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Namastech, a febre zen no mundo do dinheiro

Executivos e funcionários do mercado financeiro adotam de meditação e ‘mindfulness’ aos centros de flutuação para alcançar o equilíbrio e melhorar a concentração no trabalho

Grupo de meditação na avenida Faria lima, em São Paulo.
Grupo de meditação na avenida Faria lima, em São Paulo.Fernando Cavalcanti (El PAÍS)
Beatriz Jucá
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São 13h10 de uma sexta-feira de setembro. Um grupo de aproximadamente 13 pessoas —a maioria delas funcionárias de grandes corporações— se acercam do gramado do Pátio Victor Malzoni, na avenida Faria Lima, via paulistana que ganhou o apelido de Vale do Silício brasileira por concentrar um grande número de startups e investidores. Elas retiram os sapatos e sentam-se em posição ereta. Sob uma pressão diária para atingir metas e viabilizar projetos, buscam melhorar sua capacidade de concentração e a performance no trabalho por meio da meditação. O ambiente ao redor é caótico: ouve-se um barulho constante de carros e até aviões e uma música pop que vem da pequena cafeteria que há ao lado, além do quicar de uma bolinha na mesa de ping-pong colocada no entorno do edifício, onde funciona o Google. Mas nada que pareça incomodar o grupo que, há aproximadamente três meses, medita estoicamente na hora do almoço.

Tudo começou quando o advogado de um fundo de investimentos, Marcelo Corazzi, foi fotografado meditando sozinho no local. A imagem em que aparece de pés descalços e olhos fechados foi parar no perfil Faria Lima Elevetors —que costuma satirizar a relação desta região da cidade e os costumes e práticas que entram na moda do mercado financeiro—  e viralizou na Internet. "Sim, a imagem é real. Sim, é no horário do almoço na Faria Lima", dizia a legenda. A postagem gerou uma série de comentários como "Veganos de patinete, quem contrata isso?", "Só 1% do PIB pode ser zen na hora do almoço" ou "Tem emprego na Faria Lima que dá tempo de fazer isso?". Marcelo não se importou. Decidiu usar os holofotes momentâneos para convidar pessoas dispostas a formarem um grupo fixo de meditação no local. Criou, então, um perfil no Instagram chamado Faria Lima Meditators e um grupo no WhatsApp que hoje tem pouco mais de 150 participantes.

"A meditação melhora muito a qualidade de vida, que é algo muito em falta no nosso ambiente corporativo. Me ajuda também a tomar decisões e ter mais empatia e compaixão", explica Marcelo, que começou a meditar há cerca de sete anos, após ler o livro Os desafios à força de vontade, de Kelly Mcgonigal. Na obra, a autora relaciona o ato de meditar com o aumento da força de vontade. "Eu comecei a meditar buscando melhorar a minha performance [no trabalho]", diz Marcelo. Apesar de não ter instrução de meditador, é ele quem atua como principal facilitador do grupo, guiando a prática de três a quatro vezes por semana. Retira as meditações de aplicativos como o Insight Timer e do YouTube. "O meu objetivo é fazer com que o grupo role. Nosso desafio agora é replicar o grupo em mais dois, na Paulista e na Berrini", conta, citando outras duas avenidas paulistanas que também concentram grandes empresas.

Pelo menos uma vez por semana, o Faria Lima Meditators recebe um convidado para apresentar novas práticas. Na última sexta-feira, a coaching integrativa Ana Sales conduzia a meditação com uma prática imaginativa comum na técnica conhecida como constelação familiar. Com os olhos fechados, ela pede que o grupo ignore o barulho ao redor e respire calmamente. Fala da importância de honrar a sabedoria dos ancestrais para conseguir "partir para vida sem carregar os padrões dos nossos pais". Orienta que o grupo imagine uma montanha, depois visualize o pai do lado direito e a mãe do esquerdo, bem como luzes verde e laranja passando pelos dois. Em seguida, evoca um silêncio profundo e diz para que os integrantes busquem conectar-se com seus chacras para alcançar mais criatividade e produtividade. Após quase 20 anos atuando no mercado financeiro, Ana diz que as práticas a ajudaram a lidar com o estresse e aprender a "oferecer o melhor para o mundo". Ela começou meditando como forma de autoconhecimento e há dois anos passou a prestar atendimentos. Agora, se prepara para deixar o ambiente corporativo e dedicar-se integralmente aos atendimentos terapêuticos.

