Denúncia da PGR contra Daniel Silveira dá brecha para Câmara soltar deputado, mas pressão do Supremo pesa

Ministério Público Federal acusa parlamentar que ameaçou ministros do STF de quatro crimes, mas não pediu que ele seja preso, apenas que use tornozeleira eletrônica

O deputado Daniel Silveira durante discurso em março de 2019, na Câmara.Luis Macedo/ Câmara
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A prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) por ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal, atacar a Corte e defender o Ato Institucional 5, da ditadura militar, deixou a Câmara dos Deputados em uma espécie de beco sem saída. Os deputados não sabem se concordam com uma decisão unânime dos 11 ministros do Supremo ou se abraçam o corporativismo e o protegem. Com a indefinição, depois de uma série de reuniões ao longo desta quarta-feira, os parlamentares decidiram não intensificar um confronto institucional e vão esperar ao menos mais um dia para sentir o clima e colocar em votação se a detenção deve ser revogada ou não. Pela Constituição, cabe aos parlamentares decidirem se um colega pode ou não ser preso.

O deputado, fiel aliado do presidente Jair Bolsonaro, gravou um vídeo de 19 minutos em que ataca ministros do Supremo, especialmente Edson Fachin numa agressividade jamais vista pela boca de um deputado desde a redemocratização. “Todo mundo tá cansado dessa tua cara de filha da puta, que tu tem, essa cara de vagabundo, decidindo aqui no Rio de Janeiro que polícia não pode operar enquanto o crime vai se expandindo cada vez mais. Me desculpem se eu tô um pouquinho alterado, realmente eu tô. Por várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra. Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra”, disse Silveira no vídeo que ele mesmo divulgou nas redes sociais na noite desta terça-feira.

O ministro do STF, Alexandre de Moraes, usou o vídeo como justificativa para ordenar prisão imediata do deputado alegando flagrante. Embora a decisão tenha sido criticada por juristas, ela foi apoiada pelos 11 ministros da Corte, o que jogou uma bomba no colo da Câmara dos Deputados. Como uma sinalização de que poderia punir Silveira de alguma forma, a cúpula da Casa, comandada por Arthur Lira (PP-AL), decidiu reativar imediatamente o Conselho de Ética e fez uma representação contra o bolsonarista. Partidos de oposição também o denunciaram por quebra de decoro parlamentar e pediram a cassação de seu mandato.

Arthur Lira também cancelou todas as votações que ocorreriam nesta semana e chamou uma reunião das lideranças da Casa para decidir o que farão com o caso de Daniel Silveira, um deputado com poucos aliados no Parlamento por ser de difícil trato. Ele ficou conhecido nacionalmente ao destruir uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), morta a tiros em um crime político.

Paralelamente aos passos dados pela Câmara, o STF marcou para tarde desta quinta-feira a audiência de custódia do congressista. Nela, se decidirá se a detenção será mantida, se ele será libertado ou se a prisão será revertida em medida cautelar —por exemplo, o uso de tornozeleira eletrônica, o afastamento do mandato ou a proibição de se relacionar com outros investigados pelo mesmo tema.

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A Procuradoria-Geral da República já havia acusado o deputado formalmente de quatro crimes: praticar agressões verbais e graves ameaças contra ministros da Corte para favorecer interesse próprio, incitar o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e incitar a animosidade entre as Forças Armadas e o STF. Mas um detalhe chamou a atenção: a PGR não solicitou a prisão preventiva do deputado, apesar das acusações. Ao invés disso, na denúncia feita ao STF, a PGR solicitou que Silveira seja monitorado eletronicamente por meio de uma tornozeleira, que se recolha em seu domicílio à noite e que seja proibido de frequentar as dependências do Supremo. “Se a PGR não pediu a prisão, ele deve ser solto. Sob o risco de que a manutenção de sua prisão seja ilegal. O que não impossibilita de que tenha de cumprir medidas restritivas”, avalia o advogado Thiago Turbay, coordenador-adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais de Brasília.

Na denúncia, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, diz que desde que passou a ser investigado no polêmico inquérito das fake news, Silveira reiteradamente cometeu crimes contra ministros da Corte. “Suas expressões ultrapassam o mero excesso verbal, na medida que atiçam seguidores e apoiadores do acusado em redes sociais, de cujo contingente humano, já decorreram até ataques físicos por fogos de artifício à sede do Supremo Tribunal Federal”, diz o na peça em que o acusa dos quatro delitos.

