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Três semanas sem merenda escolar em São Paulo: “Já deixei de almoçar para alimentar meus filhos”

Governo do Estado de São Paulo e Prefeitura lançam programas de benefícios para estudantes carentes, mas repasses ainda não foram liberados após 3 semanas de aulas suspensas

Elaine Santos (à direita) e os filhos moram em uma casa de um cômodo, na favela de Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo.
Elaine Santos (à direita) e os filhos moram em uma casa de um cômodo, na favela de Heliópolis, na Zona Sul de São Paulo.Marcivan Barreto

Nas últimas três semanas, Elaine Torres Santos, de 32 anos, já deixou de almoçar algumas vezes para não faltar comida no prato dos seis filhos. Desempregada há mais de dois anos, ela viu a situação financeira se complicar ainda mais quando as escolas públicas de São Paulo foram fechadas no dia 23 de março, na tentativa de combater a disseminação da pandemia de coronavírus. “Eles tomavam café, almoçavam, tomavam lanche e janta fora. As bebês gêmeas [de 3 meses] iam para creche. Quando eles chegavam eu só dava algo antes de dormir para dar uma reforçada”, diz ela, que explica que os filhos passavam quase todo o dia fora, já que frequentavam a escola e o Centro para Criança e Adolescente (CCA), da Prefeitura, que também fechou as portas. A história de Elaine é semelhante a de várias outras famílias de baixa renda, que têm sofrido com os impactos da pandemia e aguardam com bastante dificuldade a ajuda prometida pelos governantes, que ainda não saiu do papel.

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Sem aula, sem merenda e sem creche, todos da família de Elaine tiveram que se adaptar à nova vida que se resume em estar dentro de uma casa de um pequeno cômodo —com uma cama beliche, geladeira, fogão e TV—, na favela de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, durante todo o dia. “Com essa história do coronavírus, todo mundo de repente teve que ficar dentro de casa, eu praticamente não tinha nada, estava desprevenida. O jeito foi mandar meus dois filhos mais velhos, de 10 e 13 anos, para morar com a minha tia. E estou sobrevivendo da cesta básica que a CUFA (Central Única das Favelas) me deu. Se não fosse a doação, não sei como faríamos”, lamenta ela, que também divide a casa com a mãe e o irmão mais novo.

Além da cesta básica e de produtos de higiene, desde o início do ano, a desempregada tem recebido doação dos vizinhos para pagar o aluguel de 500 reais do cômodo em que vive, já que o barraco em que morava foi destruído pelas fortes chuvas do início do ano. Ela recebe também 357 reais do programa Bolsa Família, em que soma quatro benefícios dos filhos. As bebês gêmeas ainda não foram cadastradas, porque o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) está fechado por conta da pandemia. Além de não saber como seguirá alimentando as crianças, ela também teme a própria pandemia de Covid-19. “Estou com muito medo de alguém ficar doente, as meninas são recém-nascidas e tenho uma criança com tuberculose dentro de casa”, diz.

Até agora, as famílias como a de Elaine vivem de promessas do Governo. No dia 25 de março, o Governador João Doria anunciou o programa Merenda em Casa, que irá oferecer um benefício de 55 reais por estudante disponibilizado às famílias para a compra de alimentos. Os repasses serão oferecidos enquanto as aulas continuarem suspensas e serão voltados aos estudantes cujas famílias recebem o Bolsa Família e para os que vivem em condição de extrema pobreza. A previsão é que o programa comece no mês de abril, mas até o dia 7 ainda não havia nenhuma data definida. A situação não é exclusiva do Estado mais rico do Brasil. Em várias cidades, prefeitos e governadores anunciam medidas para entregar a merenda ou cartões-alimentação. De acordo com um estudo da Fundação Abrinq, com dados do IBGE, 9 milhões de pessoas de 0 a 14 anos vivem em condição de extrema pobreza, uma fatia em situação de alta vulnerabilidade que vinha em crescimento em meio à lenta recuperação econômica.

Mesmo com três filhos estudando em uma escola estadual, que são elegíveis a receberem o repasse, Elaine não recebeu qualquer aviso da Secretaria de Educação do Estado ou da instituição de ensino sobre o programa. “O único local que fui perguntar se eles poderiam me ajudar foi na creche da Prefeitura. Mas como minhas filhas não estão ainda no Bolsa [Família], falaram que não vou receber ajuda”, explica Elaine.

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, para garantir a alimentação das crianças em situação de vulnerabilidade enquanto perdurar a situação de emergência em razão da pandemia de coronavírus, a Prefeitura vai distribuir “cartões alimentação” às famílias de 273 mil crianças matriculadas na rede municipal em situação de vulnerabilidade social e cadastradas no Programa Bolsa Família. Os valores carregados no cartão alimentação variam conforme a etapa escolar de cada estudante. Para crianças em creches o valor será de 101 reais, para estudantes de Educação Infantil, 63 reais, e para Escola Fundamental, o valor será de 55 reais. Não há previsão, no entanto, de quando começarão os repasses.

Consultado pela reportagem, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), afirmou que com as aulas suspensas por tempo indeterminado em grande parte do país, torna-se imprescindível garantir a segurança alimentar e nutricional dos estudantes, por meio do emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos à saúde, a fim de evitar a disseminação da doença. “Entretanto, para agir na legalidade e com a sensibilidade que a situação exige, o FNDE depende de decisões de outras instâncias, visto que o PNAE é regido pela Lei nº Lei 11.947/2009. A autarquia acompanha de perto todos os esforços para adaptar a legislação à realidade do momento. A regulamentação atualizada do PNAE será divulgada em breve, assim que a nova legislação oficial for publicada”, afirma em nota o FNDE, que pertence ao Ministério da Educação.

Auxílio emergencial

Na fila das promessas, Elaine espera ainda o auxílio emergencial de 600 reais sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 2 de abril para trabalhadores informais de baixa renda e desempregados, que será concedido durante a crise gerada pela pandemia de coronavírus. A medida vai durar, a princípio, três meses, porém poderá ser prorrogada. A previsão do Governo é que os pagamentos sejam realizados a partir desta quinta-feira, 9 de abril, até o fim de maio.

Como é beneficiária do Bolsa Família, está inscrita no cadastro único e é mãe solteira, Elaine deve receber duas cotas do benefício, somando um valor 1.200 reais. Um dinheiro essencial para manter a família em um momento que a atividade econômica do país está parada e não são muitas as ofertas de empregos disponíveis. “Se isso for verdade mesmo, seria uma grande ajuda. Eu conseguiria ainda começar reformar o meu barraco que foi destruído pela chuva”, explica.

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