Implosão da Lava Jato de São Paulo acelera desmonte da operação em guerra aberta com Aras
Renúncia em massa joga luz sobre a falta de apoio ao grupo paulista, que só nasceu três anos após Curitiba e começava a atingir tucanos. Mesmo fora de Curitiba, Deltan Dallagnol deve enfrentar juízo
O pedido de desligamento feito por oito procuradores da força-tarefa da Lava Jato de São Paulo nesta quarta-feira projeta uma sombra sobre o futuro das investigações no Estado, que já não andavam em bom ritmo, e é mais um revés sofrido pela operação como um todo nos últimos meses. O braço paulista começou a atuar em julho de 2017, mais de três anos após o início da Lava Jato em Curitiba. A expectativa era de que a força-tarefa daqui seguisse a trilha de corrupção que sempre pairou sobre os sucessivos Governos tucanos no Estado, mas que nunca foi devidamente investigada.
Três anos depois, os números gerais da atuação do grupo são modestos: foram dez denúncias apresentadas —ante 56 da força-tarefa fluminense, criada em 2016, e 119 em Curitiba. Destas, oito foram aceitas pela Justiça (com quatro condenações), uma foi indeferida e uma foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, a média anual de denúncias da Lava Jato em São Paulo, Estado mais rico do Brasil, é a mais baixa dentre as forças-tarefas: três, ante 17 de Curitiba e 14 do Rio.
A diferença nos resultados em comparação com as forças-tarefas do Rio e de Curitiba está diretamente ligada à falta de estrutura, explica a equipe de São Paulo que pediu afastamento. Por nota, informou que é “a que tem, entre as três, a menor quantidade de membros com dedicação exclusiva aos casos. Ainda, diferentemente das demais, tem estrutura de apoio praticamente inexistente”. O texto continua e critica a falta de apoio da Procuradoria Geral da República (PGR), comandada por Augusto Aras. De acordo com a força-tarefa, a PGR foi informada sobre as dificuldades mas nada fez: “O pequeno quadro de membros com dedicação exclusiva e os problemas de estrutura de apoio foram informados diversas vezes à PGR, sem que incrementos de membros e servidores fossem disponibilizados”. A reportagem questionou Aras sobre as afirmações feitas, mas não obteve resposta até o momento.
Nestes três anos, os principais alvos da Lava Jato em São Paulo foram os ex-presidentes Michel Temer e Lula (que já se tornaram réus), o ex-governador e atual senador José Serra (PSDB), que foi denunciado mas teve seu processo suspenso pelo STF, e Paulo Vieira de Souza, vulgo Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, considerado o principal operador dos tucanos. Ele já foi condenado em um dos processos, mas ainda tem denúncias pendentes. Por se tratar de uma suspeita de crime eleitoral, o caso de Geraldo Alckmin (PSDB) está nas mãos do Ministério Público Estadual, e não fica a cargo da força-tarefa.
Se o ritmo dos processos em São Paulo deixava a desejar se comparado às demais forças-tarefas, a expectativa é de que agora, com a saída de oito procuradores, haja um hiato nas investigações no Estado paulista até que uma nova equipe seja montada e se atualize quanto ao conteúdo dos processos —que em alguns casos envolvem milhares de páginas das delações firmadas por executivos e diretores da Odebrecht, por exemplo.
Para evitar atrasos e eventuais prescrições dos crimes investigados em São Paulo, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pediu nesta quinta-feira que as autoridades envolvidas se manifestem sobre providências a serem adotadas. Medeiros acionou Martinez, a chefia da Procuradoria da República em SP, a Câmara de Combate à Corrupção e a Corregedoria do Ministério Público Federal. Ele pediu celeridade na reestruturação da equipe e no “equacionamento” dos casos da força-tarefa paulista “até mesmo pelo risco de prescrição, que é permanente em matéria penal”.
A debandada na Lava Jato paulista não deve ter impacto direto na denúncia contra Serra, tendo em vista que ela já estava suspensa. O juiz Diego Paes Moreira, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, chegou a aceitá-la, tornando o senador réu. O magistrado voltou atrás após o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, barrar as investigações alegando que a Lava Jato poderia ter violado a prerrogativa de foro privilegiado do senador na coleta de provas que embasou a denúncia. Em 26 de agosto outro ministro da Corte, Gilmar Mendes, reforçou a decisão do colega e suspendeu a ação penal a pedido da defesa do tucano.
A denúncia contra Serra e sua filha Verônica, apresentada no início de julho, foi a primeira da Lava Jato contra um político de renome do PSDB. De acordo com a peça apresentada, o tucano “se valeu de cargo e de influência política para receber, da Odebrecht, pagamentos indevidos em troca de benefícios relacionados às obras do Rodoanel Sul”. Os fatos narrados teriam sua origem em 2006, e os valores pagos superariam 4,5 milhões de reais. A denúncia, no entanto, foi amplamente criticada. Do ponto de vista político ela foi considerada tardia, tendo em vista que boa parte dos supostos crimes estariam prescritos. Além disso, foi vista por muitos como uma tentativa da operação de mostrar que investiga todos os partidos, e não apenas o PT e o PP, seus principais alvos desde o início.
