Associação familiar que recebe dinheiro do MBL entra na mira da Justiça
Polícia paulista faz busca na sede do grupo e prende dois empresários suspeitos de lavar dinheiro. Investigação joga os holofotes para o Renovação Liberal, entidade que recebe os recursos do grupo
Criado em 2014 com a bandeira do combate intransigente à corrupção, o Movimento Brasil Livre (MBL) está na mira da Justiça por suspeitas de lavagem de dinheiro. O Ministério Público de São Paulo joga os holofotes sobre o Movimento Renovação Liberal, entidade para onde são destinados os recursos do MBL, conforme o EL PAÍS já havia antecipado em reportagem de 2017, que abordou a falta de transparência das contas do grupo. Trata-se de uma “associação privada” —como consta no site da Receita Federal— registrada em nome de Renan Santos, uma das principais lideranças nacionais do MBL, além de seus irmãos Alexandre e Stephanie e uma quarta pessoa. A Promotoria aponta para uma “confusão jurídica empresarial” com o Renovação Liberal e afirma que o grupo recebe “doações de forma suspeita”, cujas cifras são “ocultas”. Dois empresários supostamente vinculados ao grupo foram presos temporariamente nesta sexta-feira, em São Paulo, no âmbito da Operação Juno Moneta, realizada pela Polícia Civil e a Receita Federal.
A investigação aponta para o recebimento de doações “através da plataforma Google Pagamentos — que desconta 30% do valor, ao invés de doações diretas na conta do MBL/MRL”. Seria uma forma de ocultar a origem do dinheiro, ainda segundo os investigadores. “Chega a ser risível o apontamento de ocultação por doações na plataforma Google Pagamentos, haja vista que todas as doações recebidas na plataforma são públicas, oriundas do YouTube e vulgarmente conhecidas como ‘super chats’, significando quantias irrisórias, feitas por uma vasta gama de indivíduos de forma espontânea”, explicou em nota o MBL, que ficou conhecido por levar às ruas milhares de pessoas a favor do impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (PT). “Sob o aspecto lógico, seria impossível realizar qualquer espécie de ocultação e simulação fiscal por uma plataforma pública e com quantias pífias”, acrescentou.
Além disso, a Polícia Civil cumpriu nesta sexta um mandado de busca e apreensão na sede do MBL em São Paulo e prendeu temporariamente os empresários Alessander Mônaco Ferreira e Carlos Augusto de Moraes Afonso, conhecido como Luciano Ayan. De acordo com as investigações, ambos “mantêm estreitas ligações” com o MBL e o Renovação Liberal e são suspeitos de lavar dinheiro. Os agentes apreenderam 37.000 reais em dinheiro na casa de Ferreira, além de outros 65.000 reais na casa dos pais do empresário, em Bragança Paulista. Também foram levados documentos, computadores, HDs, celulares e pen-drives.
“As evidências já obtidas indicam que estes envolvidos, entre outros, construíram efetiva blindagem patrimonial composta por um número significativo de pessoas jurídicas, tornando o fluxo de recursos extremamente difícil de ser rastreado, inclusive utilizando-se de criptoativos e interpostas pessoas”, afirma a Promotoria. Apesar de esse vínculo com o MBL ser visível nas redes sociais, o grupo nega que os dois homens façam parte dos quadros do movimento.
Ayan era a figura por trás do site Ceticismo Político, que disseminava fake news. Após o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), em 14 de março, seu portal foi responsável por espalhar a mentira de que ela tinha relação com traficantes de drogas. Muitas dessas fake news foram, inclusive, compartilhadas nas páginas do MBL. Além de disseminar desinformação, a Promotoria destaca que Ayan “ameaça aqueles que questionam as finanças do MBL”. Ele também é sócio “de ao menos quatro empresas de fachada”, por meio das quais lavava dinheiro, e possui indícios de “movimentação financeira incompatível perante o fisco federal”, ainda segundo os investigadores.
