No rastro da informalidade, quase 60% das casas do Norte e Nordeste recebem auxílio emergencial
Mega programa de transferência de renda criado por causa da pandemia expõe desigualdade no país e tem efeitos na aprovação do Planalto, com melhora de imagem de Jair Bolsonaro
A pandemia do novo coronavírus expôs as profundas desigualdades geográficas e socioeconômicas do Brasil. A economia, que já não ia bem, estagnou de vez, fazendo com que o auxílio emergencial pago pelo Governo seja, muitas vezes, a única fonte de renda para muitas famílias. Em julho quase a metade dos domicílios do país (pouco mais de 30 milhões, ou 44%) estava recebendo algum tipo de benefício, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e divulgada nesta quinta-feira. Em junho este número era de 43%. Mas o tamanho do abismo social fica claro quando se analisa a situação nas diferentes regiões do país.
Norte e Nordeste contam com o maior percentual de lares que dependem do benefício emergencial: 60,6% e 59,6% dos domicílios destas regiões, respectivamente, têm algum integrante que recebe as parcelas de 600 reais mensais pagas pelo Governo. Lá também foram registradas pela PNAD as maiores taxa de trabalhadores que atuam na informalidade no Brasil, com 48% e 44% da população economicamente ativa do Norte e Nordeste em situação de precariedade trabalhista (ante 33% da média nacional e 24% na região Sul).
Historicamente negligenciados pelos Governos federais, Estados destas duas regiões têm as maiores proporções de lares atendidos pelo programa de auxílio. Amapá (68,8%), Maranhão (65,8%), Pará (64,5%), Alagoas (62,8%) e Amazonas (62,6%) são os que mais dependem da ajuda. Todos os demais Estados das regiões Norte e Nordeste —exceto Rondônia (48,5%)— têm um percentual de mais da metade dos domicílios recebendo o benefício emergencial. Estima-se que de cada três reais pagos de auxílio pelo Governo, um vá para o Nordeste. Os Estados das demais regiões ficaram abaixo de 50% de domicílios beneficiados, com Rio Grande do Sul (29,6%) e Santa Catarina (24,5%) com as menores proporções, segundo dados da PNAD.
Agora, de olho em 2022, o presidente Jair Bolsonaro surfa na onda de popularidade provocada em parte por este benefício, e fez questão de incluir várias inaugurações de obras em cidades do Norte e Nordeste em sua agenda oficial. A última pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em 13 de agosto, apontou que 37% dos brasileiros consideram seu Governo ótimo ou bom. Em junho este número era de 32%. O melhor desempenho de Bolsonaro foi justamente no Nordeste, região com maior número de beneficiados pelo auxílio: lá a rejeição ao mandatário despencou de 52% para 35%. Estes 600 reais tem um peso enorme na economia doméstica de milhões de brasileiros empobrecidos pela crise, especialmente em regiões onde o custo de vida é mais baixo. Para efeito de comparação, o benefício médio pago pelo Bolsa Família é de 189 reais por família atendida, segundo dados do Congresso.
Até o momento, esta foi a única política pública do Governo para redução da pobreza e da fome. No entanto, que no início da crise sanitária o mandatário não foi entusiasta do benefício: com as contas públicas no limite, um ministro da Economia liberal e temendo um eventual processo de impeachment por furar o teto de gastos, ele não admitia que o valor fosse acima de 200 reais. Ao ver que seria derrotado no Congresso, concordou com três parcelas de 600 reais, que agora devem se estender até o final do ano. No total, o programa já distribuiu 167 bilhões de reais até o início de agosto (aproximadamente 60% da verba total alocada pelo Governo para o combate ao coronavírus).
Mas nem sempre o Nordeste contou com a ajuda de Bolsonaro. No início de março, antes da pandemia, o Governo priorizou as regiões Sul e Sudeste com a concessão de novos benefícios do Bolsa Família em detrimento do Nordeste, segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo. Do total de novos cadastros, 75% ficaram com beneficiários das regiões Sul e Sudeste, ante 3% para o Nordeste, região que concentra quase 37% das famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza e que aguardam a concessão do benefício.
Além disso, a trajetória de Bolsonaro na Câmara dos deputados é repleta de episódios nos quais ele se mostrou preconceituoso com os beneficiários do Bolsa Família, a quem já se referiu como “ignorantes” e “miseráveis”. Em 2011 ele chegou a defender o fim do programa, e afirmou que sua manutenção garantia uma “ditadura do proletariado” no país. A crítica do então parlamentar se soma à uma antiga teoria antipetista, segunda a qual o partido de Lula conseguiu se manter no poder por quatro mandatos seguidos graças ao programa de distribuição de renda. Já eleito, Bolsonaro calibrou o discurso, e ao anunciar a ampliação do Bolsa Família se referiu a ele como “uma grande conquista dessas pessoas que tanto necessitam e ficaram esquecidas por muito tempo”.
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