Dallagnol e a tentativa de adiar operação contra Serra
O anúncio de desligamento dos oito procuradores, feito na quarta-feira, 2, ocorre um dia após o principal nome da Lava Jato, Deltan Dallagnol, informar que deixaria o comando da força-tarefa paranaense, a mais célebre, alegando “motivos pessoais”. Ele informou que vai se dedicar a cuidar da filha de 1 ano que passa por problemas que exigem cuidados. O afastamento de Dallagnol reduz também a pressão sobre si enquanto ainda enfrentava processos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o principal deles até então congelado por uma decisão do Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. Mas nem esse movimento foi capaz de protegê-lo de todo. Na noite de sexta-feira, o ministro do STF, Gilmar Mendes, reverteu a decisão de Mello, e liberou o julgamento de Dallagnol no CNMP, que pode acontecer na próxima terça-feira.
No caso de São Paulo, o racha foi provocado por “incompatibilidades insolúveis” entre o grupo de procuradores e a colega Viviane de Oliveira Martinez, que é procuradora natural dos casos (e consequentemente chefe dos demais membros da força-tarefa). Ela não atuava diretamente na investigação. Em ofício enviado ao Conselho Superior do Ministério Público Federal, os procuradores que se desligaram da Lava Jato em São Paulo criticam a atuação de Martinez no caso da denúncia contra o senador José Serra (PSDB-SP) por ter retardado a investigação. “A procuradora Viviane enviou um e-mail, em 12 de junho de 2020 aos demais integrantes da força-tarefa (...) [pedindo] que a operação planejada fosse adiada”, dizem no texto. Ao fazer o pedido, a chefe do grupo não teria “qualquer razão jurídica para fundamentar” a decisão.
Além disso, os procuradores alegam que ela teria adotado de forma monocrática (ou seja, sozinha) o entendimento de que parte das investigações não deveria estar em São Paulo, o que inviabilizaria os trabalhos. O ofício afirma que Martinez “estava movida pelo intento central de reduzir drasticamente seu acervo [da Lava Jato], seja alegando que parte dele teria sido distribuída irregularmente, seja pedindo para que novas investigações não fossem conduzidas”. O procurador-geral da República, Augusto Aras, por sua vez, minimizou a saída dos oito procuradores de São Paulo. “É uma questão interna do MP de SP”, afirmou, como relatou a jornalista Andrea Sadi, da TV Globo, que conversou com Aras após a debandada paulista. “Ninguém vai se meter [na força-tarefa]. Se ela [Martinez] vai chamar novos colegas para a equipe, é com ela. O que posso lhe dizer é que o apoio ao combate à corrupção continua.”
As muitas derrotas da Lava Jato e conflito com a PGR
A Lava Jato não vive bom momento. O desligamento de quadros importantes para a operação é apenas parte do problema, na medida em que o modus operandi das investigações tem desagradado até mesmo a cúpula do MPF. Na terça-feira a subprocuradora Maria Caetana Cintra dos Santos, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, decidiu de forma liminar prorrogar por mais um ano o grupo da Lava Jato em Curitiba, atropelando Aras. Inicialmente a força-tarefa teria validade até 10 de setembro. A questão ainda terá que ser avaliada pelo conselho em sessão sem data para ocorrer, mas expõe as tensões entre diferentes alas dentro do órgão.
Augusto Aras tem mostrado descontentamento com o modelo da força-tarefa. Durante transmissão ao vivo realizada com advogados do grupo Prerrogativas, composto por juristas e defensores críticos à Lava Jato, o procurador-geral insinuou que a equipe de Curitiba, então liderada por Dallagnol, possui uma “caixa de segredos” com dados de mais de 38.000 pessoas. “Não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos, com caixas de segredos”, afirmou. Por fim, ele referiu-se à existência de um “MPF [lado] B”, cobrou transparência, e questionou: “Quem controla o controlador? Quem fiscaliza o fiscal?”. “Agora é a hora de corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure”.
No entanto, não são apenas os procuradores da Lava Jato que estão insatisfeitos com a PGR. Nesta sexta, o procurador que coordenada as investigações da Operação Greenfield, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, anunciou que vai deixar a força-tarefa. Em uma carta na qual critica Aras por reduzir os recursos para a operação, dedicada a apurar crimes envolvendo fundos de pensão, Lopes diz que se tornou o único procurador com dedicação exclusiva, inviabilizando o trabalho.
Em outro front, nova derrota para a Lava Jato. O ministro do STF Ricardo Lewandowski determinou que a Justiça de Curitiba garanta à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acesso ao acordo de leniência da Odebrecht para. Na decisão ele também suspende o prazo para alegações finais na ação penal em que o petista é réu por suposto recebimento de propina. Lula também obteve outra vitória ante a Lava Jato esta semana: na terça-feira o Tribunal Federal Regional da 1ª Região (TRF-1) decidiu de forma unânime trancar uma ação penal contra o petista por supostamente favorecer a Odebrecht em empréstimos para obras em Angola.
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