“Quero pôr um trinco no meu quarto”, a brasileira assassinada pelo filho de 17 anos na Espanha
“Meu menino está muito estranho”, disse Minaene a uma amiga. O adolescente colocou o cadáver num armário e ligou a televisão
Minaene F., de 36 anos, não queria falar dos problemas que tinha com seu filho de 17, mas às vezes não aguentava mais e se abria. Alguns amigos viram as marcas das agressões, outros presenciaram discussões, e a um deles essa brasileira radicada na Espanha chegou a revelar que não se sentia segura em casa com o adolescente. Queria instalar um trinco no seu quarto para dormir mais tranquila. O menor, extremamente tímido da porta para fora, tornou-se violento, mas só com ela. Na segunda-feira passada, o cadáver esfaqueado da mulher foi achado dentro de uma mala no município de Foz, na região da Galícia (noroeste da Espanha).
A última mensagem de voz enviada por Minaene à amiga Kelly, às 7h34 (hora local) de sábado, 2 de novembro, falava da máscara que ela tinha usado numa festa de Halloween, com seus amigos, nas ruas da pequena Foz. Havia comprado o objeto depois de emigrar do Brasil para a Itália, e agora, instalada na Espanha, o guardava como uma lembrança íntima de uma vida de luta por seu filho. "Naquela noite ela estava lindíssima e superfeliz", repete Kelly Cintia Gonçalves enquanto reproduz no seu celular a gravação de WhatsApp da mulher agora falecida. Ela foi quem chamou o serviço de emergências, no final da noite de domingo passado, numa ligação feita do corredor do prédio onde Minaene e seu filho viviam de aluguel.
Em frente à porta, no quarto andar de um edifício verde-claro, na rua Costa do Castro, havia "duas gotas de sangue". Ninguém atendia, e Kelly intuiu que algo horrível havia ocorrido lá dentro. Na segunda-feira, agentes da Guarda Civil munidos de mandado judicial entraram no apartamento e encontraram o cadáver de Mina retalhado a facadas. Estava escondido numa mala com estampa camuflada, guardada num armário. Meia hora depois, o menor, que tinha descido para tomar o café da manhã no porto local, foi detido como suposto autor do matricídio.
Minaene (nascida em Gurupi, Tocantins, em 1983) provavelmente morreu no sábado à tarde e tentou se defender, apesar de ser muito menor que o suposto homicida. Pouco depois, um homem viu seu filho num parque, e ao notar sua mão ensanguentada lhe perguntou o que tinha acontecido. "Fiz uma coisa", respondeu o jovem, que nessa noite foi a um pronto-socorro para fazer curativos naqueles cortes profundos. Fazia meses que Minaene, "extrovertida, mas muito reservada sobre as coisas da sua vida", tinha feito uma confidência a um amigo: "Quero instalar um trinco na porta do meu quarto. O menino está muito estranho".
Rosi, moradora do edifício vizinho e também brasileira, recorda outro sinal de alerta recente, um entre tantos que os conhecidos agora vão alinhando, mas que antes não bastaram para prenunciar o desenlace atroz. "Eu a encontrei numa cafeteria com os olhinhos úmidos", conta. "Eu a chamava de Bonequinha, porque tinha o cabelo todo encaracolado e um sorriso tão lindo que sempre tinha no rosto. Eu falei, 'Bonequinha, o que você tem?', e ela então começou a chorar. Contou-me que o menino a tinha empurrado na cozinha e me mostrou um hematoma enorme que tinha nas costas inteiras, por ter batido na bancada da cozinha."
A palavra que as amigas de Minaene mais repetem é "respeito". O garoto, dizem, sempre havia manifestado "respeito" por elas, mas não pela própria mãe. Era retraído, "calado", "pacato". "Para que dissesse duas palavras era preciso lhe perguntar" e "nunca olhava nos olhos". "Não tinha amigos; estava sempre sozinho." A relação doméstica se tornou "tóxica", define Kelly Gonçalves. Os dois sozinhos num apartamento em Foz (10.002 habitantes), com o resto da família no Brasil.
"Mina contava que seu ex, que já morreu, a tinha abandonado", relata Maria Aparecida Rodrigues, Mari, dona do bar A Charanga do Cuco, onde trabalhava a vítima. "Ela era tudo para aquele menino, o pai e a mãe, e acho que se sentia carente de carinho, porque ela tinha que trabalhar e ganhar a vida. Ela se desdobrava pelo filho, e veio para a Europa por causa dele. No começo deixou o garoto lá, com uma das irmãs tomando conta, mas o trouxe quando pôde. Ela me pediu que eu fizesse um contrato para ela para conseguir a permissão de residência, e eu fiz", conta a dona do bar.
Foi então, há cerca de dois anos, que Mina – como era mais conhecida – se mudou para Foz vindo de outro município próximo. O adolescente fazia um curso técnico de Auxiliar de Clínica em Burela, a 14 quilômetros, e ela tinha começado o curso de Chef de Cozinha no colégio de Foz. "Era boa cozinheira, mas aqui trabalhava atendendo no balcão", conta Mari. O menino ajudava como garçom quando o estabelecimento precisava de reforços.
"Foi criando um ódio"
Embora o filho fosse "obediente" e "correto" com todo mundo, Mari presenciou fortes discussões do suposto homicida com sua mãe. "Qualquer um que tenha um filho adolescente sabe como é difícil, mas ninguém imaginou que eles estavam tão mal", lamenta a amiga. "Ela queria procurar ajuda das instituições e não sabia bem como encaminhar a situação. Quando ele se comportava mal, o castigava tirando o celular e outros aparelhos. Pouco a pouco, acho que ele foi criando um ódio."
O Tribunal de Menores da província de Lugo, onde fica Foz, informou à imprensa na última terça-feira sobre as medidas cautelares que seriam adotadas para preservar a identidade do acusado, por ser menor de idade, e que ele seria mantido em regime fechado numa instituição tutelada. Antes da sua detenção, segundo um vizinho, o jovem manteve a televisão ligada a noite toda. Enquanto isso, o cadáver massacrado de sua mãe permanecia no armário.
Kelly e Mari organizam agora uma coleta entre amigos da Espanha e do Brasil para pagar a repatriação do corpo da sua amiga. "Ela sonhava em dar um bom futuro ao seu filho. Economizava. Tinha comprado um terreno no Brasil para fazer uma casinha e ficar perto dos seus pais e suas irmãs. É justo que Mina volte para a sua família".
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