Ex-policial-militar que foi expulso da corporação, Silveira foi preso em sua casa, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, na noite de terça-feira depois de publicar um vídeo em suas redes sociais no qual diz que todos os ministros deveriam ser destituídos de seus cargos, insinua que alguns deles recebem dinheiro ilegal para tomarem suas decisões e afirma que por várias vezes já imaginou o ministro Luiz Edson Fachin “levando uma surra”. “Quantas vezes eu imaginei você [Fachin] e todos os integrantes dessa Corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra”. Silveira é investigado no inquérito das fake news, que é relatado pelo ministro Alexandre de Moraes. Durante a sessão do Supremo, o ministro Marco Aurélio de Mello disse que as falas “ácidas, agressivas e chulas” exigiam parar a “prática delituosa” do deputado. Passou então a bola para os deputados. “Agora se deve aguardar o pronunciamento da Câmara dos Deputados que certamente não faltará ao povo brasileiro.”

Corda esticada

A sequência de delitos praticados por Silveira chamou atenção no meio jurídico. Um dos debates era sobre a ausência de flagrante delito, que é o único critério pelo qual um parlamentar poderia ser preso. O outro era sobre a questão política por trás da decisão de Moraes, referendada pelos outros dez ministros do STF. “Há muito tempo está havendo um estresse das instituições e agora a corda estourou”, ponderou o criminalista Thiago Turbay.

A tensão entre os dois Poderes vem na sequência de uma semana que ferveu com a assinatura de decretos do presidente para facilitar ainda mais a venda de armas, e depois de uma alfinetada entre o ministro Edson Fachin e o general aposentado Eduardo Villas-Bôas, ex-comandante do Exército e atual assessor do presidente Jair Bolsonaro.

Em 2018, o general fez um tuíte visto como autoritário durante o julgamento de um pedido de habeas corpus feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como forma de pressionar o Supremo para manter o petista preso, Villas-Bôas escreveu em seu perfil no Twitter que o Exército compartilhava do “anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. Em livro lançado neste mês, o general comenta esse episódio e detalha que aquela manifestação foi discutida previamente com o Alto Comando do Exército. No STF, a primeira reação veio do ministro Edson Fachin, que divulgou uma nota nesta terça para dizer, à luz do que o general detalhou em seu livro, que a manifestação foi uma “intolerável e inaceitável” pressão das Forças Armadas no Judiciário. Villas Bôas não deixou por menos e retrucou: “Três anos depois.” Foi a vez então do ministro Gilmar Mendes responder ao general. “A harmonia institucional e o respeito à separação dospoderes são valores fundamentais da nossa República. Ao deboche daqueles que deveriam dar exemplo responda-se com a firmeza e senso histórico: ditadura nunca mais!”, escreveu Gilmar.

Foi essa troca de farpas que animou o deputado do PSL a gravar o vídeo. Os deputados, por ora, estão divididos sobre a prisão, ainda que sob forte pressão do resultado do Supremo. Bolsonaristas e outros membros da base do Governo defenderam a soltura de Silveira. Enquanto que opositores entenderam que ele ultrapassou o limite do razoável ao ameaçar insistentemente ministros da Corte e defender uma ruptura institucional. “A liberdade de opinião não é instrumento de ódio antidemocrático, arroubos totalitários e ameaças criminosas”, disse o líder do Cidadania, Alex Manente, à Agência Câmara de Notícias.

O vice-líder do Novo, Alexis Fonteyne, disse que o vídeo de Silveira é “grosseiro, ofensivo, desnecessário, é uma baixaria”, mas ele “não justifica a sua prisão”. “Assistimos a um autoritarismo. A mão grande dos membros do STF agindo novamente acima da Constituição”, reclamou. Na mesma linha, seguiu o líder do PSL, Vitor Hugo: “A inviolabilidade parlamentar quanto a opiniões, palavras e votos é pilar constitucional da democracia; relativizá-la fere a separação dos Poderes”. Ao que tudo indica, nesta quinta-feira, a Câmara ficará, mais uma vez, em um compasso de espera.

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