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Mato Grosso aprova lei que amplia em quatro vezes o consumo de madeira sem reposição

Iniciativa de autoria do Governo Mauro Mendes é apresentada em ano que a Amazônia apresentou recordes em incêndios florestais. Estado é o maior desmatador do bioma, atrás apenas do Pará

Funcionários em madeireira legal no Mato Grosso.
Funcionários em madeireira legal no Mato Grosso.Francisco Alves (Governo MT)

No estado amazônico de Mato Grosso, cada empreendimento que utiliza a madeira como matéria-prima poderá, a partir dos próximos meses, consumir até 297.000 árvores por ano sem precisar fazer a reposição florestal. A quantidade equivale a 49.500 metros cúbicos de toras madeira e se refere ao produto comercializado legalmente, não ao que é considerado desmatamento ilegal. Antes, esse consumo era limitado a 12.000 metros cúbicos (ou 72.000 árvores). Cada metro cúbico equivale a mais ou menos seis unidades de árvores. A lei prevê que a empresa que utiliza a madeira como matéria-prima deve compensar esse consumo com a plantação de árvores a partir de determinada quantidade de uso. A madeira é usada, principalmente, para gerar energia a pequenas, médias e grandes empresas, de secadoras de grãos a produtoras de etanol.

O aumento da quantidade em que se permite o consumo sem reposição se deve a um projeto de lei complementar de autoria do Governo do Estado que foi aprovado por 15 a 4, no último dia 22 de outubro na Assembleia Legislativa. Para passar a valer, depende apenas da sanção do governador Mauro Mendes (DEM), o que deve ocorrer nas próximas semanas. Este é o primeiro dos nove Estados da região amazônica a fazer essa modificação.

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O projeto prevê que só deve repor a madeira retirada da natureza quem consumir mais de 49.500 metros cúbicos anuais. Um estudo informal feito pelo Ministério Público mato-grossense constatou que neste ano nenhuma empresa registrou consumo superior a 24.000 metros cúbicos. “Diante dos dados, a conclusão a que se chega é que se criou um limite muito alto”, avaliou o coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do Instituto Centro Vida (ICV), Vinicius Silgueiro. Essa organização é uma das que tem se tornado referência na área ambiental no Mato Grosso.

Apesar de se tratar do produto que é comercializado legalmente, a mudança legislativa acendeu um sinal de alerta entre ambientalistas que atuam na região amazônica. Ela ocorre em um momento em que o Mato Grosso se consolida como o maior produtor de madeira tropical da Amazônia, assim como o segundo maior desmatador do bioma, atrás apenas do Pará. De janeiro a setembro deste ano, Mato Grosso registrou desmatamento em 1.617 quilômetros quadrados de seu território, conforme dados do sistema Deter-B, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

No Brasil, a floresta atinge nove Estados e neste ano bateu recordes em registros de incêndios florestais, o que gerou uma das principais crises do Governo de Jair Bolsonaro (PSL). “Este momento tão crítico, em que o desmatamento e os incêndios aumentam, não é o mais adequado para se discutir uma lei que flexibiliza a exploração da floresta”, afirma o pesquisador Paulo Amaral, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Na opinião de Silgueiro, por ora, não é possível vincular um “aumento automático do desmatamento”. “Mas não podemos descartar essa hipótese porque geralmente a fiscalização é baixa”, destacou o especialista. Um levantamento realizado pelo ICV em parceria com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e publicado no último dia 17 mostra que 39% de toda madeira produzida no Mato Grosso provém de desmatamento irregular. Foram 60.400 hectares de florestas exploradas ilegalmente entre agosto de 2016 e julho de 2017, últimos dados disponíveis nos registros oficiais.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que apresenta essa mudança legislativa, o governador Mendes pediu mais contribuição financeira para o combate ao desmatamento ilegal na Amazônia em um evento internacional sobre florestas em Nova York, em setembro. “Precisamos que o mundo, os países mais ricos do mundo compareçam, não só no nosso estado, no nosso país. Compareçam às áreas de florestas tropicais, fazendo sua parte, dando as contrapartidas financeiras já prometidas e pactuadas em reuniões que já aconteceram ao redor do planeta”, declarou em um painel do qual participou ao lado de outros governadores.

Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente justificou que a mudança na lei é uma adequação ao Código Florestal Brasileiro; negou que ela seja um estímulo ao desmatamento; afirmou que uma câmara técnica com representantes da sociedade civil e de órgãos públicos debateu amplamente o assunto e alegou que o objetivo era classificar os consumidores de madeira de acordo com o porte do empreendimento. “A partir do limite estabelecido pela legislação, o empreendedor está obrigado a apresentar um projeto para indicar como ele irá suprir a demanda por matéria-prima lenhosa por meio de um Plano de Suprimento Sustentável (PSS)”, diz trecho da nota enviado à reportagem.

De fato, o Código Florestal cita o PSS, mas em nenhum momento trata do limite de 49.500 metros cúbicos de madeira como parâmetro para definir o tamanho dos consumidores. Cabe a cada Estado definir esse limite.

O pequi e os “correntões”

Outro assunto tratado no projeto de lei foi a autorização para se derrubar o pequizeiro (pé do fruto pequi) no bioma amazônico. Antes, a lei complementar 233 de 2005 proibia o corte e a comercialização dessa árvore assim como das espécies seringueira e castanheira em todo Estado. As duas últimas seguirão protegidas, desde que estejam em área nativa, primitiva e regenerada. Enquanto que o pequizeiro só estará protegido no cerrado, caso se confirme a sanção da lei. O problema é que um terço do Estado é uma espécie de área de transição entre o cerrado e a Amazônia. “Não dá para saber onde começa um e onde termina o outro. É misturado”, alertou Silgueiro.

Na opinião de um deputado estadual que fez oposição ao projeto, o petista Lúdio Cabral, ao aprovar essa mudança, o Governo quis facilitar o desmatamento de áreas para a plantação de lavouras ou pastos para os rebanhos bovinos. “Sem proteger o pequizeiro, fica mais fácil desmatar com máquinas ou ‘correntão’, pois o pequizeiro não estará mais no meio do caminho”, afirmou. O “correntão” é uma técnica ilegal na qual dois tratores usam uma corrente afixada em cada ponta deles para derrubar toda a vegetação que encontram pela frente enquanto percorrem o mesmo percurso paralelamente. Vídeos na internet mostram como é o seu funcionamento.

A minúscula oposição à gestão Mauro Mendes busca alguma maneira legal de evitar que essa lei passe a vigorar. Antes de ser aprovado no dia 22, o projeto foi rejeitado no início do mês. Naquela ocasião, havia a previsão de que cada empreendimento poderia consumir até 50.000 metros cúbicos de toras sem a necessidade de reflorestar. Com aquela derrota, a base governista apresentou uma emenda a outra proposta legislativa, a que tratava do pequizeiro, e mudou o limite de consumo da madeira.f

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