México fecha fronteira com a Guatemala ante a chegada da nova caravana migrante
Na passagem de El Ceibo, em Tabasco, as autoridades bloqueiam o acesso durante horas e depois abrem a conta-gotas. Alguns se deslocam até a montanha para burlar os controles
Chove na fronteira de El Ceibo, e ninguém tem onde se proteger. Apenas alguns plásticos, folhas finas de árvores jovens, uma chapa de metal enferrujada. Alguns nem sequer tentam: ficam no meio do caminho, diante da cerca fronteiriça, com suas estacas brancas e seu arame farpado. Sobre a cerca há uma placa que diz: “Bem-vindos ao México”, frase que perdeu todo o sentido num lugar como esse. Há centenas de homens, mulheres e crianças, talvez até mil: é a nova caravana migrante que sobe de Honduras e tenta chegar aos Estados Unidos. Jovens magros como ossos de frango, meninas cansadas com os chinelos perdidos no barro.
Eles se movem como se move um coração, sístole e diástole, ao ritmo de gestos de quatro ou cinco homens que vão e vêm da cerca, mantendo diálogos com outros homens do outro lado da barreira. O grupo, atento, reage ao que lhes dizem. Ora se espalha ao longo do trajeto fronteiriço, ora recua, todos organizados, juntos, um na frente do outro diante da cerca, como se esperassem sua vez, as mulheres e as crianças primeiro. E assim, várias vezes, eles se juntam e se espalham. Tudo por causa dos rumores do momento: já os deixarão passar, ainda não, dentro de uma hora; serão levados a Villahermosa (capital do estado de Tabasco, onde está El Ceibo), todos conseguirão trabalho. Chegaram aqui às seis da manhã e não saberão o que acontecerá durante horas. Uma palavra define os dias na caravana: incerteza.
“Queríamos atravessar pela montanha, mas lá te assaltam”, diz Jaled Rodríguez, de 26 anos, morador de Langue, um vilarejo do sul de Honduras. Assim fizeram muitos. Rodearam o posto de controle fronteiriço pela montanha, uma estrada lamacenta e escorregadia que em 20 minutos te deixa no México. “É a quinta vez que tento cruzar. Em Honduras está muito complicado. As pessoas só ganham o suficiente para sobreviver, e a ideia é prosperar”, conta. Jaled trabalhava numa fábrica de camisetas até se juntar à caravana. Ganhava 250 dólares (1.050 reais) por mês.
“Esta manhã, comentavam que o portão seria aberto, mas não foi”, afirma Emerson Ponce Palacio, de 21 anos. “Também dizem que lá em Tecún Umán [na fronteira com Chiapas, a rota tradicional] a polícia lançou gás lacrimogêneo porque um grupo chegou fazendo confusão”.
“Tenho amigos da primeira caravana que conseguiram chegar aos EUA”, diz Walter Murillo, 35. “Venho de Choloma. Deixei o trabalho na maquila porque tinha seguro social, mas depois não queriam nos atender. Nós pagávamos [o seguro] mas eles o tiravam da planilha!”, exclama indignado. É algo que se repete: condições de trabalho aberrantes, seguros que não são cobertos, contratos que duram dois meses em vez de três porque os patrões não querem que seus trabalhadores adquiram direito algum. A nova caravana cruzou a Guatemala dividida. Saiu de San Pedro Sula, em Honduras, na quarta-feira. Alguns, mais de 2.000, seguiram para o sul, rumo à capital, e de lá para Tecún Umán e Ciudad Hidalgo, já no México. É a rota seguida pelas primeiras caravanas, que começaram a se formar na América Central no final de 2018. Este grupo chegou às portas do México na manhã de sábado, assim como o de El Ceibo. Durante um tempo, parecia que os migrantes acabariam entrando à força, mas a Guarda Nacional mexicana os dispersou com gás lacrimogêneo. Depois começaram a entrar aos poucos. As autoridades mexicanas os colocavam em ônibus. Ao que parece, os enviavam a um centro de detenção —uma “estação migratória”— na vizinha cidade de Tapachula.
As caravanas foram uma grande novidade porque romperam com a velha lógica da migração individual. Em grupo, a ideia de migrar sofreu uma mutação. Todos juntos eram menos vulneráveis a crimes, sequestros e extorsões. A união fazia a força. E assim foi, pelo menos nas primeiras vezes. A maioria dos migrantes que integraram a primeira caravana chegou à fronteira sul dos EUA. Mas agora não é tão fácil como antes. As fronteiras são fechadas, e os policiais os perseguem. Outras rotas despontam como resposta às dificuldades impostas pelos governos. Os que não foram para o sul na quarta-feira seguiram uma rota atípica, próxima ao mar do Caribe, que os levou finalmente às margens da desmatada floresta Lacandona, em El Ceibo. O último boato é que poderão passar em grupos, serão colocados num ônibus e levados a Villahermosa. E ali tem trabalho, explica Héctor Santos, 28, natural de Cortés (Honduras). “Nos disseram que há 4.000 postos de trabalho lá”, afirma. Ou seja: 4.000, os mesmos mencionados na sexta-feira pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, em sua tradicional entrevista coletiva matutina. Santos é solteiro, não tem filhos, não avisou ninguém que iria embora com a caravana. Não tem celular nem Facebook. Hoje calça chinelos azuis sobre meias cinzentas.
Com o passar do tempo, Santos e outros homens retornam à cerca para ver o que há de novo. Por enquanto, nada. A chuva volta a cair em El Ceibo, e o grupo começa a se dispersar, sístole e diástole. Pouco depois, Santos e os demais voltarão com uma espécie de sorriso na cara: parece que começarão a abrir o portão e os deixarão passar. Alguns aplaudem. Outros não dizem nada e permanecem quietos, sob a chuva, ao lado da cerca branca, em frente ao letreiro que diz: “Bem-vindos ao México”.
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