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Parlamento britânico impõe a Johnson uma lenta tramitação do Brexit

Westminster dá um primeiro aval ao acordo com a UE, mas bloqueia a tramitação expressa que o Executivo solicitava

Rafa de Miguel
Boris Johnson, de costas, fala nesta terça-feira no Parlamento britânico.
Boris Johnson, de costas, fala nesta terça-feira no Parlamento britânico.House of Commons (AP)
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O Parlamento britânico mandou um recado claro a Boris Johnson. Quer um Brexit com acordo, mas não um Brexit qualquer, nem uma tramitação incompetente. O primeiro-ministro viu a estratégia ser desbaratada por uma maioria de 322 deputados, contra 308 a seu favor. Os parlamentares rejeitaram a tramitação urgente solicitada por Downing Street, que esperava ter o texto aprovado já nesta quinta-feira, evitando assim a prorrogação que Westminster obrigou Johnson a pedir à UE. Em resposta ao contratempo, o primeiro-ministro anunciou que “punha em pausa” a tramitação da lei, à espera de conhecer a resposta da UE ao pedido de prorrogação. Paralelamente, dispunha-se a acelerar os preparativos para um Brexit sem pacto. Horas antes, ameaçou tentar forçar um adiantamento eleitoral.

O território Brexit tornou nesta terça-feira a estar na zona de incerteza e angústia que não abandonou durante mais de três anos. Johnson saiu às pressas do Parlamento para preparar o próximo passo com sua equipe.

Nos últimos dias, havia a sensação de que o primeiro-ministro tocava o sucesso com a ponta dos dedos. Tinha convencido um punhado de eurocéticos, conservadores moderados e até trabalhistas partidários da saída da UE a respaldarem seu acordo. A última manobra do Governo, entretanto, inflamou muitos parlamentares e voltou a turvar o panorama. Downing Street pretendia impor uma tramitação de urgência do seu projeto de lei, para poder aprovar na Câmara das Comuns na quinta-feira o acordo de retirada combinado com Bruxelas.

Houve uma primeira votação do texto. E o Governo chegou a acreditar que tinha o processo encaminhado. Na primeira votação, o texto de Johnson teve o respaldo de 329 deputados (9 a mais que os 320 necessários). A derrota veio minutos depois, quando, numa segunda votação, uma maioria de 322 deputados a 308 rejeitou a proposta do Governo de levar o acordo adiante pela via de urgência. O propósito final de Johnson era poder ter seu Brexit completamente aprovado antes do próximo dia 31, de modo a evitar ter que aplicar a prorrogação que o Parlamento o obrigou a pedir a Bruxelas, e que o primeiro-ministro solicitou a contragosto numa carta que nem sequer assinou.

Um grande número de deputados considerou que dois dias para debater um texto legal de mais de cem páginas era uma brincadeira com Westminster. “Se o que pretendem é recuperar o controle da nossa soberania, tratem o Parlamento com respeito. E quando tudo isto acabar, não terão ficado envenenados com a sombra da ilegitimidade, e sim com um selo de honra”, advertiu o conservador moderado Rory Stewart aos eurocéticos.

Existia também a suspeita de que toda esta batalha podia dar em nada se, ao final do período de transição (previsto para 31 de dezembro de 2020, ou prorrogável para 2021), não tenha sido possível negociar uma nova relação comercial entre Londres e Bruxelas. O resultado final seria o Brexit desordenado que tantos deputados lutam para evitar. Por isso o independente Nick Boles (expulso por sua rebeldia das fileiras conservadoras) incluiu uma emenda de última hora para impor uma prorrogação automática ao final do período de transição se não for alcançado um marco definitivo para as relações entre os dois lados.

Tantas suspeitas e tantas manobras preventivas acabaram por convencer a equipe de Johnson de que esta batalha seria perdida, como ocorreu. O primeiro-ministro tinha começado o debate com uma primeira intervenção em que esgrimiu uma clara ameaça: “Se o Parlamento se empenhar em adiar o Brexit até janeiro ou além, não restará mais remédio senão tentar forçar um adiantamento eleitoral”, afirmou.

Uma vez derrotado, entretanto, evitou repetir a ameaça, embora esta já tenha ficado pairando no ambiente. “Enfrentamos agora uma maior incerteza. A União Europeia deverá tomar uma decisão sobre qual é sua resposta à solicitação deste Parlamento de conceder uma nova prorrogação. A primeira consequência de tudo isto é que o Governo deve adotar a única via responsável que resta e começar a acelerar os preparativos para fazer frente a um Brexit sem acordo”.

Nas próximas horas, Johnson deverá calcular os custos e vantagens de uma decisão drástica. O Parlamento lhe enviou um claro sinal positivo em sua primeira votação desta terça-feira. Dispõe de uma maioria suficiente para levar adiante seu acordo do Brexit. Mas se realmente o desejar, deverá se resignar à ideia de um trâmite parlamentar com um tempo apropriado e assumir que o Reino Unido não sairá da UE no próximo dia 31. Essa era, durante todo este tempo, a grande promessa e bandeira de Johnson, que chegou a assegurar que a cumpriria “pela vida ou pela morte, doa a quem doer”.

Agenda razoável

O líder da oposição, Jeremy Corbyn, ofereceu, assim que soube da rejeição do Parlamento à tramitação de urgência proposta pelo primeiro-ministro, um compromisso para que a Câmara mantivesse sua atividade. “Trabalhe com todos nós para definir uma pauta de tramitação razoável, e tenho a intuição de que esta Câmara lhe dará luz verde, para poder analisar, debater e, confio, melhorar o texto. Essa seria a única maneira razoável de avançar, e é a proposta que hoje lhe faço em nome da oposição”, disse.

Não obteve resposta. O ministro para as Relações com o Parlamento, Jacob Rees-mogg, encarregado de transmitir a ordem do dia proposta pelo Governo, anunciou que já não se debateria nada mais a respeito do Brexit. Muitos deputados criticaram a atitude de Johnson e chegaram a qualificá-la a de “infantil”. Mas, sobretudo, comemoraram ter paralisado uma vez mais as estratagemas de Downing Street e ter conseguido impor, com uma derrota humilhante, o adiamento do Brexit que uma maioria de deputados aprovou no seu momento, e que o primeiro-ministro tentou driblar a todo instante.

Está nas mãos de Bruxelas decidir quanto tempo extra concederá, e nas de Johnson decidir se constrói algo sobre seu primeiro pequeno sucesso ou prefere ir para o confronto total.

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