Enquanto o grupo medita sob as orientações de Ana, executivos e funcionários que passam pelo local observam e apontam para o grupo com certo estranhamento. Mas quem participa da meditação não parece se importar. "Tem gente que passa e fala: 'Olha, eles estão quase transcendendo'. Ainda tem muito a visão de que meditar é coisa de desocupado. A gente tem que desmistificar isso", diz o advogado de um banco de investimentos, Felipe Godoy. Ele começou a meditar no início do ano passado, depois de passar por uma forte crise de ansiedade. Felipe diz que a prática o ensinou a lidar melhor com a pressão no trabalho e estabelecer o que é de fato prioridade. Hoje, participa quase diariamente do grupo de meditação. "Dizem que apenas 1% do PIB consegue meditar na hora do almoço. Mas esse 1%, que está muito à flor da pele, está conseguindo ver um outro caminho. E meditação é para todos, nosso grupo é de graça", diz Felipe.

Um febre também nos Estados Unidos

Buscar práticas alternativas para lidar com o estresse e melhorar a produtividade está cada vez mais comum no ambiente corporativo brasileiro e está longe de ser uma tendência local. Pelo contrário. No Vale do Silício original, na Califórnia, a febre já está instalada há anos e também já virou negócio. Não falta meditação nas listas feitas sobre os hábitos dos CEOs de sucesso. Num mundo de superestimulação do cérebro e fabricação de respostas pelas redes sociais, quem tem antídotos na mão, como técnicas de concentração, larga na frente. Nem que a resposta, nesta batalha pela atenção e o tempo, venha do celular. Além dos aplicativos para meditação, como Calm, avaliado em um bilhão de dólares, há empreendimentos mais recentes, como os novos apps que incluem até serviços do tipo Tinder para encontrar o terapeuta perfeito.

"Se você está se sentindo desconfortável com o mercado nesses dias, saiba que você está com o mindset errado. Somente um coach quântico para resolver seu caso, com a reprogramação do seu DNA, seus pensamentos e sua energia ser direcionada para o mercado de alta", ironiza o perfil Faria Lima Elevetors. Mas, para além da zoação com a moda que tomou a avenida Faria Lima, há também no Brasil uma gama de serviços oferecidos em busca de alcançar maior concentração por meio de práticas de meditação —algumas delas ancoradas em pesquisas científicas.

Há desde grupos gratuitos de meditação até pacotes de mindfulness —prática budista que trabalha o foco de atenção— com duração de oito semanas que custam uma média 1.300 reais por pessoa. Esse serviço, que pode ser contratado tanto por empresas quanto por funcionários de forma individual, se ancora em benefícios comprovados por algumas pesquisas científicas. Em 2013, pesquisadores da Universidade da Califórnia demonstraram que estudantes universitários treinados em mindfulness aumentam sua capacidade de concentração e melhoraram na compreensão de textos com apenas duas semanas de treinamento.

A psicóloga Adriana Cardoso, que atua com o mindfulness, diz que tem levado a prática para empresas, que têm aderido a ela especialmente pela sua característica laica. Como é um ambiente muito ligado a trabalhar com metas e resultados, ela costuma utilizar uma escala de estresse percebido —na qual o participante responde a um questionário que geram pontos para estipular o nível de estresse. "Eles acabam se engajando mais para colocar isso como uma prática diária. Aplico a escala no começo e no final de um treinamento de oito semanas, e é bastante comum que esse nível de estresse percebido caia pela metade", conta. Segundo Adriana, meditar pelo menos meia hora por dia traz benefícios de neuroplasticidade, com o aumento da massa cinzenta e das conexões neuronais, por isso a pessoa consegue recuperar o foco e a concentração.

