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Michael Bloomberg: “Bill Clinton foi o último presidente que tentou unir o país”

Em entrevista ao EL PAÍS, o ex-prefeito de Nova York, bilionário e filantropo, critica a polarização política norte-americana: “O Congresso dos EUA tem que investigar as acusações plausíveis”

Amanda Mars
Michael Bloomberg, na última quarta-feira, após a entrevista em Nova York.
Michael Bloomberg, na última quarta-feira, após a entrevista em Nova York.FERNANDO SANCHO

Michael Bloomberg (Boston, 77 anos) pensou mil vezes em disputar a corrida pela presidência dos Estados Unidos. Seus olhos brilham quando a conversa entra na política. Suas respostas são longas, e por vezes ele se mostra um tanto abatido, mas muito seguro.

Bilionário e filantropo, foi prefeito de Nova York durante os 12 anos posteriores ao 11 de Setembro. Ergueu em 1981 o império que leva seu nome — um conglomerado de bases de dados financeiros, informações e análises — com a indenização pela sua demissão de 10 milhões de dólares (41 milhões de reais) do grupo Salomon Brothers.

Considerou a hipótese de disputar as eleições presidenciais de 2016. E, sentindo-se provável vencedor frente a alguém como Donald Trump, também pensou em disputar as de 2020, mas sabe que as superpopulosas primárias democratas deixam pouco espaço para seu centrismo. “Já disse que não. Entrar agora seria muito difícil, e o partido não está aí”, afirma. “Aí” é o espaço ideológico que habita um “verso sem rima” como Bloomberg, que foi democrata, republicano e independente; capitalista demais para o primeiro grupo e progressista demais para o segundo. Defende o direito ao aborto, a igualdade da comunidade gay e um maior controle das armas.

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“Neste país somos muito partidários. Os legisladores republicanos e democratas não almoçam juntos. Não tecem relações. Nos velhos tempos moravam em Washington, seus filhos iam ao colégio e se encontravam nos jogos de futebol. Hoje eles chegam na terça-feira, vão embora na quinta de noite e passam o resto do tempo arrecadando dinheiro. Nem sequer têm apartamento na cidade. Dormem no sofá do gabinete”, lamenta, numa entrevista ao EL PAÍS realizada durante a terceira edição do Bloomberg Global Business Forum, que reuniu chefes de Estado e de Governo e empresários em Nova York, tendo a mudança climática como eixo principal.

A polarização política dos EUA o preocupa. Esclarece que não é um fenômeno nascido em 2016, e aponta a presidência de Obama. “Trump tenta dividir. Obama não teve interesse em unir as pessoas. George W. Bush, um pouco. Clinton foi o último [que tentou essa união]. Ele convidava três congressistas republicanos e três democratas para jogar golfe. Jogava nove buracos com cada um. Depois entravam, fechavam a porta, tomavam whisky, fumavam charutos, contavam piadas cabeludas e construíam uma relação”, explica. “E, quando você tem uma relação, pode dizer: ‘Escuta, isso é bom para o país e eu preciso da sua ajuda. Talvez te prejudique eleitoralmente em seu distrito, mas posso te dar outra coisa vantajosa.”

O ex-prefeito nos cumprimenta afável, com algumas palavras em espanhol, numa das salas do Hotel Plaza de Nova York, onde os vários millennials que trabalham ao seu redor se referem continuamente a ele como “Mike”. “Mike tem a agenda muito apertada.” “Mike os receberá no terceiro andar.” Mike Bloomberg detesta Donald Trump, mas não se entusiasma com o processo de impeachment iniciado devido ao escândalo da Ucrânia. “O Congresso tem a obrigação de investigar as acusações plausíveis. Eu ajudei a mudar a Câmara de Representantes (deputados) de republicana a democrata porque não estavam fazendo esse trabalho”, responde o empresário, importante doador dos democratas. Nesse caso, no entanto, o terremoto que se vislumbra o deixa inquieto.

“Acredito que haja um movimento progressista, mas a cada quatro anos há um movimento progressista e um conservador. O Tea Party estava aí”

A explosiva conversa telefônica entre Trump e seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski, veio a público apenas duas horas antes desta entrevista. No dia anterior, a democrata Nancy Pelosi, presidenta da Câmara de Representantes, anunciou o início da investigação formal sobre as pressões de Trump para que a Justiça da Ucrânia investigasse Joe Biden, o grande rival político, e seu filho Hunter.

