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Mais de 30.000 reais para escapar da Espanha de barco

A pandemia força movimentos imigratórios inéditos, e em sentido contrário. Marroquinos e argelinos fogem da covid-19 e da consequente paralisação da economia

María Martín
Vista aérea de um barco no Estreito de Gibraltar.
Vista aérea de um barco no Estreito de Gibraltar.Marcos Moreno

Voltar para casa no meio de uma pandemia se tornou uma missão quase impossível que está alimentando as redes de tráfico humano. Um grupo de cerca de 100 marroquinos embarcou no final de março em dois barcos infláveis ​​para retornar clandestinamente a seu país, contornando as restrições decretadas para deter a disseminação do vírus tanto na Espanha como no Marrocos. Cada um pagou cerca de 5.400 euros (33.000 reais) pela viagem, que terminou em uma praia em Larache, no noroeste do Marrocos. O preço de um lugar em um barco que vai da costa marroquina para a Espanha, ou seja, o trajeto no sentido contrário, oscila entre 400 e 1.000 euros (2.450 e 6.100 reais), segundo fontes policiais.

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Os detalhes da travessia foram divulgados pela imprensa marroquina e o episódio aparece em um relatório interno da Comissão Europeia, ao qual o EL PAÍS teve acesso, como exemplo da flexibilidade das máfias. “Os traficantes de imigrantes mostram a extrema flexibilidade e adaptabilidade de seus negócios criminosos, agora também organizando as viagens de imigrantes marroquinos irregulares que fogem da covid-19 na direção oposta, isto é, da Espanha para Marrocos”, cita o documento.

A viagem do grupo de marroquinos, a maioria deles em situação irregular na Espanha, segundo o jornal Al Ahdath Maghrebia, não foi fácil. Ao se aproximarem da costa foram surpreendidos por enormes ondas que os mantiveram no mar por um dia inteiro. Sem poder desembarcar, contataram desde o barco um facilitador que cobrou 300 euros de cada um para ajudá-los a chegar à praia. A imprensa local não deixa claro se esse valor estava incluso no total pago antes da partida ou foi uma despesa imprevista.

Batida policial

Uma vez em terra, o grupo se dispersou para se esconder das autoridades. Marrocos é o terceiro país africano mais afetado pela covid-19, com 2.855 casos confirmados (o primeiro é a África do Sul, e o segundo, o Egito) e suas restrições são severas. Os policiais militares, responsáveis ​​pelo cumprimento do confinamento e alertados sobre o desembarque, iniciaram uma investigação, com buscas de casa em casa, para capturá-los e impedir que se tornassem um foco de contágio. Pelo menos um deles foi encontrado encolhido em um forno de barro de um vilarejo.

A Espanha, com 213.024 casos confirmados e 22.157 mortos, é um dos países onde o vírus se espalhou com mais virulência. As restrições de movimento interromperam de repente boa parte do mercado de trabalho, além de paralisar as atividades da economia e os empregos clandestinos. O jornal Hespress destaca a difícil situação em que se encontram os imigrantes marroquinos após o decreto de estado de alarme na Espanha, especialmente para aqueles que estão em situação irregular.

O fechamento unilateral das fronteiras de Marrocos em 13 de março, que não permitiu o retorno de seus cidadãos, apesar dos esforços do Ministério das Relações Exteriores espanhol, também deixou centenas de marroquinos sem saída, longe de suas casas e famílias às vésperas do Ramadã, o mês sagrado para os muçulmanos. Muitos são trabalhadores transfronteiriços, autônomos que atuam em Ceuta e Melilla e, da noite para o dia, estavam do lado errado da fronteira.

Em Ceuta, há pelo menos 300 marroquinos bloqueados sem poder voltar a seu país, segundo El Faro de Ceuta. Em Melilla, as autoridades acolheram 350, mas a estimativa é que possa haver dezenas abrigados nas casas de familiares ou amigos. Desde que o Marrocos decretou a blindagem de suas fronteiras tem havido casos de marroquinos tentando voltar para casa a nado. Na madrugada de 22 de março, um grupo de quatro jovens entrou no mar a partir da praia de El Tarajal, em Ceuta, e chegou à praia marroquina vizinha, segundo a agência Efe. Eles foram presos assim que pisaram na areia e encaminhados para exames médicos. A Guarda Civil de Ceuta informa que pelo menos vinte marroquinos seguiram a nado para seu país durante o confinamento. Incidentes semelhantes foram relatados em Melilla, segundo fontes policiais.

Esses episódios causam preocupação em Marrocos e a questão chegou ao Parlamento. “O surto do vírus na Espanha levou os cidadãos marroquinos a realizar uma contramigração ilegal através de barcos da morte ou a se infiltrar em caminhões de transporte internacional de mercadorias da Europa para Marrocos, depois de se encontrarem em uma situação difícil por causa da epidemia e da falta de oportunidades de trabalho. Queremos saber quais são as medidas preventivas e as medidas tomadas para mantê-los em quarentena e assim evitar a propagação da infecção”, declarou a deputada Rita Hatimi em um discurso no Parlamento.

Imigrantes argelinos também estão embarcando clandestinamente de volta ao seu país. E não apenas da Espanha. Segundo fontes policiais, a máfia também está operando na Itália. A Argélia é o quarto país africano mais afetado pelo coronavírus e registrava em 20 de abril 2.629 pessoas contagiadas. A imprensa argelina relatou com espanto esse fenômeno depois que as autoridades detectaram três embarcações com 12 imigrantes a bordo a leste de Oran, no noroeste da Argélia.

"Surpreendentemente e de forma incomum, os barcos não estavam indo para as costas da Península Ibérica, mas retornando da Espanha para a Argélia", publicou o Algerie 360°. Os recém-chegados também foram detidos, obrigados a passar por exames médicos e cumprir quarentena.

Poucos barcos rumam para a Espanha

Mesmo registrando movimentos migratórios ao contrário, a Espanha continua recebendo imigrantes irregulares que tentam completar sua viagem, apesar da pandemia. Desde que o Governo decretou o estado de alarme de 15 de março até 15 de abril, 829 pessoas entraram irregularmente por terra e por mar, segundo dados do Ministério do Interior. O total de chegadas até 19 de abril (6.056) representa uma queda de 24% em relação ao mesmo período de 2019, de acordo com uma análise interna dos fluxos migratórios da Comissão Europeia.

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