Candidaturas de policiais repetem fórmula de 2018, mas já ganham oposição dentro da instituição
Há 21% a mais de candidatos a prefeito e vereador da área de segurança neste ano, na esteira da vitória de Bolsonaro e da bancada da bala no Congresso. Policiais de esquerda fazem discurso anti-violência
As eleições municipais deste ano serão um teste de fogo para representantes das Forças Armadas e de corporações de segurança, que apresentaram 21% mais candidatos em 2020 do que no pleito de 2016. Alinhados com as pautas conservadoras, policiais, militares, bombeiros e guardas civis tentam, em sua maioria, se colar na imagem do presidente ultradireitista Jair Bolsonaro (sem partido) para vencerem as disputas para cargos de vereador e prefeito. Neste ano, há 8.730 concorrentes para prefeituras e Câmaras de vereadores em 5.569 municípios. Quatro anos atrás, 6.897 deixaram os quartéis e as delegacias para disputarem o pleito. Os dados constam da base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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No grupo, também há policiais identificados com pautas progressistas e que fazem oposição ao presidente, que foi capitão do Exército. Alguns destes, todavia, nem sempre estão dispostos a levantar a bandeira de opositores, temendo perder votos da caserna. “É a minha primeira eleição, não concordo com quase nada que o Bolsonaro defende, mas se eu falar algo que desagrade a ele ou ao eleitor dele, posso perder voto entre policiais que eu represento”, disse um oficial da PM candidato a vereador em uma capital e filiado ao PDT.
A disparada na quantidade de candidaturas se deve não só ao sucesso eleitoral obtido pelo presidente, mas também pelos congressistas vitoriosos em 2018. Naquele ano, houve um salto de 36 para 102 deputados federais e senadores eleitos como membros da Frente Parlamentar da Segurança Pública, a bancada da bala. A disseminação é tamanha que em 14 das 26 capitais de Estados há candidatos às prefeituras que são ou foram policiais, bombeiros ou militares da Marinha, Exército e Aeronáutica. “É uma tentativa de reforçar o discurso de lei e da ordem que tem ganhado força junto à população. Deixam de lado debates sobre educação e saúde, por exemplo, para discutir a segurança, como se ela não dependesse de outros fatores”, diz o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Os partidos e as bancadas da bala espalhadas pelo país também estão de olho em um enorme contingente de votos. Dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública lançado nesta semana mostram que policiais e membros das Forças Armadas totalizam 5,6 milhões de pessoas, ou 3,8% do eleitorado nacional. Se levado em conta o tamanho médio das famílias brasileiras, de 3,3 pessoas, chega-se a marca de 18,5 milhões de habitantes (9% da população) diretamente ligados a policiais e militares. “Tenho a mesma linha de pensamento do presidente, que defende a família e a segurança pública”, diz um dos candidatos bolsonaristas, o coronel Alírio Villasanti (PSL), que concorre a vereador de Campo Grande (MS).
Segundo os dados do TSE, os partidos que mais lançaram candidatos policiais e militares são a antiga legenda de Bolsonaro, o PSL (618), e cinco siglas de sua base de apoio e membros do Centrão: Republicanos (417), o PSD (413), o MDB (395), o PP (379) e o PL (375). Na outra ponta estão os esquerdistas PCdoB (45), Rede (38), PSOL (25) e PSTU (1). O único intruso nesta base é o direitista NOVO (5).
No Nordeste, região em que a oposição a Bolsonaro foi a maior no pleito passado e em que nenhum governador é fiel aliado do presidente, há membros das forças de segurança nas disputas de oito das nove capitais. Somente São Luís não tem um representante de policiais ou militares na concorrência pelo Executivo local. E apenas em Salvador há uma concorrente da esquerda que veste farda, a major da PM Denice Santiago (PT). Nesta região, por ora, existe uma preocupação em não se vincular diretamente a Bolsonaro.
Sem filiação partidária, o presidente só indicou apoio a cinco concorrentes às prefeituras de todo o Brasil, um deles é o deputado federal capitão Wagner Sousa Gomes (PROS), que lidera as pesquisas em Fortaleza (CE). Sem declarar o nome de seu apadrinhado, Bolsonaro disse em uma transmissão ao vivo por suas redes sociais que em Fortaleza apoiava um capitão. Wagner, que fez carreira política após liderar uma ilegal greve de policiais no Ceará, refuga o rótulo de “o prefeito de Bolsonaro” porque 64% dos fortalezenses rejeitariam um candidato apadrinhado pelo presidente, conforme pesquisa Datafolha publicada pelo jornal O Povo.
A tentativa da esquerda de se espraiar pela área agora tão identificada com o bolsonarismo tem se enfraquecido ano a ano. Conforme o levantamento feito pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública em seu anuário, 87,7% dos concorrentes para a Câmara e para as prefeituras se identificam com partidos de direita ou de centro direita. Enquanto que 12,4% com os de esquerda e centro esquerda. Em 2016 a proporção era de 80,4% contra 19,7% e em 2012 era de 74,4% contra 25,6%. As informações foram obtidas ao cruzar dados das bases de da Receita Federal, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do TSE.
Na visão de quem milita politicamente na área de segurança, esse aumento de candidaturas de direita ocorreu porque a esquerda não soube se aproximar de policiais e militares. “A direita se favorece porque a esquerda sempre viu o policial como uma espécie de inimigo, não como um aliado, como um trabalhador”, diz o delegado Orlando Zaccone, um dos coordenadores nacionais do Movimento Policiais Antifascismo.
Candidato a vereador pelo PSOL no Recife, o agente de polícia Áureo Cisneiros, diz que o grande desafio é o de demonstrar que o policial é “garantidor de direitos e vidas”. “Nós não somos exterminadores de vidas, não somos o braço armado do Estado”, afirmou. Outro que segue na mesma linha é o policial militar reformado Martel Del Colle, que disputa uma vaga para a Câmara Municipal de Curitiba pelo PDT. “Queremos formar a bancada ‘antibala’, preservando os direitos humanos, não investindo na violência”, disse.
Na avaliação do cientista político Fleischer, a tendência é que 2020 seja marcado como um ano de avanço dos representantes da segurança nas câmaras municipais. “É o momento em que as pessoas aproveitam o momento de angústia do eleitorado para explorar o midiático tema de segurança pública”. Ele ressalta ainda que as disputas nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, poderão servir de exemplo para as demais. Na capital paulista não há concorrentes da área de segurança, mas ao menos dois deles têm discursos semelhantes ao de policiais, Celso Russomanno (Republicanos) e Márcio França (PSB). Enquanto que no Rio, a terceira colocada nas pesquisas, a delegada Martha Rocha (PDT) é vista como uma das capazes de romper a polarização entre o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) e seu antecessor, Eduardo Paes (DEM).
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