Menos de 200 cidades do país têm datas para retomar aulas presenciais na rede pública em 2020
Estudo da Confederação Nacional dos Municípios mostra também que mais de 80% dos municípios não veem condições de reabrir as escolas ainda este ano
Mais de sete meses depois de registrar o primeiro caso de coronavírus, o Brasil ainda não atingiu níveis seguros na pandemia para a retomada das atividades escolares presenciais. Embora vários Estados já tenham começado a autorizar a volta às aulas, a realidade na ponta indica um cenário ainda repleto de incertezas. Cerca de 82% dos municípios não veem possibilidade de retomar as atividades presenciais nas escolas ainda neste ano, e 93,8% dizem não ter previsão de data para a volta às aulas. Os dados são de uma pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que consultou 3.988 prefeituras (71,6% do total do país) e traça um panorama de como as cidades brasileiras vêm levando suas políticas educacionais durante a crise, assim como o futuro que vislumbram para o pós-pandemia.
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A pesquisa mostra ainda que, por enquanto, apenas 197 dos quase 4.000 municípios pesquisados afirmam já terem uma data de reabertura das escolas. E mesmo para eles o cenário é de incerteza. Alguns Estados ― como por exemplo Maranhão, Rio Grande do Norte, Acre, Piauí e Distrito Federal― chegaram a anunciar a volta às aulas, mas acabaram recuando. As decisões estão sempre pendentes do comportamento do vírus em cada local, mas têm sido impactadas também pelas decisões judiciais. Na prática, os municípios buscam avaliar seus dados (72% deles criaram comitês interdisciplinares para avaliar seus panoramas) e tomam decisões baseadas no decreto de seu Estado. O Governo Federal tem ficado apagado nesse processo ― apenas na semana passada o Ministério da Educação publicou um documento com algumas orientações para a reabertura, e gestores afirmam que muitas orientações não são aplicáveis no seu contexto local. Não há, portanto, diretrizes nacionais.
Em São Paulo, o Governo estadual autorizou a reabertura das escolas ―com limitações na quantidade de alunos por sala― desde a primeira semana de outubro, mas deu autonomia para cada município decidir seu próprio curso de ação. Na capital, por exemplo, a Prefeitura ainda não autorizou o retorno, mas apenas a realização de cursos e atividades extracurriculares.
Sem retomada
Neste momento em que o ano letivo se aproxima do fim e os números da pandemia ainda são instáveis ―muitos lugares enfrentam um sobe e desce de novos casos e vão controlando as medidas restritivas para frear o contágio―, a maioria dos prefeitos brasileiros descarta a retomada das aulas presenciais neste ano. O levantamento mostra que, desde o início da crise, as estratégias para tentar evitar a paralisação do ensino passam principalmente pela distribuição de livros didáticos impressos combinada às aulas remotas. Os municípios tiveram que buscar criatividade para garantir as atividades à distância, já que esbarravam em problemas que iam desde a falta de preparo do professor para a nova demanda até a desigualdade social e a falta de acesso aos meios digitais necessários para assistir as aulas.
Para tentar mitigar esses efeitos, 70,6% das cidades consultadas garantem ter disponibilizado curso de formação para que os professores possam aprimorar suas estratégias de ensino remoto. Mas muitos municípios, imersos em um cenário muito desigual num país grande como o Brasil, não puderam seguir a receita pronta das aulas on-line. Foi preciso pensar políticas que garantissem o mínimo ao aluno: que ele tivesse os meios essenciais para acessar as aulas à distância.
“A realidade tem exigido um planejamento sério e uma grande capacidade de adaptação dos gestores. Mais de mil municípios no Brasil não têm banda larga e em muitos outros o sinal é muito ruim. Por conta dessa dificuldade de acesso à internet, muitos tiveram que optar pelas aulas gravadas, transmitidas por TV e rádio, com material didático sendo encaminhado impresso para os alunos”, explica o presidente da CNM, Glademir Aroldi. Ao menos 136 cidades brasileiras resolveram então utilizar o rádio, enquanto 254 apostaram na estratégia de transmitir as aulas pela televisão.
As principais estratégias do ensino remoto no Brasil, porém, estão na realização de aulas por meios digitais e no envio de mensagens por meio de aplicativos de mensagens instantâneas. É sob essa estratégia que Maycon de Oliveira tem acompanhado as aulas do sétimo ano na cidade de Aracoiaba, no interior do Ceará. No início da pandemia, a família dele não tinha internet em casa, e o 3G não funciona na zona rural em que vivem. Mas graças ao auxílio emergencial, os pais agricultores conseguiram instalar uma rede wi-fi. A questão é que o valor do auxílio caiu pela metade e, sem previsão de quando as aulas presenciais serão retomadas, a família faz o esforço para continuar pagando a internet mesmo com a renda menor. Unir a rotina diária da agricultura à tarefa de acompanhar a educação do filho não é fácil para a mãe Patrícia de Oliveira. “Todo adolescente a gente tem que estar em cima, né? É marcação cerrada. Mas é melhor a gente se sacrificar e fazer o ensino à distância do que ele ir para dentro de uma sala e pegar essa doença. Meu filho é pré-diabético, de risco. Ele não volta para o colégio enquanto não sair a vacina”, diz.
Mas o auxílio emergencial deverá ser encerrado no fim deste ano, e a projeção que os prefeitos fazem é de que, mesmo com a pandemia sob controle, as aulas remotas devem continuar sendo uma realidade. A partir daí, Patrícia não sabe o que fará para manter o acesso do filho à internet. Segundo a pesquisa da CNM, 70% dos municípios estão com seus planos de retorno das atividades já elaborados ou em elaboração. E a maioria deles acredita que a retomada das atividades presenciais das escolas exigirá um sistema híbrido, com aulas presenciais e remotas, numa estratégia para recuperar o deficit de aprendizagem na pandemia.
Futuro gradual
Assim, o retorno às aulas deverá acontecer de forma gradual e com um sistema de rodízio, uma forma de evitar aglomerações e manter os cuidados quando os dados da pandemia se revelarem menos graves. E mesmo que as aulas presenciais sejam retomadas no ano que vem, será preciso adaptar o currículo escolar para repor as horas que não foram cumpridas neste ano. “A pandemia escancarou a desigualdade social do Brasil, e os gestores estão se dando conta que precisarão investir mais em tecnologia e em equipamentos, além de preparar o professor. Achamos que o ensino à distância veio para ficar, e é preciso dar condições para que os alunos possam acompanhar as aulas”, completa Glademir Aroldi.
A reabertura das escolas exige também gastos com equipamentos de proteção individual e adaptações para garantir a segurança de alunos e professores. Os municípios pesquisados preveem que deverão gastar R$ 1,8 bilhão apenas para EPIs nas redes municipais. Os gastos elevados também influenciam que as aulas na rede pública demorem mais para serem retomadas, enquanto algumas escolas privadas já conseguem avançar mais. O desempenho das redes pública e privada na crise também ampliam a desigualdade na educação de pobres e ricos no país. “Não tem como recuperar este ano ainda neste exercício. Em 2021, vamos ter que estender a carga horária, criar condições de atividades a distância. Vamos ter que ser criativos para que os alunos (da rede pública) tenham seu aprendizado menos prejudicado”, finaliza Glademir Aroldi.
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