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Militares e cúpula do Legislativo intervêm para manter Mandetta, a despeito de Bolsonaro

Alcolumbre adverte Planalto sobre estremecimento com Parlamento, em caso de demissão. Ministro pede “paz” para trabalhar

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, nesta segunda-feira, quando confirmou que permanece no cargo.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, nesta segunda-feira, quando confirmou que permanece no cargo.ADRIANO MACHADO (Reuters)

Desconfortável por ter um subordinado que pensa e age diferente de si, o presidente Jair Bolsonaro pretendia demitir Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde nesta segunda-feira e trocá-lo pelo deputado federal Osmar Terra. Não conseguiu. Assim que a notícia veio à tona, começaram as poderosas pressões para evitar que o mandatário concretizasse a exoneração do ministro, que é mais popular que o seu próprio chefe por causa da coordenação das ações de enfrentamento à pandemia da Covid-19.

Houve quatro frentes de críticas contra a decisão até então tomada pelo presidente: 1) generais do Exército, um deles na ativa, com assento no Planalto, disseram que lhe faltaria apoio popular e político para demitir um ministro que tem seguido as recomendações das principais autoridades sanitárias do mundo; 2) congressistas o alertaram sobre a possibilidade de atrapalhar ainda mais a relação no Legislativo e de ver um dos pedidos de impeachment contra ele prosperar em médio prazo; 3) no Judiciário, ao menos dois ministros do Supremo Tribunal Federal queixaram-se de falta de liderança política no país e; 4) nas redes sociais, pulularam manifestações de apoio a Mandetta. O ministro ganhou ainda uma demonstração de suporte entre os seus: cerca de 150 servidores do Ministério da Saúde fizeram um protesto em frente à sede do órgão para ameaçar uma demissão coletiva, caso se concretizasse sua exoneração.

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No domingo, Bolsonaro demonstrou, mais uma vez, estar descontente com a atuação de Mandetta na pasta. Ao falar a um grupo de religiosos apoiadores que o aguardavam na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente disse que havia ministros que estavam se sentindo estrelas e que poderia usar a “caneta” contra eles. Não citou nomes. Mas o recado foi direto ao ministro da Saúde. “Algumas pessoas no meu Governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações”, afirmou. “Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil, não é para o meu bem. Nada pessoal meu. A gente vai vencer essa”, declarou o presidente.

No sábado, o ministro deu mais uma demonstração dos holofotes que atraiu: gravou um vídeo para músicos campeões de audiência no Brasil que fizeram apresentações ao vivo em suas redes sociais, como Xand do Avião e Jorge & Mateus. Na gravação, Mandetta disse a eles que o “show não pode parar”, mas as aglomerações, sim. Enquanto isso, a interlocutores, o ministro reagia às queixas de Bolsonaro. Disse que não aceitava ameaças. Que se Bolsonaro tivesse algo a fazer, que agisse, que o demitisse. E insistiu em seu discurso feito na semana passada quando foi questionado se abandonaria o cargo: “Médico não abandona paciente”.

Depois de um dia de inteiro de rumores e uma série de reuniões, inclusive com Bolsonaro e sua equipe de ministros, Mandetta surgiu para falar com a imprensa depois das 20h. Discursando na sede do Ministério da Saúde, em Brasília, e em mais um sintoma de uma crise com o Planalto que ganha ares surrealistas em meio à pandemia, admitiu que vários funcionários seus já estavam limpando suas gavetas para irem embora, inclusive as dele. E deu o recado: “Nós vamos continuar porque continuando a gente vai conseguir enfrentar o nosso inimigo, que tem nome e sobrenome, a Covid-19”.

A altivez do ex-deputado vinha do respaldo angariado ao longo do dia e na semana passada. O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), transmitiu o seguinte recado a Bolsonaro por meio dos ministros-generais Luiz Eduardo Ramos (Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil): “o Congresso é contra a saída de Mandetta. Isso iria prejudicar a relação com o Parlamento”. Chamado para conversar pessoalmente com o presidente, Alcolumbre avisou que não o encontraria e que a discussão estava acima de questões partidárias. Mandetta é filiado ao DEM de Alcolumbre, pelo qual cumpriu dois mandatos de deputado federal por Mato Grosso do Sul.

