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Grávida com covid-19, Maryane deu à luz inconsciente na UTI: “Demorei 74 dias pra conhecer meu filho”

Bernardo nasceu com 28 semanas, cinco dias antes de a mãe acordar do coma induzido enquanto estava intubada. Precisou ficar internado até o reencontro seguro com Maryane

Maryane da Rocha Santos deixa o hospital com o filho, José Bernardo.
Maryane da Rocha Santos deixa o hospital com o filho, José Bernardo. Thiago Freitas (Hospital César Cals)
Beatriz Jucá
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Amanda Prouty, 39, a licensed midwife, watches 2-day old footage of Nancy Pedroza giving birth to her son Kai Rohan Morgan, recorded by his father Ryan, at a newborn screening, during the coronavirus disease (COVID-19) outbreak, in Fort Worth, Texas,?U.S.,?April 10, 2020. ?REUTERS/Callaghan O'Hare     SEARCH "CORONAVIRUS PREGNANCY" FOR THIS STORY. SEARCH "WIDER IMAGE" FOR ALL STORIES.
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Maryane da Rocha Santos, de 31 anos, não tem nenhuma memória do parto do seu segundo filho. Tinha um tubo enfiado na garganta e estava em coma induzido quando pariu José Bernardo dentro de uma unidade de terapia intensiva para pacientes infectados pelo novo coronavírus no Ceará. Foi uma decisão médica drástica para tentar salvar sua vida, depois que a covid-19 comprometeu 50% de seus pulmões e lhe causou uma parada cardiorrespiratória. Sua última lembrança grávida é a de ser internada enquanto o fôlego lhe faltava, no início de maio. E, dias depois, de conseguir abrir os olhos e mover apenas a cabeça e o braço direito, que foi escorregando lentamente até o ventre em busca do filho. “Coloquei a mão na barriga e perguntei pra enfermeira: ‘Cadê o meu bebê?‘. Ela só disse para eu não me preocupar que estava todo mundo sendo cuidado”, conta Maryane em conversa por telefone com o EL PAÍS.

Bernardo nasceu cinco dias antes de a mãe acordar, confusa, no leito de UTI do hospital. Era uma sexta-feira, 8 de maio, quando foi arrancado do útero dela, às 28 semanas de gestação, com menos de um quilo e meio —uma gravidez dura em torno de 40 semanas. Não sentiu o toque de Maryane, que levou dias até acordar e começar a tentar montar um quebra-cabeças da história do parto, com pedaços contados pela equipe médica e outros narrados nas videochamadas com o marido. “Ele nasceu muito magrinho, ainda não tinha desenvolvido direito. Os médicos me disseram que os pulmões e outros órgãos ainda tinham que amadurecer. O que eu sei do parto dele foi o que meu esposo me contou. Perdi tudo do nascimento do meu filho, mas não pensei muito nisso. O tempo todo me perguntava se ele ia ficar bem”, diz a mãe.

Prematuro, Bernardo precisou ficar dois meses e meio na UTI neonatal antes de enfim poder ir para casa. Por sorte, não foi infectado pelo coronavírus durante o nascimento. Mas as visitas para ambos estavam proibidas no hospital por conta das restrições impostas pela pandemia. Em alas distintas da mesma unidade, mãe e filho tentavam recuperar a saúde. Maryane teve alta da unidade de terapia intensiva no dia 13 de maio, mas precisou ficar ainda dez dias na enfermaria por conta das sequelas causadas pela doença e pela longa internação. “Saí da UTI sem conseguir andar. Precisei reaprender a caminhar, a comer alimentos sólidos. Só me deixavam sair quando estivesse curada, e eu não podia ver meu filho”, lembra. Todos os dias, as notícias de Bernardo chegavam em fotografias, vídeos e relatos da equipe médica. “O hospital me dizia como ele estava, se tinha feito novos exames, tudo. Só que não é a mesma coisa de estar presente.”

Bernardo nasceu em uma UTI para pacientes com a covid-19.
Bernardo nasceu em uma UTI para pacientes com a covid-19.Thiago Freitas (Hospital César Cals)

A angústia apertou quando Maryane recebeu alta e precisou se afastar ainda mais do filho. Deixou o hospital em Fortaleza e viajou até a vizinha Caucaia (Praia do Icaraí), onde mora. Bernardo ficou. “Demorei 74 dias pra conhecer meu filho por causa da pandemia. Todo dia, eu tentava botar na cabeça que ele ainda estava na barriga”, diz. E narra o jogo mental que desenvolveu para lidar com essa ausência. Focava em cuidar do primogênito, de dez anos, e se ocupava lavando e engomando várias vezes as roupinhas que haviam sido compradas para o recém-nascido. Limpava o quarto da criança enquanto tentava convencer a si mesma que ela ainda estava na barriga. “Mas tinha dias que eu desabava em choro porque queria ter meu filho comigo, nos meus braços. Eu inventava todo dia uma coisa pra tentar passar por isso sem estar chorando. Meu medo era que a minha tristeza fizesse ele demorar mais a ficar forte”, conta.

É que, de longe, Maryane tentava algum contato com o filho ―ainda que virtual. Enviava à equipe médica vários áudios para que Bernardo pudesse, com a mediação de telas e aparelhos celulares, começar a reconhecer sua voz. “Eu dizia: ‘Meu neném, Bernardo, venha pra casa. Tome seu leitinho que nós estamos com saudade. Sua família toda quer conhecer você”, lembra. E recebia os vídeos da reação da criança ―que naquele momento ainda cansava muito e tinha falta de ar quando tentava tomar a mamadeira na UTI. “Quando eu estava mais chorosa e ele ouvia minha voz, chorava também. Acho que de alguma forma ele sentia.”

Na semana passada, Bernardo ouviu a mãe. Maryane recebeu uma ligação do hospital na terça-feira e soube que o filho enfim poderia ir pra casa. Eufórica, ligou para a mãe dela, avisou o marido. Trocou mais uma vez as colchas do berço e pegou uma pequena bolsa, que já estava devidamente organizada para quando este momento chegasse, antes de ir ao hospital. Desta vez, pôde ir até a ala onde Bernardo estava. Quando o viu pela fresta de uma porta entreaberta, gritou: “É meu bebê! Posso pegar ele?”. As enfermeiras então a pediram para aguardar, pegaram uma roupa amarela que ela havia levado e vestiram a criança. Só então Maryane segurou o filho pela primeira vez. “Meu Deus, ele era tão pequenininho que eu pensava: será que vou conseguir segurar sem quebrar? Agora faz uma semana que ele está em casa e vejo que não é nada frágil como imaginei. É um guerreiro”, diz a mãe.

A experiência de Maryane com a maternidade ainda está distante da normalidade. Diferentemente de como foi com seu primeiro filho, ela mal pode receber familiares em casa. As poucas visitas que recebeu tiveram que redobrar cuidados para evitar qualquer chance de infecção pelo coronavírus. Vez por outra, quando o marido ou ela precisam sair para resolver algo essencial na rua, os vizinhos costumam perguntar se ela já conseguiu levar a criança pra casa. “É que ele é tão calmo, é uma bênção. Passa o dia dormindo, acorda e dorme de novo. Os vizinhos perguntam se ele já chegou porque não escutam nem o Bernardo chorar”, ri a mãe. “Eu só descobri que tava grávida com três meses. Mal curti a sensação de estar grávida, e ele nasceu no meio disso tudo. Pra mim, é como se ele tivesse nascido no dia que chegou em casa, no dia do nosso primeiro encontro.”

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