Alessander Mônaco Ferreira também é sócio de duas empresas de fachada e possui movimentação financeira “extraordinária e incompatível”, segundo o MP. A investigação afirma que ele “realiza doações altamente suspeitas através da plataforma Google” para o movimento e “viajou mais de 50 vezes para Brasília, entre julho/2016 a agosto/2018 com objetivos não especificados” para o Ministério da Educação.
Ligado ao vice-governador de São Paulo Rodrigo Garcia (DEM), Ferreira também foi contratado pelo Governo estadual para trabalhar na Comissão de Avaliação de Documentos e Acesso da Imprensa Oficial do Estado (CADA), “justamente um cargo que tem função de gerenciar tarefas de eliminação de documentos públicos, de informações relativas ao recolhimento de documentos de guarda permanente, produzidos pela Administração Pública”, destaca o MP. Em nota, o Governo João Doria (PSDB) afirmou que ele foi empregado na Imprensa Oficial de fevereiro a dezembro de 2019. “Sua contratação foi baseada na experiência comprovada em currículo e atividades anteriores. Ele atuou em projetos de guarda digital, classificação de temporalidade e arquivamento de documentos na empresa. Os fatos até então revelados não tem relação com o Governo de São Paulo”, disse.
O MBL admite que Ferreira doou cerca de 5.000 reais em dois anos. Porém, seus membros afirmam que investigação se trata de uma perseguição. “É um misto de promotor querendo aparecer com denuncismo anônimo de minions. Como danos à imagem e reputação de pessoas e instituições sérias”, afirmou Renan Santos por meio de seu Twitter. “Não pensem que é brincadeira: o bolsonarismo é imundo”, concluiu. Em nota, o grupo afirmou que as acusações “são completamente distantes da realidade, tratando-se de um devaneio tolo, totalmente despido de sustentação fática e legal com a única finalidade de macular a honra de um movimento pautado nos pilares da ética, da moral e da liberdade”.
Doações para o MBL
Sobre o MBL, o Ministério Público apontou ainda para a “constituição e utilização de diversas empresas em incontáveis outras irregularidades, especialmente fiscais”. Também destacou que a “família Ferreira dos Santos, criadora do MBL, adquiriu/criou duas dezenas de empresas — que hoje se encontram todas inoperantes e, somente em relação ao Fisco Federal, devem tributos, já inscritos em dívida ativa da União, cujos montantes atingem cerca de 400 milhões de reais”. De acordo com o movimento, “as atividades empresariais e familiares dos fundadores do MBL são anteriores ao próprio movimento e não possuem qualquer vinculação, haja vista que não possuem qualquer conexão ou convergência de finalidade”.
A reportagem do EL PAÍS publicada em 2017 mostrou que a família Santos respondia a centenas de processos na Justiça relativos a negócios que tiveram antes da criação do Renovação Liberal. A maioria era relativa à falta de pagamento de dívidas líquidas e certas, débitos fiscais, fraudes em execuções processuais e reclamações trabalhistas. Juntos, acumulavam naquele ano uma cobrança da ordem de 20 milhões de reais, valor que crescia a cada dia em virtude de juros, multas e cobranças de pagamentos atrasados.
A reportagem também contou que tanto o MBL quanto a associação Renovação Liberal nunca haviam apresentado ao público uma prestação de contas. “O MBL é o movimento político mais perseguido do Brasil. E, portanto, como entidade privada, não tornamos público o balanço financeiro, em respeito à privacidade e integridade de nossos colaboradores, membros e doadores”, justificou o grupo na época. De acordo com a reportagem, doações de novos filiados ao MBL e a venda de artigos vinculados à marca, como bonecos pixulecos, canecas e camisetas, tem os recursos direcionados diretamente à entidade de Renan e seus irmãos, como constatou este jornal ao fazer compras na página do movimento.
O MBL ainda destacou nesta sexta que, ao contrário do que diz o Ministério Público, “não existe confusão empresarial entre Movimento Brasil Livre e Movimento Renovação Liberal, haja vista que o MBL não é uma empresa, mas sim uma marca, sob gestão e responsabilidade do Movimento Renovação Liberal —única pessoa jurídica do movimento”.