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STF mantém prisão controversa de deputado Daniel Silveira e cria constrangimento à Câmara

Decisão, que havia sido tomada por Alexandre de Moraes, foi referendada por todos os demais ministros da Corte. Deputados agora precisam decidir se acatam decisão do Supremo ou se fortalecem os ataques bolsonaristas ao determinar a liberdade de Silveira

O deputado Daniel Silveira em novenbro de 2020, durante sessão na Câmara.
O deputado Daniel Silveira em novenbro de 2020, durante sessão na Câmara.Joédson Alves (EFE)
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O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na tarde desta quarta-feira ratificar a decisão do ministro Alexandre de Moraes e manter a prisão em flagrante do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ). O parlamentar, que é investigado no inquérito do STF que apura fake news e ataques à Corte, foi levado pela Polícia Federal durante a madrugada após publicar em suas redes um vídeo em que fazia ameaças a ministros do Tribunal e pedia que eles fossem retirados do cargo. “As manifestações revelam-se gravíssimas, do ponto pessoal e institucional. Elas não foram apenas ameaça ilegal à segurança dos ministros desta Corte, mas se revestiram de claro intuito de impedir o exercício livre do Judiciário”, justificou Moraes durante o julgamento no Plenário. Todos os demais ministros concordaram com a argumentação.

A decisão do colegiado impõe agora um constrangimento à Câmara, que deve decidir nos próximos dias se mantém ou não a prisão, já que o deputado tem foro privilegiado. A expectativa era de que os parlamentares se debruçassem sobre o assunto nesta quarta, mas a pauta ainda está em aberto. Se eles ratificarem a decisão do Supremo e mantiverem o deputado preso abrirão uma brecha para que a Corte se volte a outros parlamentares no futuro com base no controverso inquérito sobre fake news, sem que eles tenham muita margem de argumentação para reagir. Por outro lado, se contrariam a Corte, compram uma briga com os magistrados por conta de um deputado polêmico de conduta questionável e podem dar mais fôlego aos bolsonaristas radicais, que ecoam pela Internet pedidos antidemocráticos como a volta o Ato Institucional número 5 e a própria destituição do Supremo e do Parlamento.

Durante a abertura da sessão nesta quarta, Moraes afirmou que não se trata de um caso de “liberdade de expressão”: ao se referir ao vídeo, o ministro afirmou que aquelas “manifestações tinham o mesmo intuito de corroer o sistema democrático brasileiro, de abalar o regime jurídico do Estado Democrático de Direito”, o que seria vedado pela Carta Magna. “Não é permitida pela Constituição a propagação de ideias que contrariem a nossa ordem constitucional”, disse.

O ministro teve apoio até mesmo do colega de toga Marco Aurélio Mello, que já criticou abertamente o inquérito das fake news tendo chamado o processo de ilegal por “não observar o sistema democrático”. A investigação foi aberta no próprio STF, sem participação do Ministério Público Federal, o que gerou uma avalanche de críticas de que a Corte está sendo “vítima, acusadora e juíza” ao mesmo tempo, em desrespeito ao devido rito legal.

A tese de Moraes ganhou um reforço de peso após a sessão da Corte. O Ministério Público Federal denunciou Silveira ao STF por “praticar agressões verbais e graves ameaças contra ministros da Corte para favorecer interesse próprio, em três ocasiões, incitar o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, por duas vezes, e incitar a animosidade entre as Forças Armadas e o STF, ao menos uma vez”. Estes comportamentos configurariam, segundo a acusação, crimes estabelecidos pela Lei de Segurança Nacional —legislação dos tempos da Ditadura. A denúncia foi feita no âmbito do inquérito que investiga atos antidemocráticos, também da relatoria de Moraes, e a peça foi assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros.

