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“Há uma oportunidade de mudar a UE por dentro. Vamos por esse caminho”

Marine Le Pen, líder da direita francesa, diz que não é conservadora e evita a antítese com a esquerda: “Chega disso de direita e esquerda. Isso já não existe”.

Marc Bassets
Marine Le Pen durante a entrevista realizada terça-feira em seu escritório.
Marine Le Pen durante a entrevista realizada terça-feira em seu escritório.Mathias Walter

Marine Le Pen volta à carga. Muitas coisas mudaram desde que sua derrota para Emmanuel Macron nas eleições presidenciais francesas de dois anos atrás a deixou seriamente enfraquecida e questionada. Le Pen se consolidou como opositora ao presidente Macron. Além de mudar o nome do partido que comanda − o nome de Frente Nacional estava muito associado à ultradireita mais rançosa; agora se chama Reagrupamento Nacional −, deixou de lado a ideia de um Frexit. Le Pen (Neuilly-sul-Seine, 1968) já não quer tirar a França do euro e da União Europeia, como propunha na campanha de 2017. Agora quer transformar a UE por dentro.

Para as eleições europeias de maio, Le Pen conta com uma constelação de aliados em potencial na direita de linha dura e na extrema direita de outros países, incluindo a Espanha, embora ela diga que os rótulos de esquerda e direita estão obsoletos.

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“Cada eleição mostra o crescimento dos movimentos que não aceitam o funcionamento atual da UE. Portanto, abriu-se para nós uma nova possibilidade de mudar essa organização a partir de dentro”, diz Le Pen em entrevista ao EL PAÍS e a correspondentes de vários jornais da aliança de imprensa europeia LENA.

A nova correlação de forças na Europa, explica, torna desnecessário, no momento, propor aos franceses um referendo como o britânico que, em 2016, decidiu o Brexit. “Já não é uma questão de tudo ou nada. Agora há outra possibilidade, outro caminho. Vamos segui-lo”, insiste.

Para chegar à sede do Reagrupamento Nacional (RN), na cidade de Nanterre, é preciso pegar o metrô, depois o trem metropolitano e, finalmente, caminhar dois quilômetros por um trajeto que passa pela avenida Vladimir Ilitch Lênin. Este é o velho cinturão operário e comunista de Paris.

A sede, em um bairro de casas modestas, é um edifício de escritórios. O afastamento do quartel-general do RN contrasta com o lugar central que ocupa na França. É inevitável não ver isso como uma metáfora para um partido que até recentemente estava fora dos limites do aceitável, e que agora pode se apresentar como um grande partido francês, com aliados que ocupam o poder em algumas capitais.

“A nação. As nações”. É assim que Le Pen resume seu programa europeu. “Não é a Europa que faz a paz, são as nações. São os impérios que criam as guerras. E hoje, através da União Europeia, estamos reconstituindo um império.”

A UE, segundo Le Pen, não só deixa suas nações desprotegidas, como também as devora. E, ao tentar atuar em benefício das nações, mas contra a vontade destas, “põe em movimento um sistema totalitário”, afirma. “Minha Europa é a das cooperações, a que funciona, a da Airbus e do Ariane”, diz, referindo-se aos projetos aeronáuticos e aeroespaciais europeus, promovidos por alguns países fora das instituições comuns.

Quando não fala de imigração, saltam à vista as coincidências do discurso de Le Pen com o da esquerda populista, liderada na França pelo ex-socialista Jean-Luc Mélenchon. Ela afirma que muitos de seus eleitores vêm da esquerda, embora exclua um pacto com Mélenchon − principalmente, diz ela, devido às diferenças em relação à imigração e ao islamismo. “Não sou conservadora”, alega, para diferenciar-se de sua sobrinha Marion Maréchal-Le Pen, favorita de Jean-Marie Le Pen, patriarca da ultradireita francesa, avô da Marion e pai de Marine. Marion poderia ser candidata às próximas presidenciais? “Daqui a três anos ela ainda será muito jovem”, responde Marine, que não esconde suas divergências com a sobrinha, mais identificada com a direita tradicional. “Ela está equivocada em sua ideia de populismo. Acredita que é a defesa das classes populares. Mas o populismo é a defesa de todo o povo.” Quando indagada sobre se, para chegar ao poder, espera receber votos da direita ou da esquerda, responde: “Chega disso de direita e esquerda. Isso já não existe”.

Em 2017, Marine Le Pen obteve mais de dez milhões de votos, e agora as pesquisas apontam um empate entre o RN e a candidatura macronista para as eleições europeias de 26 de maio. Ela se desvinculou nitidamente dos exageros de seu pai. Algumas de suas ideias já não soam extemporâneas na Europa de Matteo Salvini e Viktor Orbán. Mas ela continua sendo a inconfundível filha de Jean-Marie: na maneira de falar, no estilo. “Desculpe, mas você não está entendendo de propósito? Ou o quê?”, responde diante de uma pergunta incômoda.

