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Drenado por crise política forjada por Bolsonaro, Brasil fica no escuro quanto a avanço real do coronavírus

Um dia após atos pedindo intervenção militar, presidente recua de respaldo e diz não apoiar fechamento do Congresso e STF. Enquanto isso, Ministério da Saúde erra cifras sobre aumento de óbitos

O presidente Jair Bolsonaro gesticula enquanto fala com a imprensa nesta segunda-feira, 20 de abril, diante do Palácio do Alvorada.
O presidente Jair Bolsonaro gesticula enquanto fala com a imprensa nesta segunda-feira, 20 de abril, diante do Palácio do Alvorada.-/GDA via ZUMA Wire GDA via ZUMA / DPA (Europa Press)
Felipe Betim
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People walk in a shopping street in Gelsenkirchen, Germany, as many smaller stores are allowed to open on Monday, April 20, 2020. Europe's biggest economy, starts reopening some of its stores and factories after weeks of lockdown due to the new coronavirus outbreak. (AP Photo/Martin Meissner)
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Brazil's President Jair Bolsonaro speaks to supporters during a protest asking for military intervention in front the army's headquarters during the new coronavirus pandemic, in Brasilia, Brazil, Sunday, April 19, 2020. Bolsonaro came out in support of a small protest Sunday that defended military intervention, infringing his own ministry's recommendations to maintain social distancing and prompting fierce critics. (AP Photo/Andre Borges)
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Em meio a uma crise política forjada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que participou neste fim de semana de atos que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal e defendiam uma intervenção militar, o Brasil dá sinais de caminhar no escuro com relação ao real avanço de casos e mortes por coronavírus. Na tarde desta segunda-feira, o Ministério da Saúde divulgou um balanço em que confirmava 383 novas mortes pela covid-19 em 24 horas, mas cerca de uma hora depois corrigiu a informação e assegurou tratar-se de 113 novos óbitos registrados no período. O motivo do equívoco era um erro de digitação. Na tabela com o balanço diário, a pasta afirmou inicialmente que o Estado de São Paulo somava 1.307 mortes, mas o correto era 1.037. Assim, o balanço foi corrigido de 2.845 óbitos (7% de letalidade) para 2.575 (6,3% de letalidade). O número total de novos casos confirmados ficou em 40.581, isto é, 1.927 a mais que o dia anterior.

Desde que o Governo trocou o comando do Ministério da Saúde, na quinta-feira da semana passada, os dados sobre o avanço da covid-19 são atualizados sem que ocorra a coletiva de imprensa com a equipe técnica da pasta, prática que era comum durante a gestão de Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS). Nestas entrevistas, o informe diário sobre a crise era acompanhado de anúncios sobre decisões do Executivo federal para frear a pandemia no Brasil, além de explicações sobre a curva de crescimento de casos, os gargalos do SUS, o avanço ou atraso em relação aos desafios do Governo ante a crise, além das respostas às perguntas dos jornalistas. A ausência de explicações técnicas dificulta entender o comportamento do vírus no Brasil, como saber se a expansão de casos se deve à ampliação dos testes ou à queda da adesão do isolamento social, por exemplo.

O novo ministro, Nelson Teich, que assumiu em 16 de abril a pasta, defendeu a transparência das ações do ministério ao tomar posse, mas ainda não deixou claro se retomará a rotina das explicações técnicas. No sábado, sem agenda oficial, Teich viajou ao Rio de Janeiro (onde ele mora). Na tarde desta segunda-feira, sem que o compromisso constasse na agenda do ministro, ele se reuniu com o presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto. Nesta segunda-feira, o único membro do primeiro escalão do Governo a participar da coletiva imprensa diária foi o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, para falar sobre o pagamento da renda básica emergencial.

Teich, por sua vez, limitou-se a divulgar um vídeo de pouco mais de três minutos em que informava que o Governo estava adquirindo testes de coronavírus, que passariam de 24 milhões para 46 milhões de kits. O objetivo, explicou Teich, era realizar a testagem em massa da população, como fez a Coreia do Sul, para “entender a doença e sua evolução”, e assim “fazer um planejamento para revisão do distanciamento social”. O ministro ainda participou nesta segunda de uma reunião no Palácio do Planalto que estava fora da agenda oficial e deve ainda nomear pessoas para sua equipe ―o presidente chegou a dizer que também faria indicações.

Tensão política

O afrouxamento das medidas de distanciamento social decretadas por Estados e Municípios é uma das obsessões de Bolsonaro. Houve uma escalada da tensão política no país no último fim de semana, em que um número expressivo de bolsonaristas se juntaram em atos e carreatas com buzinaços em cidades como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

Além dos pedidos pela reabertura dos comércios e retomada da atividade econômica, muitos manifestantes pediam o afastamento do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), além de uma intervenção militar ou um novo AI-5 —decreto de 1968 da ditadura que permitia o fechamento do Congresso e a suspensão dos direitos políticos dos cidadãos. No domingo, Bolsonaro foi até a sede do Exército em Brasília, se aproximou de manifestantes —sem máscara e tossindo, conforme mostram imagens— e fez um inflamado discurso de confronto com os demais Poderes da República. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil”, afirmou o presidente, sob aplausos.

Nesta segunda-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado por Bolsonaro para o posto, pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) abrisse um inquérito para investigar as manifestações de domingo. Aras quer apurar se houve violação da Lei de Segurança Nacional por conta de “atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF”. As manifestações também geraram repúdio de ministros do STF, de Maia e outras autoridades. O presidente acabou recuando nesta segunda-feira: na saída do Palácio da Alvorada, ao se dirigir a jornalistas, afirmou não ser a favor de um AI-5 ou do fechamento do Congresso. “O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já estou no poder. Eu já sou o presidente da República", afirmou. Em seguida, falou: “Eu sou, realmente, a Constituição”.

Em outro momento, minimizou mais uma vez a pandemia de coronavírus no Brasil, assim como as mortes que estão ocorrendo: “Aproximadamente 70% da população vai ser infectada. Não adianta querer correr disso. É uma verdade. Estão com medo da verdade?”, disse. “Levaram o pavor para o público, histeria. E não é verdade. Estamos vendo que não é verdade. Lamentamos as mortes, e é a vida. Vai morrer”, acrescentou. E completou: “Essa é uma realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra. Não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia.”

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