A prisão do deputado na madrugada desta quarta gerou polêmica entre juristas e advogados. Especialistas ouvidos pelo EL PAÍS apontaram que houve uma interpretação genérica da legislação por parte de Moraes para embasar sua decisão, bem como a abertura de um precedente perigoso ao determinar a detenção do parlamentar nos termos em que foi realizada. O ministro lançou mão de uma ordem judicial para decretar a prisão em flagrante, alegando que haveria uma “infração permanente” por parte do deputado, tendo em vista que o vídeo está online e poderia continuar a ser acessado continuamente. “As condutas criminosas do parlamentar configuram flagrante delito, pois na verifica-se, de maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos, uma vez que o referido vídeo permanece disponível e acessível a todos os usuários da rede mundial de computadores, sendo que até o momento, apenas em um canal que fora disponibilizado, o vídeo já conta com mais de 55.0000 acessos. Relembre-se que, considera-se em flagrante delito aquele que está cometendo a ação penal, ou ainda acabou de cometê-la”, escreveu o ministro em sua decisão.

Para o advogado criminalista Fábio Tofic Simantob, a medida é “uma forçada de barra por parte do ministro”. “A ordem judicial em flagrante é uma contradição: o flagrante ocorre antes da chama do crime se apagar, digamos assim. Determinar um flagrante por ordem judicial é uma contradição em termos”. De acordo com o jurista, o flagrante aconteceria caso uma autoridade tivesse visto Silveira gravando o vídeo, ou então se dirigindo para uma plateia”. Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e pesquisador também diz considerar “duvidoso” o conceito de flagrante utilizado na decisão judicial. “Segundo a decisão, haverá flagrante sempre que um conteúdo estiver na Internet”, afirma . Em tese, de acordo com ele, essa ampliação da definição de flagrante abriria “precedentes perigosos”, especialmente porque ele foi “respaldado com base na Lei de Segurança Nacional, uma herança jurídica dos tempos da ditadura”. “Imagina os policiais militares do Brasil podendo prender em flagrante com base nesta lei qualquer pessoa que ameaçasse o presidente, por exemplo, em uma postagem na internet feita meses atrás”.

Se por um lado as ameaças de Silveira são graves, há consenso entre os especialistas ouvidos de que a resposta do STF foi fora de tom. “Da mesma forma que o deputado parece querer testar os limites da ordem democrática, com suas postagens, o Supremo responde como quem quer testar os limites da ordem jurídica. Foi a pior resposta possível”, diz Tofic. Mafei argumenta que “a emenda pode sair pior do que o soneto”. “Se a Câmara afastar a prisão imposta [o plenário irá discutir a questão ainda nesta quarta] isso forçosamente será lido como uma vitória de um deputado que é propagador de um discurso antidemocrático e ditatorial. Caso isso ocorra, no final das contas a figura deste parlamentar pode sair fortalecida”, diz.

A decisão que prendeu Silveira teria ainda uma espécie de “vício de origem”, segundo os especialistas. Ela teve como ponto de partida justamente o controverso inquérito do STF que investiga a disseminação e fake news contra os membros da Corte, que tem como relator o próprio Moraes e teve origem no Supremo. Não é a primeira vez que essa investigação se volta contra bolsonaristas: em junho do ano passado 11 parlamentares alinhados com o presidente tiveram seus sigilos bancários quebrados neste processo. “Esse inquérito é uma das violações da Constituição mais graves que o STF cometeu nos últimos dez anos”, afirma o professor do Insper Ivar Hartmann. Para ele, trata-se de uma investigação na qual os ministros “são vítimas, acusadores e juízes”. Mafei faz coro ao colega: “Trata-se de um inquérito que não investiga um ato específico, mas que está em aberto em caráter permanente e a partir do qual o STF e, mais especificamente, Moraes reage a todo tipo de conduta que segundo ele demanda uma reação”.

O fato de Moraes ter decidido deter o deputado de forma monocrática, ou seja, sem aval dos demais ministros, também é vista como problemática. “Se a situação é tão urgente que exige a imediata prisão de um deputado, também seria urgente o suficiente para justificar que os ministros separassem um pedaço de sua agenda para deliberar sobre o assunto na terça-feira”, diz Mafei. Este tipo decisão unilateral por parte de integrantes do STF em assuntos delicados é bastante criticada no meio jurídico por expor a instituição e não levar em conta o caráter colegiado da mesma.

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