_
_
_
_

A mente nos engana (e não nos damos conta)

Comece a perceber que o seu cérebro está cheio de armadilhas

As consequências de pensar depressa demais.

Nem tudo é o que parece. Basta uma simples experiência para comprovar isso. Suponhamos que Steve seja uma pessoa selecionada ao acaso de uma amostra representativa. Um morador o descreve como alguém "muito tímido e retraído, sempre prestativo, mas pouco interessado nas pessoas ou no mundo real. De natureza disciplinada e metódica, precisa ordená-la e organizar tudo. Além disso, tem obsessão pelo detalhe". Talvez, a primeira resposta que nos venha à cabeça é que Steve seja bibliotecário? Afinal, parece reunir as qualidades típicas desses profissionais. No entanto, a resposta correta é agricultor. Nos países ocidentais, como os Estados Unidos, existe um bibliotecário para cada 20 agricultores. Se Steve foi escolhido aleatoriamente, é mais provável que ele cultive a terra. Nossa mente nos engana. Ou, melhor dizendo, pensar rápido nos engana.

Em 1974, os psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman publicaram esse exercício na revista Science, abrindo terreno para toda uma corrente de pesquisa sobre como nossa mente funciona e as peças que ela nos prega. Kahneman ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002 graças a esse trabalho (Tversky morrera alguns anos antes). Chegaram à conclusão de que temos duas formas de pensar, dois sistemas operacionais. O sistema 1, reativo, é ligado ao pensamento rápido e automático. Nele são formados os julgamentos e as ideias preestabelecidas. Nessa etapa também são processadas as decisões intuitivas e as do especialista, que depois de muitos anos de trabalho é capaz de reconhecer algo apenas batendo o olho. O sistema reativo é também o encarregado de responder quando uma pessoa está em pleno sequestro emocional, ou seja, quando vive uma emoção com muita intensidade, o que dificulta ver as coisas com clareza.

Mais informações
Três antídotos para evitar a exaustão no trabalho e não cair no ‘burnout’
Como a beleza afeta (injustamente) os salários e os resultados das eleições
Recuperar tempo para viver
Como passar da queixa ao sucesso

O sistema 2, ou consciente, está ligado ao pensamento lento, que precisa de tempo para elaborar a conclusão. É ativado quando a atenção é plena e se encarrega dos cálculos complexos e da concentração. Todos nós temos esses dois sistemas, mas o mais curioso é que o sistema 2 está normalmente em segundo plano. Como reconhece Kahneman em seu interessantíssimo livro Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar (Objetiva), nosso cérebro é preguiçoso por pura sobrevivência. Consome cerca de 20% da glicose e do oxigênio que estão em nosso corpo, apesar de representar menos 5% de sua massa. Para evitar um consumo excessivo, ativamos o modo automático, o sistema 1 ou reativo. Em outras palavras, respondemos e agimos segundo a primeira coisa que nos vem à cabeça, sem elaborar muito.

Esse fazer sem pensar nos leva a colocar rótulos nas pessoas que vemos ou que acabamos de conhecer. Nos deixamos arrastar por seu estilo na hora de vestir, por sua forma de ser, por sua tendência sexual e por tantos outros vieses inconscientes que evitam que tomemos decisões mais reflexivas e inteligentes. Diversas pesquisas indicam que as pessoas que se movem pelo sistema 1 costumam tomar decisões mais egoístas, mais superficiais e, claro, usam uma linguagem mais sexista. Mas nem tudo está perdido. Temos a capacidade de evitar cair nos braços do sistema reativo ante o primeiro desafio que surja. A chave consiste em refletir antes de tomar uma decisão importante ou quando conhecemos alguém. No fundo, é despertar o sistema 2, prestar maior atenção. Por isso, não surpreende que muitas empresas de vanguarda, que buscam diversidade e inovação, capacitem seus funcionários sobre como evitar os vieses inconscientes. Podemos realizar esse trabalho nós mesmos levando em conta como o nosso cérebro funciona, sendo conscientes de que está cheio de armadilhas. Se aplicarmos esse aprendizado no exercício de Steve, valeria à pena perguntar se não existem agricultores meticulosos. Essa pergunta abriria novas possíveis respostas.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_