STF se blinda de influência de Bolsonaro e leva julgamentos de autoridades para o plenário
Decisão é pequena vitória da Operação Lava Jato, que o presidente diz ter acabado junto com a corrupção do Governo
Depois de seis anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu devolver ao plenário da Corte, formado por 11 ministros, todos os inquéritos e ações penais que envolvam autoridades com a prerrogativa de foro privilegiado. Neste grupo estão: congressistas, ministros de Estado, comandantes de forças militares, membros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União. Desde 2014, as duas turmas do órgão, cada uma formada por cinco ministros, podiam julgar essas ações. Os casos que envolviam o presidente da República já eram decididos pelo plenário. A alteração teve apoio unânime dos ministros e é vista como uma pequena vitória da Operação Lava Jato, que sofreu seguidas derrotas em julgamentos na Segunda Turma do STF.
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A decisão também é uma espécie de blindagem da Corte à influência que dois indicados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) poderiam exercer nos próximos meses, de acordo com a composição das turmas. Até o fim de seu mandato, o presidente poderá indicar ao menos dois ministros. Já indicou o desembargador Kássio Nunes Marques para a vaga de Celso de Mello, que se aposenta no dia 13. E em julho de 2021, indicará o substituto de Marco Aurélio Mello.
A mudança na Corte acontece num momento em que toda pequena vitória da Lava Jato é comemorada, já que até o presidente, que foi um entusiasta da operação na campanha eleitoral, resolveu considerá-la obsoleta. Em discurso nesta quarta, minimizou as derrotas da Lava Jato e as críticas de que sua gestão não apoia a investigação. “Eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no Governo”, disse no Palácio do Planalto.
Com a decisão do STF de levar os casos para o plenário, os julgamentos passam a ter um maior grau de incerteza. Quando esses processos caíam na Segunda Turma, geralmente havia um empate com dois votos a favor das operações anticorrupção (Edson Fachin e Cármen Lúcia) e dois contrários (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski). O decano Celso de Mello costumava ser o voto de minerva, ora votava com um lado, ora com o outro. Em sua ausência, o empate favorecia o réu ou investigado. Mello se aposentará no próximo dia 13. Levar todos os 195 casos para o plenário faz com que seu substituto na Segunda Turma não tenha a mesma influência que ele teve e que as decisões passem a ser com o colegiado completo do Judiciário. “Com um caso indo para o plenário, consegue-se ter uma discussão mais ampla. Às vezes as turmas tomavam decisões conflitantes sobre temas semelhantes”, diz o advogado criminalista David Metzker.
A regra restabelecida a partir de agora era a que vigorava no STF até 2014. Ela foi temporariamente substituída por causa do julgamento do mensalão petista, quando o plenário da Corte ficou seis meses julgando apenas este escândalo de corrupção e deixou outros processos de diversas áreas parados. A ideia era dividir os casos entre as duas turmas para dar maior celeridade aos inquéritos e ações penais que envolviam parlamentares que tinham a prerrogativa de foro privilegiado. Como em maio de 2018 a regra do foro mudou, despencou o número de processos contra esses políticos que tramitavam na Corte Suprema. Conforme o STF, naquele ano havia 500 inquéritos e 89 ações penais. A maior parte destes casos foi enviado para outras instâncias judiciais. Agora, há 166 inquéritos e 29 ações penais.
“Não tem inovação. A mudança confirma que dividir entre as turmas deveria ser algo temporário. Continuo defendendo que, apesar de aumentar o número de julgamentos, não foi bom para a segurança jurídica. Ela trouxe número maior de atritos para a Corte”, diz o professor Guilherme Amorim, coordenador do mestrado em Direito da Uninove.
Advertência de Gilmas Mendes e caso de Lula
A mudança regimental foi apresentada pelo presidente do STF, Luiz Fux, nesta quarta-feira. O ministro Gilmar Mendes se queixou da pressa em votar a alteração, mas a aprovou. “Reformas regimentais devem ser primeiro avisadas aos ministros para serem discutidas. De fato, não faz sentido a gente chegar do almoço e receber a notícia de que tem uma reforma regimental”, afirmou durante a sessão administrativa da Corte.
As alterações não atingem casos emblemáticos como o inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal ou o que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pede que o ex-juiz Sergio Moro seja considerado parcial por tê-lo condenado na Lava Jato. A investigação contra Bolsonaro já estava tramitando no plenário e deverá ter andamento nesta quinta-feira, quando os ministros decidirão se ele terá de depor presencialmente ou por escrito. Já o caso de Lula, trata-se de um habeas corpus, instrumento este que seguirá sendo julgado pelas turmas.
Entre os defensores da regra agora derrubada, há o argumento de que ela dava maior rapidez aos julgamentos. Seus opositores defendem a tese da segurança jurídica. “Poderão dizer que haverá perdas de produtividade, mas se ganha legitimidade, porque serão 11 ministros julgando, e não cinco. O ganho em termos democráticos, é especialmente relevante”, afirma o procurador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu.
A reportagem analisou parte dos 195 casos que deixarão as turmas e passarão a ser analisados pelo plenário. Entre eles, estão: um inquérito que envolve três deputados federais do MDB (Mauro Lopes, Carlos Bezerra e José Priante) suspeitos de receberem propina para apoiarem a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara em 2015; outro que apura se o deputado Wilson Santiago (PTB-PI) recebeu propina de 1,2 milhão de reais de uma construtora e; uma ação penal que acusa o deputado Édio Lopes (PL-RR) de desvio de recursos públicos.
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