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Le Pen pede “renovação profunda” da Frente Nacional após a derrota

Candidata da extrema direita não alcança os 40% que havia fixado como meta

Silvia Ayuso
Marine Le Pen discursa neste domingo, após sua derrota.
Marine Le Pen discursa neste domingo, após sua derrota.B. GUAY (AFP)

Marine Le Pen sabia que suas escassas possibilidades de se eleger presidenta da França se haviam dissipado desde a noite de quarta-feira, quando concluiu sua desastrosa atuação no debate presidencial. Sua segunda derrota, mais dura porque pode pôr em jogo sua liderança e estratégia política, confirmou-se neste domingo, ao saber que não obteve os 40% dos votos que ela havia fixado como meta. Uma autêntica decepção para quem já se via como a nova porta-bandeira da extrema-direita, do populismo e do protecionismo na Europa.

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Nada disso, porém, se refletiu no discurso – breve, de três minutos, ante um público também escasso, apenas uma centena de militantes – que pronunciou pouco depois de saírem os resultados preliminares, que lhe davam 34,5% dos votos. A líder da Frente Nacional reconheceu a derrota, mas festejou o resultado como “histórico e maciço” e se alçou como a líder da “principal força da oposição” ao Governo de Emmanuel Macron. Combativa, definiu o novo cenário político francês como uma ruptura entre “mundialistas e patriotas” e pediu uma “transformação profunda” da Frente Nacional para “estar à altura desta oportunidade histórica”, antes de se despedir entre aplausos apagados e gritos de “obrigada, Marine” dos poucos militantes que tinham ido acompanhar os resultados na sede do partido, em Paris.

Tendo em vista o forte impulso e vantagem com que começou a campanha, alcançar 40% dos votos era “a única coisa que separava o êxito da decepção” para a legenda de extrema direita, segundo Frédéric Dabi, diretor do instituto de pesquisas Ifop. No entanto, desde o fatídico cara a cara com Emmanuel Macron, os dirigentes da Frente Nacional reconheciam, mais ou menos abertamente, que essa meta era mais um desejo que uma certeza. Os rostos arriados dos quadros do partido reunidos neste domingo no Nouveau Chateau du Lac, o gracioso, mas pequeno – outro reconhecimento da iminente derrota? – salão de festas parisiense onde seguiram os resultados, eram incapazes de ocultar o desapontamento generalizado.

Resultados fortes, mas que deixam a desejar

À primeira vista, pode surpreender o pessimismo diante de dados que, de qualquer modo, se traduzem em milhões de votos para uma extrema direita que não faz muito tempo era considerada marginal e agora já se posiciona como uma das referências da oposição na direita. Marine Le Pen encerra esta campanha eleitoral com cifras – 7,6 milhões votaram nela no primeiro turno, mais de 11 milhões no segundo – que sobressaltaram a França, a Europa e até o restante do mundo, ainda pasmo com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e do Brexit.

Então, por que essa decepção? Talvez porque nunca antes a Frente Nacional havia contado com um terreno tão propício. A vitória de Trump e o avanço do populismo em toda a Europa, o Brexit, a profunda divisão da esquerda francesa e a ausência, pela primeira vez na V República, dos partidos tradicionais no segundo turno, compunham um cenário perfeito para o avanço decisivo da FN. Além disso, Le Pen teve o rival desejado: Emmanuel Macron, com seu europeísmo e defesa da globalização representa o polo oposto das receitas de protecionismo, patriotismo e antiglobalização defendidas por uma Le Pen que fez do medo sua principal arma de campanha.

Dúvidas sobre a estratégia e liderança de Marine Le Pen

Sua incapacidade de se impor com mais firmeza levanta dúvidas sobre a estratégia de ataque e, mais preocupante para Marine Le Pen, põe em questão sua estratégia de desdemonização, que buscava arrebanhar votos tanto na direita como na esquerda. “Toda a promessa de sua estratégia era que poderia ganhar, e não o fez”, resumia esta semana o especialista em sociologia eleitoral Joël Gombin. Talvez ciente disso, Le Pen tomou neste domingo a iniciativa e reivindicou uma transformação maior do partido que herdou há seis anos do pai, Jean-Marie Le Pen, e que desde então vem tentando renovar.

Ainda assim, para Sylvain Crépon, pesquisador da universidade de Tours, o perigo não é iminente para Le Pen filha, já que, atualmente, “não há ninguém na FN em condição de suplantá-la”. É certo que sua sobrinha Marion Maréchal-Le Pen, deputada, neta favorita do patriarca dos Le Pen e potencial rival de sua tia Marine, cresce em popularidade dentro de um setor da FN descontente com a mudança de imagem imposta por Marine Le Pen. Mas não há uma “estrutura interna ou debate” na legenda que permitam no curto prazo uma mudança na cúpula, afirmou. Outra coisa poderá ocorrer nos próximos anos e se a estratégia de abertura do partido que Marine Le Pen já ensaiou neste segundo turno – com a primeira aliança na história da FN, a que fez com o soberanista Nicolas Dupont-Aignan – continuar sem colher resultados em matéria de aumento das cadeiras e postos de governo, não só em votos.

As eleições legislativas de junho serão um novo teste para sua liderança. Mas, haja o que houver, há um limite na transformação da Frente Nacional, segundo continua advertindo há anos seu fundador, Le Pen pai: “Ninguém está interessado em uma Frente Nacional amável”.

UM RECORDE DE VOTOS INSUFICIENTE

No primeiro turno, Marine Le Pen conseguiu romper pela primeira vez a barreira dos 20% dos votos (chegou a 21,5%). Embora não tenha passado para o segundo turno na liderança, Le Pen não só elevou em mais de um milhão os votos obtidos em sua primeira tentativa de chegar à presidência, em 2012, mas também superou o recorde de sufrágios da FN obtido nas regionais de 2015: 6,8 milhões de votos. Com o resultado deste domingo, Le Pen filha também dobra o que seu pai conquistou na eleição de 2002 (17,7%). E ainda assim, não foi suficiente.

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