A pressão mais intensa, contudo, veio dos militares dias antes. Na noite de quinta-feira passada, quatro generais com assento no Planalto se reuniram com Bolsonaro logo após ele conceder uma polêmica entrevista à rádio Jovem Pan, na qual disse que faltava humildade a Mandetta e que ele deveria ouvi-lo mais. O quarteto disse a Bolsonaro que ele deveria se calar para não deixar a crise sanitária e econômica ainda mais grave. Pediram para ele não mexer em sua equipe, por enquanto. Tampouco provocar governadores e prefeitos que decretaram quarentenas. Disseram que, se ele não mudasse sua postura, poderia ser pressionado a deixar o cargo.

Em um primeiro momento, parecia que o presidente tinha ouvido as advertências e acatado os conselhos. Mas as declarações no domingo e as sinalizações da segunda-feira demonstraram que não foi bem assim. Para um interlocutor que estava no encontro com os militares na quinta-feira, não ficou de todo claro se Bolsonaro esperava tamanha reação, e de tantas frentes coordenadas, contra a queda do ministro.

O cerne da discórdia entre chefe e subordinado é o fato de o ministro ser a favor do distanciamento social, com medidas que incluem o isolamento do maior número de pessoas em cidades onde haja uma disseminação da doença. O presidente, por sua vez, entende que só quem deveria se isolar seriam os grupos mais vulneráveis, idosos e pessoas com comorbidades. Bolsonaro está preocupado com os efeitos de uma inevitável quebradeira econômica, com os gastos que o Governo terá para ajudar a população mais pobre e com suas próprias perspectivas de reeleição em meio à crise sem precedentes.

Quem tem ajudado na “fritura” de Mandetta é exatamente seu potencial substituto, Osmar Terra. Deputado federal pelo MDB do Rio Grande do Sul, e demitido por Bolsonaro do Ministério da Cidadania em fevereiro, o parlamentar nega a importância do distanciamento social como ação para coibir a disseminação massiva do coronavírus, assim como o mandatário. No fim de semana agiu intensamente contra seu antigo colega de Parlamento. Participou de reuniões entre Bolsonaro e médicos que são contrários ao isolamento horizontal, publicou artigo em jornal e deu entrevistas para dizer que a quarentena não auxilia no controle da pandemia de Covid-19. Algo que é refutado pelas principais autoridades sanitárias do mundo.

Em suas redes sociais, Terra recebeu sanção do Twitter ao dizer que que a “quarentena aumenta os casos de coronavírus”. Em uma entrevista que concedeu por videoconferência, ao portal bolsonarista Crítica Nacional, o deputado disse que no Brasil não vão morrer nem 5.000 pessoas. Falou, equivocadamente, que as medidas de isolamentos não funcionaram em nenhum local do mundo e reclamou das quarentenas no país. “Essas medidas drásticas não adiantam nada. Não fica uma pessoa a mais ou a menos internada por causa da quarentena. Não tem uma pessoa a mais ou a menos morrendo por causa da quarentena. Ela não atrapalha o vírus”, afirmou.

Em um grupo de parlamentares do DEM, Mandetta chamou o deputado do MDB de “Osmar Trevas”. “Vamos seguir a ciência, disciplina, planejamento, foco. Não perca. Esses barulhos que vem ao lado, fulano falou isso, beltrano falou aqui, esquece. Eles estão aqui do lado. Apesar dos pesares, foco, aqui!”, afirmou o ministro em uma coletiva durante a noite.

Esse não foi o primeiro dia do fico de Mandetta. Nem deve ser o último até o fim da crise da pandemia. “Infelizmente começamos com mais um solavanco a semana de trabalho. Espero que possamos entrar um período de paz, daqui pra frente”, afirmou.

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