A afinidade de um movimento que se declara soberano em relação a potências estrangeiras como a Rússia de Vladimir Putin e os Estados Unidos de Donald Trump pode parecer um paradoxo.

Le Pen marca distância de Steve Bannon, o estrategista da vitoriosa campanha de Trump em 2016, que tentou organizar o trumpismo europeu. “Não acredito que alguém imagine, nem por um segundo, que um americano possa ser o líder de um movimento europeu”, diz, atribuindo essa ideia a uma interpretação equivocada das palavras de Bannon.

Outra paradoxo. Le Pen justifica o Brexit, a saída do Reino Unido da UE, mas neste momento não quer que a França faça a mesma coisa. Indagada sobre se sair da UE foi uma boa decisão por parte dos britânicos, responde: “Vocês têm uma visão muito racional das coisas. Dizem: ‘Não entendo. Você está em uma cela, na prisão, por que quer sair? Você é alimentado, não paga contas, tem cobertores e até uma TV. Por que sair? Se sair, terá de trabalhar, talvez fique na rua cheia de perigos’. E ele responde: ‘Sim, mas quero ser livre’”.

Marine Le Pen e o candidato ao Parlamento Europeu Jordan Bardella na apresentação do programa do RN, no dia 15.
Marine Le Pen e o candidato ao Parlamento Europeu Jordan Bardella na apresentação do programa do RN, no dia 15.FREDERICK FLORIN (AFP)

Se ela mesma não está disposta a prometer aos franceses um referendo sobre o Frexit, é porque acredita que “há outra possibilidade, real e iminente”: a de mudar a UE por dentro, talvez destruí-la ou, em qualquer caso, deixá-la em um estado irreconhecível.

“Vox é um movimento totalmente inevitável”

Marine Le Pen tem um aliado na Espanha: Santiago Abascal, líder do Vox. Ela o vê como um aluno destacado que, em pouco tempo, passou de não ser nada a ser peça inevitável na configuração de futuras alianças europeias.

"Sentimos muita amizade pelo Vox, é claro. Nós os conhecemos há muito tempo. Nós os vimos surgir e crescer com força. É um movimento jovem que se tornou inevitável", diz a líder do Reagrupamento Nacional (RN) em entrevista ao EL PAÍS e a correspondentes do grupo de jornais europeus LENA.

Le Pen e Abascal não se conhecem pessoalmente, explica a política francesa. O interlocutor de Abascal em seu partido, acrescenta, é Louis Aliot, deputado do RN por Perpignan, bom conhecedor da política espanhola e catalã, e namorado de Le Pen.

Le Pen gostaria que, depois das eleições europeias de 26 de maio, Vox se unisse, em um mesmo grupo, a outros movimentos nacional-populistas e de extrema direita na União Europeia. "Espero que todos os movimentos que compartilham nossos princípios possam se somar a nós, evidentemente", diz.

Atualmente, os nacional-populistas estão divididos em pelo menos três grupos no Parlamento Europeu. Le Pen sonha em uni-los. E confia em Matteo Salvini, ministro italiano do Interior e líder da Liga, para unificar em escala europeia esse movimento soberanista, nacionalista, ultra ou eurocético: os rótulos são vários e nenhum os define completamente.

Conseguir essa união não é fácil. Alguns defendem os valores conservadores e a direita tradicional. Outros, como o próprio RN, consideram que a divisão entre esquerda e direita está superada e buscam um movimento transversal que agrupe "o povo" enfurecido contra as elites e a globalização. Não por acaso, o RN é o partido com maior apoio no movimento dos coletes amarelos e, segundo as pesquisas, é o único que pode capitalizar o descontentamento. Embora a rejeição à imigração continue ocupando um lugar central no programa do RN, o partido também prega o que chama de localismo, uma espécie de nacionalismo revestido de ambientalismo.

A mensagem social de Le Pen coincide pouco com o liberalismo thatcherista do Vox, e o nacionalismo espanhol deste partido está longe do que foi historicamente representado pela Liga de Salvini, um partido do norte da Itália que simpatizava com o movimento catalão de independência. Em janeiro, Jordan Bardella, número um da lista do RN para as eleições europeias, lembrou ao EL PAÍS que o Vox "é uma cisão do Partido Popular", não da direita francesa.

Há mais diferenças. Os poloneses de Jaroslaw Kaczynski são antirrussos; já Le Pen diz que “a UE não tem nenhum interesse em uma oposição frontal à Rússia”. Os alemães da ultradireitista Alternativa pela Alemanha são a favor do rigor orçamentário; Le Pen acredita que, na Europa de hoje, “a Alemanha impõe sua visão, e esta é desequilibrada”. Sem falar na redistribuição de imigrantes: nenhum nacionalista os quer, preferindo que o vizinho cuide deles, mesmo que o vizinho também seja nacionalista.

Uma internacional nacionalista é, por definição, contraditória.

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