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Quase 70% dos municípios adotaram distanciamento social antes do primeiro caso de coronavírus

Estudo da Confederação Nacional dos Municípios e da Universidade Oxford mostra que falta de coordenação pode ter contribuído para aumentar velocidade de transmissão da covid-19

Usuário passam por cabine de desinfecção em estação de metrô de Osasco (SP).
Usuário passam por cabine de desinfecção em estação de metrô de Osasco (SP).Sebastiao Moreira (EFE)

Sem uma coordenação nacional e diante de uma doença até então desconhecida, os municípios brasileiros deram uma resposta marcada pela falta de sincronia à necessidade de distanciamento social durante a pandemia de covid-19. Isso pode ter tido, como resultado, um transmissão mais rápida do vírus entre a população. Esta é uma das conclusões de uma pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e analisada por membros do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

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O levantamento, considerado o maior realizado com gestores municipais brasileiros durante a pandemia, constatou que 69,2% dos prefeitos que adotaram a política de distanciamento social, com o fechamento de serviços não essenciais, o fizeram antes mesmo do registro do primeiro caso de coronavírus em seus municípios. Desta maneira, o fechamento de atividades comerciais, diante da pressão do setor econômico, resultou em uma abertura antecipada da economia. Os dados preliminares da pesquisa foram divulgados nesta quarta-feira.

Ao se debruçar sobre questionários respondidos por 4.065 prefeituras das 5.568 cidades brasileiras, a antropóloga Andreza Aruska de Souza Santos, de Oxford, tentou sanar a seguinte dúvida: se tantos municípios se fecharam rapidamente, por qual razão o SARS-CoV-2 se espalhou tão velozmente em apenas um mês? O estudo mostra que o vírus passou de 296 cidades (7,5% das que responderam aos questionamentos), em 31 de março de 2020, para 4.196 (75%), em 31 de maio? Uma hipótese levantada por ela é exatamente a política sem sincronia de abertura e fechamento das cidades sem critérios sanitários. “Como essa flexibilização aconteceu, o que motivou a flexibilizar, a pressão econômica, é que tem de ser analisado. Uma pandemia descontrolada também tem várias consequências econômicas”, disse a pesquisadora Santos.

A pressão local é tamanha que 452 de 505 municípios (89,5%) que flexibilizaram as medidas de distanciamento social o fizeram antes de atingir o pico local. Nesse caldeirão de decisões imediatas tomadas por gestores municipais, ainda havia um outro ingrediente, as eleições para prefeito e vereadores que ocorrerão em novembro. “Os municípios foram levados nesta onda de proteção à sua comunidade, era mais uma cautela do que uma precipitação”, diz o economista Eduardo Stranz, consultor da CNM e coautor do estudo da entidade.

Para Stranz, havia um receio entre os prefeitos de verem uma escalada no número de casos de coronavírus e mortes em decorrência da doença sem que tomassem qualquer atitude. “Os municípios foram muito rápidos em agir. Mas depois virou um paradoxo. As pessoas se perguntavam: por que estamos fechados, se não há nada aqui? Quando se abre, começa a ocorrer a contaminação”, avaliou. No atual cenário, em que o país já registrou mais de 127.000 mortes e 4,1 milhões de infecções, ele estima que o abre e fecha do comércio e das indústrias ainda está distante de terminar.

Um outro fator que impacta nessa política dessincronizada é a perenidade das divisas municipais. “Sem coordenação nacional e sem relação com municípios vizinho fica uma pressão muito grande dos moradores para abrir a sua cidade. Por que você seguirá sendo o único fechado, se o seu vizinho está aberto?”, acrescenta a antropóloga Santos.

Para ilustrar esta constatação, a pesquisadora analisou as respostas dadas por todos os 853 municípios de Minas Gerais – um sexto das cidades brasileiras – e notou que mesmo que algumas áreas urbanas sejam praticamente unidas umas às outras os gestores municipais tiveram posturas diferentes quando ao distanciamento social. É mais um fator que pode ter interferido na disseminação da doença, já que o fluxo de indivíduos, que podem fazer compras ou trabalhar em outras cidades não sofre nenhuma limitação.

Os prefeitos acabaram sendo obrigados a agir diante da ausência de maiores esforços da presidência da República. Em abril, como uma resposta ao negacionismo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a gravidade da crise, o Supremo Tribunal Federal decidiu que prefeitos e governadores eram autônomos em suas decisões relacionadas à pandemia. Bolsonaro é contrário à quarentena ou qualquer outra medida de distanciamento social horizontal.

Entre outras constatações do levantamento estão: 96,5% das cidades tiveram medidas restritivas para diminuição da circulação de pessoas; 94,2% dos municípios publicaram norma municipal para uso obrigatório de máscaras faciais; 75,7% estabeleceram distanciamento social com abertura apenas dos serviços essenciais; 54,4% reduziram oferta de transporte público e; 52,4% adotaram temporariamente barreiras sanitárias, com a instalação de postos de monitoramento de entrada e saída de pessoas.

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