o que foi determinado pelo Plenário do Supremo há seis anos, e causa estranheza entre juristas ouvidos pelo EL PAÍS, que afirmam que a decisão deixa várias pontas soltas. Não se sabe como ficará o processo de suspeição de Moro (Fachin o declara extinto), se será, por exemplo, feita a validação das mensagens apreendidas pela Operação Spoofing ―o intercâmbio entre procuradores e Moro obtidos por hackers eram até então então o maior trunfo de Lula em tentar provar sua inocência na acusação de corrupção no Instituto Lula―.

As primeiras análises dos processos envolvendo Lula apontam que voltar esses casos à estaca zero tem ao menos uma consequência: há possibilidade de que os crimes apontados nas condenações já estejam prescritos ou em vias de serem prescritos. Como o petista tem mais de 70 anos, todos os prazos de tramitação antes da prescrição devem ser reduzidos pela metade. Ainda não se sabe também quem será o magistrado ou magistrada que ficará com os casos na primeira instância em Brasília. Segundo O Globo, podem ser os juízes Vallisney de Souza Oliveira, tido como linha-dura e mais alinhado à Lava Jato e que já tem outros casos de Lula nas mãos, e Marcus Vinicius Reis Bastos, considerado de perfil mais garantista, ou pró-réu. São os magistrados que vão analisar se consideram ou não todas as provas e depoimentos contra o petista e da defesa dos casos coletados pela Lava Jato, já que Fachin não anulou essa fase dos processos e deixou para a nova instância essa tarefa. A celeridade ou não desse processo de reanálise pode ser decisivo para o desfecho dos casos e impactos nas intenções políticas de Lula.

Manobra de Fachin

Nesta segunda, a defesa do ex-presidente Lula lançou nota na qual parece estar tentando ainda entender a estratégia de Fachin. Os advogados rebatem a afirmação do ministro do Supremo de que sua determinação teve como base um pedido de habeas corpus feito em novembro de 2020. Os advogados afirmam que há mais de cinco anos tentam em todas as instâncias que fosse reconhecida a incompetência da 13ª Vara de Curitiba para decidir sobre investigações ou sobre denúncias da força tarefa da Lava Jato. “Também levamos em 2016 ao Comitê de Direitos Humanos da ONU a violação irreparável às garantias fundamentais do ex-presidente Lula, inclusive em virtude da inobservância do direito ao juiz natural — ou seja, o direito de todo cidadão de ser julgado por um juiz cuja competência seja definida previamente por lei e não pela escolha do próprio julgador”, afirmam.

Os advogados destacam ainda que a decisão não repara os “danos irremediáveis” causados a Lula, que chegou a ficar 580 dias preso, teve seus direitos políticos cassados, e não pode concorrer nas eleições presidenciais de 2018. Em nota, o Instituto Lula criticou a “farsa” criada pela Lava Jato e afirmou que “é lamentável que o Brasil e a democracia tenham pagado um preço tão alto antes que essa injustiça fosse reconhecida”. Deltan Dallagnol, que foi chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, usou o Twitter para dizer que entendia Fachin, que apenas seguia a nova jurisprudência do tribunal sobre a competência da vara do Paraná. “Esse é mais um caso derrubado num sistema de justiça que rediscute e redecide o mesmo dezenas de vezes e favorece a anulação dos processos criminais”, criticou.

A pergunta que fica é: por que Fachin decidiu agora? Uma das hipóteses é que a defesa de Lula estava colocando não apenas Moro, mas toda a Lava Jato e o próprio Supremo em xeque. Diálogos da Operação Spoofing selecionados pelo perito do petista indicam que, em julho de 2018, a então presidente da Corte, Cármen Lúcia, teria mandado descumprir uma decisão que pedia a liberdade de Lula. “Cármen Lúcia ligou para [Raul] Jungman e mandou não cumprir e teria falado também com Thompson [Flores]”, afirmou o procurador Deltan Dallagnol em mensagem. A conversa é um bastidor do dia 8 de abril de 2018, após o desembargador Rogério Favreto, que estava de plantão, mandar soltar o ex-presidente, que havia sido preso no dia anterior. Jungman, que era ministro da Justiça, falou ao site Conjur que ele nunca conversou com Dallagnol.

Por si só, a mensagem não dá o cenário completo do que aconteceu, mas planta a semente da dúvida, o que, no final, poderia favorecer Lula. “Houve um conluio para evitar que o Lula pudesse voltar à presidência do Brasil. Mentiu uma parte da Justiça, uma parte do Ministério Público, da Polícia Federal. Envolveram muita gente numa mentira, reforçada pelos meios de comunicação. Agora que sabem a verdade, como vão dizer para a sociedade que, durante cinco anos, condenaram uma pessoa inocente?”, disse Lula em entrevista ao EL PAÍS na sexta-feira.

Lula ainda tem um caminho árduo para provar sua inocência. Além dos processos do triplex do Guarujá, sítio de Atibaia, sede e doações do Instituto Lula, que voltam à estaca zero, o ex-presidente ainda se defende de pelo menos outras cinco ações na Justiça. Ele já foi inocentado de três processos.

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