Incêndios no Pantanal obrigam remoção de populações indígenas, que ficam expostas à covid-19
Avanço do fogo foi estopim para decreto de situação de emergência em Mato Grosso. Governo não informou se houve triagem para separar os infectados pelos novo coronavírus
Os incêndios no Pantanal não ameaçam apenas o bioma e os animais da região. O alastramento do fogo para áreas onde habitam povos indígenas foi o estopim da decisão do governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), de decretar situação de emergência no Estado na segunda-feira. Contribuiu em especial um incêndio na Terra Indígena Thereza Cristina, do povo Boe Bororo. A área de 34 mil hectares tem 506 habitantes, dos quais mais de 100 já foram removidos às pressas, no último domingo (13). O ar ficou irrespirável por causa da fumaça das queimadas que cercaram a aldeia General Carneiro. Velhos e mulheres grávidas foram instalados na Casa de Saúde Indígena (CASAI) em Rondonópolis, a 220 quilômetros de Cuiabá.
Equipes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) conseguiram conter parte do incêndio com apoio de brigadistas indígenas dos Bororo e dos Bakairi, que prestaram socorro. Um jovem que liderava um dos grupos de combate foi intoxicado pela fumaça e precisou ser socorrido.
Mato Grosso é o campeão nacional de focos de calor, acumulando 60% das chamas no país. São quase 2.200 focos de chamas e calor, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. Sozinho, o Estado tem mais queimadas nesse momento do que todos os oito Estados da Amazônia Legal, juntos. Os incêndios seguem sem controle há dois meses e, após consumir 23% do bioma do Pantanal, se estendem agora para outras regiões, como o Cerrado e a Amazônia.
Na tentativa de fugir do fogo, no entanto, os indígenas locais acabam se expondo a outro risco: a contaminação pela covid-19. Segundo a Associação dos Povos Indígenas do Brasil, já foram confirmados 31.707 casos de covid-19 entre os esses habitantes do país, que registra uma taxa de letalidade mais alta do que no resto da população nacional. Desde o início do ano, 806 indígenas morreram devido ao novo coronavírus, segundo números da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Oficialmente, o Governo contabiliza 419 óbitos, porque não considera indígenas em áreas urbanas.
Segundo plano
No pânico da fuga, muitos Bororo acabaram se abrigando na casa de parentes na Aldeia Central de outra Terra Indígena, Tadarimana. Os riscos de contaminação pelo novo coronavírus ficaram em segundo plano. Em Rondonópolis existem 156 casos confirmados de covid-19 entre indígenas, segundo dados do Distrito Sanitário Especial Indígena de Cuiabá. Ainda há também 13 suspeitos do novo coronavírus e 31 que seguem infectados, com capacidade de transmitir a doença ―justamente as pessoas que deveriam ficar isoladas.
“São tantos problemas que na hora de ir embora ninguém pensou na pandemia. O ar da aldeia estava irrespirável, há ainda muita fumaça por lá. Toda a área verde foi destruída”, explica Estevão Bororo, uma das lideranças do povo. Ele diz que, pela ausência de brigadistas, os próprios indígenas improvisaram um grupo de combate ao fogo. “Éramos cinquenta pessoas entre mulheres e homens. Todo dia nos revezávamos no combate ao fogo”, relata.
O grupo fez uso de abafadores e algumas bombas de água, recebidas de um projeto de compensação ambiental de uma hidrelétrica próxima. “Mas era pouca coisa, nós improvisamos muito. Tenho orgulho dos jovens, eles demonstraram muita coragem”, diz Estevão. Por sorte, ninguém teve nenhum ferimento grave além das complicações pela fumaça. “Esse ano ninguém faz casa, perdemos toda palha. O fogo levou tudo, nossa roça, frutas, matou os animais. Fora o impacto psicológico de ver tudo se perder. Não sei como será o nosso futuro”, desabafa o líder indígena.
Fogo no Xingu
Também houve pânico no Parque Indígena do Xingu, a 900 km de Cuiabá. No posto Diauarum, no coração do Território Indígena, 16 casas foram queimadas. Diauarum foi o segundo posto estabelecido pelos irmãos Villas-Bôas (Claudio, Orlando e Leonardo), depois do posto Leonardo. Eles são considerados os responsáveis pela demarcação do território, em 1952, ao lado do antropólogo Darcy Ribeiro.
Vivem no Parque cerca de seis mil indígenas, de 16 etnias diferentes. Os dados do Governo Federal mostram que o local é a segunda terra indígena mais afetada por incêndios em Mato Grosso, com pelo menos 166 focos.
O pai do cineasta Takumã Kuikuro também foi afetado pelas queimadas em Mato Grosso. Aos 60 anos, ele estava infectado pela covid-19 e acabou tendo os problemas pulmonares agravados pela fumaça, que avançou da cidade de Canarana para sua aldeia, no Alto Xingu. “Ontem meu pai estava na aldeia e ficou com falta de ar por causa da fumaça da queimada e foi para a cidade fazer tratamento. A fumaça piora o estado de quem estava com a covid-19”, diz Kuikuro.
No Xingu, 116 indígenas estão em isolamento devido ao novo coronavírus. São 333 casos confirmados, inclusive 18 em Diauarum, 12 dos quais ainda demandam quarentena. Até o momento de fechamento desta reportagem, o Ministério da Saúde não soube informar se houve alguma triagem entre os Boe Bororo ou os povos Xinguanos durante a remoção, para separar os contaminados com a covid-19.
Com a falta de apoio dos governos, os indígenas do Estado também receiam o número insuficiente de brigadistas e a falta de estrutura. “Somos apenas 50 brigadistas para cuidar de 24 mil quilômetros quadrados. Meu primo está há dias na frente do fogo, ele não suporta mais. Sente dor e muita exaustão. Há fogo por todos os lados”, conta Kuikuro. “Precisamos de reforços”.
Segundo o Ministério da Defesa, a estrutura de combate aos incêndios em Mato Grosso é composta por 200 militares e 230 agentes de órgãos parceiros. Somam-se ainda 40 viaturas e duas embarcações que estariam na região do Pantanal. Existem 14 aeronaves para apoiar o combate às chamas em todo estado.
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