Homem medita em uma cápsula de água salinizada que imita o Mar Morto.
Homem medita em uma cápsula de água salinizada que imita o Mar Morto.Arquivo pessoal (Flutuar Float Center)

O CEO do fundo de investimentos Viland Capital, André Laport, adotou a meditação transcendental como prática diária. Há 27 anos atuando no mercado financeiro, ele conta que teve mais contato com essa preocupação com a saúde mental no ambiente corporativo nos quase dez anos que trabalhou em Nova Yorque e em Londres. Hoje, medita durante 20 minutos todas as manhãs e todas as noites e diz ter notado benefícios no cotidiano —tanto que tem atraído o interesse de funcionários da sua empresa. Laport decorou o escritório com referências do feng shui, técnica chinesa com princípios para melhorar a harmonização do ambiente. O toque é muito discreto na empresa, mas é possível perceber alguns cristais sobre mesas, plantas, miniaturas de fontes e imagens de cachoeiras, que no feng shui significa um fluxo abundante de riqueza e boa sorte. "Eu não imponho a ninguém nem institucionalizei. Mas eles veem o chefe com livros de meditação, e isso trouxe curiosidade. O que eu falo muito aqui é que a gente precisa parar para respirar no dia a dia", afirma.

Meditação com flutuação sem esforço

Outra prática que tem chamado a atenção de executivos é a meditação em centros de flutuação. A Flutuar Float Center oferece uma meditação em uma cápsula de água com sal de Epsom (mineral comporto por sulfato de magnésio) que imita as condições do Mar Morto para uma flutuação sem esforço. Com sessões de uma hora que variam entre 150 e 280 reais dependendo do dia da semana, o local recebe em média 90 clientes por semana —um terço deles do mundo corporativo. "A cápsula é um ambiente com pouquíssimos estímulos sensoriais externos, o que facilita uma meditação mais profunda", explica o sócio-fundador da empresa, Tobias Nold. A prática, conta ele, ajuda a reduzir a tensão muscular.

O médico Marcelo Dermazo, que trabalha com mindfulness, explica que cada técnica de meditação traz benefícios diferentes, sejam as que estão mais ligadas à ciência ou à espiritualidade. Ele conta que há mantras que geram autorreflexão, assim como meditações que trazem bem estar e práticas de compaixão. As técnicas de atenção plena, como por exemplo o mindfulness, são as mais estudadas, pontua. “Existem muitas pesquisas científicas sobre isso, e os benefícios principais são a prevenção do Burnout (síndrome do esgotamento profissional), que tem como sintomas a exaustão, a sensação de não produtividade e a despersonalização. Nesta última, esse tipo de prática ajuda mais, porque ajuda a pessoa a reencontrar o sentido no trabalho e se reengajar”, explica. Segundo o médico, o mindfulness melhora o nível de atenção e a memória, especialmente neste contexto em que a sociedade está cada vez mais hiperconectada e tem que lidar com as distrações das redes sociais. Também traz benefícios de bem estar, criatividade, fluência verbal e até ajuda a tomar decisões de maneira mais lógica e menos emocional. Para o professor de yoga e vedanta, Ciro Castro, há um risco se de tomar essas técnicas apenas de maneira superficial. “Vai ter benefícios, não vai ser inócuo, claro, mas o risco é ficar varrendo areia da praia. Porque eu não estou indo no âmago da questão. Estou só curando sintomas e essa sensação de não pertencimento toda vez em que me frustro, em que creio que está falando algo para mim, vai estar sempre ali, porque estou sempre focado em solucionar desejos e evitar frustrações. Não consigo aprender que internamente eu já sou pleno e tranquilo”, afirma.

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