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Dor de ossos e depressão: estas são as doenças mais comuns dos trabalhadores que emigram

Um estudo analisa as doenças de 7.260 pessoas que trabalham fora de seus países e conclui que muitas delas realizam as tarefas mais perigosas ou em piores condições

Sissoko, um malinês radicado na Espanha.
Sissoko, um malinês radicado na Espanha.Carlos Rosillo
Patricia Peiró

Sissoko, um malinês de 47 anos, trabalhou durante dois meses em uma obra como pintor, em 2015. Um dia, começou a se sentir mal, e seu chefe lhe disse que fosse para casa e voltasse quando estivesse melhor. Só que ele piorou e no dia seguinte foi a um pronto-socorro de Madri. Diagnóstico: “O paciente sofre um saturnismo [intoxicação por chumbo] grave”. Passou quase um mês internado.

Em meio a dezenas de laudos e documentos que Sissoko mostra para comprovar sua história se encontra a carta de um dos médicos: “É altamente provável que a natureza da intoxicação seja trabalhista, tendo sido comprovadas mediante inspeção as condições de trabalho do paciente e levando-se em conta que colegas dele também apresentam níveis elevados de chumbo no sangue”. Os inspetores inclusive foram à casa do paciente para assegurar que a intoxicação não provinha, por exemplo, de alguma panela. Três anos depois, Sissoko, que tinha passado a maior parte da vida trabalhando na agricultura, teve que ser operado das costas. Movimenta-se com dificuldade e já não pode mais trabalhar. Desde então, luta por uma indenização porque, segundo alega, a obra onde adoeceu não cumpria as condições mínimas de segurança. “Contribuí com a Previdência e agora estou ferrado”, resume.

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Um estudo recentemente publicado na revista médica The Lancet mostra que 47% dos trabalhadores imigrantes sofrem algum problema de saúde relacionado com o emprego, e 22% já tiveram um acidente de trabalho, porque normalmente realizam tarefas perigosas ou em condições precárias. Têm mais doenças que os cidadãos locais? “É difícil dizer. Acredito que haja suficientes evidências para mostrar que os migrantes têm piores resultados de saúde, mas ainda há muito poucos dados comparativos com relação aos locais”, diz Sally Hargreaves, pesquisadora do Imperial College de Londres que liderou o estudo.

Os pesquisadores mergulharam em 18 estudos para reunir dados relativos a 7.260 imigrantes em 13 países que são tradicionais importadores de mão de obra, incluindo Singapura, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Estados Unidos, Itália, Líbano, Taiwan, Tailândia, Coreia do Sul, Arábia Saudita e Hong Kong. Os países de origem se dividiam entre 25 nacionalidades, entre as quais Marrocos, Equador, Romênia, Colômbia, Filipinas, Etiópia e China. Os pesquisadores ressalvam que sua análise se centrou nos migrantes que viajam de nações em desenvolvimento para países ricos, excluindo, portanto, aqueles que se instalam em países com rendas semelhantes (sejam altas ou baixas) e também os migrantes internos. Os fluxos mais habituais são entre nações pobres.

Embora não seja o objeto principal desta análise, os pesquisadores notaram diferenças óbvias no atendimento sanitário dependendo do modelo econômico. “Uma coisa que estamos vendo na Europa, em países com sistemas de saúde financiados com impostos, é que estão se tornando cada vez mais restritivos e procuram dissuadir os migrantes de acessarem o sistema nacional de saúde, especialmente aqueles em situação irregular”, diz a pesquisadora-chefe. Sissoko regularizou sua situação na Espanha em 2006, quatro anos depois de chegar, e afirma nunca ter tido problemas com os médicos, mas sim para que reconheçam sua invalidez. “Tive muita sorte com [o médico] Íñigo, portou-se muito bem. O sobrenome não lembro, porque é muito esquisito”, brinca.

A investigação mostra que a maioria dos migrantes provenientes de países de renda média e baixa realizam sobretudo trabalhos braçais, com baixos salários e longas jornadas, e que uma grande parte deles não tem a documentação em regra. Entre as doenças mais comuns se encontram a dor nos ossos e articulações, problemas por exposição a substâncias químicas, depressão e estresse. “Identificamos uma quantidade significativa de doenças mentais, o que poderia ser o resultado de múltiplos fatores, como o isolamento, as más condições de vida e de trabalho, e estar longe de suas famílias”, observa Hargreaves.

A pesquisa aponta que a maioria de imigrantes provenientes de países de renda média e baixa realizam sobretudo trabalhos braçais, com baixos salários e longas jornadas, e que uma grande parte deles não têm documentação em regra

Há outro elemento que contribui para as más condições às quais esses empregados costumam ser submetidos: os patrões. Os pesquisadores falam em ameaças de deportação, abusos e maus tratos, discriminação racial, falta de seguro-saúde e, em geral, pouco respeito pelos direitos trabalhistas. “Os avanços de verdade só serão conseguidos quando seus direitos e acesso à saúde estiverem garantidos.”

A pesquisa publicada na The Lancet inclui os estudos realizados na Espanha pelo professor Andrés Alonso Agudelo sobre as condições da mão de obra imigrante. Em um deles, o especialista aponta que há “dificuldades para o reconhecimento dos danos à saúde derivados do trabalho pelas situações de irregularidade e precariedade, por resistência por parte dos contratantes ou das entidades seguradoras, e por desconhecimento dos imigrantes”. Segundo as conclusões, “os riscos trabalhistas para os imigrantes não diferem dos riscos para os nativos em circunstâncias similares, mas os primeiros sofreriam exposições mais frequentes e intensas pelo acesso majoritário a postos menos qualificados e pela necessidade de prolongar as jornadas de trabalho”. Uma síntese refletida, em um trabalho acadêmico, do que ocorreu com Sissoko, que continua esperando o reconhecimento oficial de que o chumbo entrou no seu sangue no seu local de trabalho.

Os quatro empregos mais habituais e suas doenças

Há 164 milhões de trabalhadores migrantes no mundo, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho. Os especialistas dividiram os empregados analisados nesta pesquisa em quatro tipos de tarefas: agricultura, construção, empregados domésticos e setor serviços, e trabalho em fábricas. Algumas das doenças mais habituais entre os destinados trabalhadores rurais são relativas aos ossos, a pele, além de sintomas de depressão. Esta condição também afeta as trabalhadoras domésticas e do setor serviços, além do estresse e do isolamento social. Os empregados na construção se queixam de dores nas articulações, e os operários das fábricas mostram problemas em músculos e ossos. Os dados mostram que esses trabalhadores sofrem mais acidente trabalhistas por causa do risco inerente às suas tarefas, mas não foram concludentes quanto à mortalidade.

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