Bloomberg ainda não havia lido a reconstrução do telefonema, o grande indício do caso, mas profetizou: não importa o que disser, haverá polarização. “Um lado defenderá que isso não é nada, e o outro dirá que é tudo.” “Provavelmente Pelosi tinha razão antes, quando dizia que [um impeachment] seria uma interrupção e que deveríamos deixá-lo para as eleições”, afirma. “Precisamos de um comandante-em-chefe que aborde os problemas diariamente, e se o tivermos dedicando seu tempo para se defender de um impeachment, sofreremos todos. Talvez haja uma boa razão para fazer isso, mas considero que deveriam ser cumpridos critérios muito rigorosos”, argumenta. E isso, esclarece em seguida, embora ele não tenha “nada a ver com Donald Trump”.

“A preocupação das empresas com a mudança climática tem aumentado porque começamos a ver os efeitos. Não é uma simples moda.

“É o sujeito errado para o cargo. Em 2016 pedi que não votassem nele”, recorda. Foi um pouco além disso. Bloomberg participou da Convenção Democrata daquele verão com um discurso demolidor em que acusou o republicano de “trapaceiro” e “demagogo perigoso”, atacando seu valor como empresário: “Diz que quer governar este país como seus negócios. Deus nos ajude”, espetou.

Bloomberg não dá tanta importância à atual guinada progressista do Partido Democrata, dizendo que “os jovens sempre querem uma mudança sem entender como é difícil”. “Acredito que haja um movimento progressista, mas a cada quatro anos há um movimento progressista e um conservador. O Tea Party estava aí. É o mesmo que a AOC [a jovem congressista democrata Alexandria Ocasio-Cortez], dessa dinâmica de pessoas jovens”, pondera.

Em 2014, após deixar a Prefeitura de Nova York, muitos esperavam que Bloomberg, de 71 anos, concentraria-se na sua fundação e se esqueceria da empresa, mas ele recuperou o comando. E quando o fez, a revista The Economist, bíblia oficiosa do liberalismo, estampou a manchete: “Deus voltou”. Hoje, com uma fortuna de 51 bilhões de dólares (209 bilhões de reais), continua no mundo dos negócios, mas também no das causas sociais. Mobilizou seus recursos numa batalha contra o cigarro eletrônico e encabeçou a manifestação pelo clima dentro de sua monumental obra filantrópica.

Acredita que a onda de empresas que abraçaram essa causa é mais do que uma simples moda. A preocupação com a mudança climática, diz, “tem aumentado porque começamos a ver os efeitos.” “Estive em Iowa, e os agricultores reclamavam que os canadenses começavam a ter os mesmos cultivos porque a temperatura tinha subido no Canadá, de modo que agora tinham mais concorrência”, explica. “E na Califórnia, a principal companhia elétrica, PC&G, ameaça suspender o fornecimento de energia em partes do Estado porque há previsões de um tempo muito seco e ventoso. Já declarou falência por causa dos incêndios da última vez.”

Na Europa, obras filantrópicas como as de Bloomberg são vistas às vezes como o fracasso do Estado. O empresário defende que “a filantropia existe porque o Governo não faz seu trabalho. Você pode investir dinheiro em coisas de risco e, se funcionar, terá um modelo. Para que esse modelo ganhe escala, porém, deve-se passar da filantropia ao Governo, que é o que tem o poder fiscal.”

Bloomberg também defende os cortes fiscais de Trump porque acredita que “os impostos eram mais altos que em nenhum outro lugar”, embora critique a redução do imposto de renda. “Se você quer acabar com a desigualdade, conceitualmente, deve pegar dinheiro dos ricos e dar aos pobres. O que acontece é que nunca haverá um acordo sobre quem paga, nem [os que pagam] vão acreditar que os que recebem agradecem. Assim, o truque é encontrar um modo para que os ricos consigam esse dinheiro e demonstrar que estão trabalhando para isso”, explica. Depois dá uma resposta mais simples sobre as inequidades. “Se você não acabar com a desigualdade econômica, as consequências para a sociedade não serão boas, e as pessoas não estarão contentes. Já vimos o que aconteceu com Maria Antonieta.” O ex-prefeito continua sendo um verso sem rima.

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