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“Acabou a quarentena!”: Calor no feriado faz Brasil baixar a guarda para a prevenção à covid-19

Praias e bares lotados mostram a classe média que ficou confinada até agora virando a página da pandemia no país. Queda de mortes diárias de 1000 para a média de 800 também influencia

Praia lotada no Rio de Janeiro neste domingo.
Praia lotada no Rio de Janeiro neste domingo.Bruna Prado (AP)
Carla Jiménez

O calor voltou ao Brasil, depois de um outono e inverno moderados, mas tristes, que deixaram milhares de mortos pela covid-19. A volta do clima quente à véspera da entrada da primavera, no próximo dia 21, trouxe também uma sensação que foi descrita de forma espontânea por uma turista em Jericoacara, litoral do Ceará, num vídeo que viralizou neste final de semana. “Gente, literalmente, acabou a quarentena! Voltou!”, ouvia-se de uma voz feminina eufórica, enquanto filmava do seu celular uma centena de turistas juntos nas ruas do balneário mais famoso do Estado cearense. A notícia que os hotéis de Jeri estão com 100% de lotação neste feriado prolongado de 7 de setembro (que cai nesta segunda) dão a tônica do que pode estar por vir.

A perspectiva de um final de semana prolongado lotou estradas na sexta-feira de noite, e encheu praias do litoral de de São Paulo, Rio de Janeiro e Nordeste ao longo do final de semana. Mesmo quem ficou em São Paulo sob os termômetros de 30 graus, ficou à vontade para descartar a máscaras que parecia indispensável. Foi o que se viu em calçadas de bares e condomínios de classe média, onde o sentimento de que a pandemia está no passado era visível.

A autoconfiança cresce também à medida que o número de mortes parece ceder no país. Segundo o consórcio de imprensa que acompanha os dados da pandemia a partir dos números por Estados, o Brasil já registra uma queda de 17% na média móvel de mortes por coronavírus, a primeira vez desde o início da pandemia. Os números do consórcio apontam para uma média de 819 óbitos nos últimos sete dias, contra 1000 até um mês atrás.

Mas o número de casos confirmados ainda é alto. O Ministério da Saúde registra mais de 4,1 milhões infectados no país, com mais de 126.000 mortes. “Ainda estamos no meio desse percurso, temos de proteger quem tanto amamos”, disse Jean Gorinchteyn, secretário de Saúde de São Paulo, em entrevista à CNN neste domingo. A leitura do secretário, porém, não parece ser a mesma no resto do país, que já vinha dividido sobre a gravidade da doença, no rastro da disputa política que se tornou a condução da pandemia: o presidente Jair Bolsonaro de um lado com um discurso anticiência, e governadores do outro, apoiando as diretrizes da Organização Mundial da Saúde. Um fato, porém, é inexorável. Como no resto do mundo, são os mais vulneráveis os que mais correm risco de se infectar e morrer.

“Há uma percepção de que as mortes por covid-19 não ocorrem entre os que têm mais dinheiro, não são eles que estão morrendo”, diz o infectologista Fabio Leal, professor na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, e um dos pesquisadores responsáveis pelos ensaios clínicos feitos para a testagem da vacina contra a coronavírus. “É verdade, porque aprendemos a tratar a doença”, diz Leal. Mas nem todos têm acesso a infraestrutura adequada ou hospitais de primeira linha para lidar com emergências.

Uma pesquisa feita pelo Hospital das Clínicas, divulgada no último dia 4, mostrou a diferença da covid-19 a depender da classe social. O levantamento, feito com 5000 funcionários do hospital, mostrou que aqueles que trabalham em áreas de limpeza, lavanderia e segurança foram sete vezes mais infectados do que os médicos que estão trabalhando diretamente na UTI tratando os pacientes infectados pelo vírus. A proporção de contágio é desproporcional. Enquanto 6% dos médicos de UTI foram contaminados com o vírus, 45% dos demais trabalhadores – que pegam transporte público e moram geralmente nas franjas da cidade — ficaram doentes com a covid-19.

Em entrevista ao G1, o responsável pela pesquisa, Aluisio Segurado, conclui que a doença está mais associada a fatores externos, como deslocamento para o trabalho e número de pessoas que vivem na mesma casa. “O estudo mostra uma hipótese que a gente já tinha, que tem mais infecções nas populações socialmente vulneráveis”, disse.

Pesa, ainda, um fator psicológico de ter carregado 1000 mortes diárias por três meses, avalia o infectologista Fabio Leal. “Isso foi fazendo as pessoas se acostumarem com esse número por muito tempo, como se fosse uma consequência inevitável, e passa a não achar que é um absurdo. A partir do momento que 1000 viram 800 parece que tudo se resolveu”, diz Leal.

As consequências de uma reabertura precoce não devem aumentar a curva de mortes, avalia o infectologista, até porque há o fator imunidade que começa a fazer sentido no país. Mas vai diminuir a velocidade de queda de mortes. “Podemos demorar meses ainda para uma redução mais intensa no número de mortes diárias”, estima. “Ao deixar de manter o distanciamento como estávamos fazendo deixamos de cair mais rápido”, explica. Para Leal, é fato que a classe média se adaptou a esta tragédia, sem se dar conta das questões morais que envolvem suas escolhas. “Quem vai para Jericoacoara acaba mesmo tendo a impressão que a pandemia acabou, mas ela continua, especialmente para os mais pobres”, diz.

Há, ainda, o risco de subestimar sequelas e complicações dos que se recuperam, que ainda estão sendo entendidas sobre quanto podem ser graves ou duradouras, observa. De fato, há registros de pacientes curados que estão sem olfato ou paladar há meses, outros com sequelas pulmonares, renais e até neurológicos. “Não é apenas uma questão de vida e morte, mas qualidade de vida pós-covid para os que ficam doentes mas sobrevivem, independente da classe social”, alerta.

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