_
_
_
_

Emmanuel Macron vence as eleições presidenciais na França

Com 100% das urnas apuradas, centrista derrota a ultradireitista Marine Le Pen por 66,06% dos votos contra 33,94%

Marc Bassets
Emmanuel Macron, durante seu discurso de vitória neste domingo.
Emmanuel Macron, durante seu discurso de vitória neste domingo.Jeff J Mitchell (Getty Images)

E a França disse não. A vitória de Emmanuel Macron nas eleições presidenciais francesas, um ex-banqueiro europeísta e liberal, freia a onda de descontentamento populista que triunfou em novembro nas presidenciais dos Estados Unidos e, antes, no referendo sobre o Brexit no Reino Unido. Liderando um novo movimento, o Em Marcha!, Macron derrotou de modo esmagador Marine Le Pen, que está alinhada com o presidente norte-americano Donald Trump e o russo, Vladimir Putin. Macron, que aos 39 anos será o presidente mais jovem da V República, se conectou com o desejo de novos ares e renovação moderada de milhões de franceses e se beneficiou da ampla rejeição que suscita o partido de sua rival, a Frente Nacional. Depois do Brexit e de Trump, não haverá Le Pen.

Mais informações
AO VIVO | Segundo turno das eleições presidenciais na França
Emmanuel Macron, o homem com pressa
'Macron', por Mario Vargas Llosa
As duas Franças, uma rachadura global

Com 100% das urnas apuradas, Macron conseguiu 66,03% dos votos contra 33,94% de Le Pen. É a segunda vitória mais ampla na história da V República, só atrás da de Jacques Chirac contra Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, em 2002.

A história nunca se move em linha reta, nem servem os relatos que tudo abarcam, como demonstra a eleição francesa de 2017. No ano do populismo e nacionalismo, em sociedades em que o eleitor está cansado das elites, em um momento de ceticismo com o capitalismo de livre mercado e a ordem liberal internacional, de crise da integração europeia e de medo dos imigrantes e refugiados, a França adota outro caminho.

Se há alguns meses, no mundo convulsionado pela irrupção de Trump e a saída do Reino Unido da União Europeia, alguém tivesse previsto que os franceses elegeriam um presidente europeísta e liberal, defensor da globalização e partidário da abertura das fronteiras às pessoas e às mercadorias, teria passado por um desinformado, ou um ingênuo.

Se, além disso, esse candidato tivesse sido banqueiro de investimentos – somente nove anos depois da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, detonador da Grande Recessão – e ministro da Economia do presidente mais impopular da V República, qualquer consultor eleitoral o teria aconselhado a se esquecer imediatamente de aspirar à presidência.

Emmanuel Jean-Michel Frédéric Macron (Amiens, 1977), sem renunciar a nenhuma dessas ideias nem esconder sua biografia, desafiou todas as advertências e se tornará o oitavo presidente da V República. A cerimônia de transferência de poder pelo socialista François Hollande se dará nesta mesma semana, e nos próximos dias ele nomeará um primeiro-ministro. Ninguém esperava, poucos acreditavam nele quando há um ano lançou o Em Marcha!, quando ainda era um ministro independente de Hollande.

Uma mescla de sorte e audácia explicam seu êxito. Teve a sorte de ver os principais aspirantes à presidência caírem um a um nas eleições primárias (Nicolas Sarkozy e Manuel Valls), sob o peso dos escândalos (François Fillon) ou pela decisão de não se candidatar (François Hollande). E soube aproveitá-la ao ocupar o precioso centro político para apelar aos “dois de cada três franceses” dos quais falava Valéry Giscard D’Estaing em um livro de 1984: o espectro que vai da centro-esquerda à centro-direita, a massa crítica necessária para empreender as sempre adiadas reformas.

A audácia de Macron consistiu em entender que, no ano do descontentamento com o status quo, havia espaço para um homem como ele. Criado em e pelo status quo autóctone – o produto mais bem acabado da meritocracia francesa –, rompeu com o status quo. Por sua juventude, quase revolucionária para a classe política deste país. E por sua visão ao emancipar-se dos partidos tradicionais no momento em que estes estavam a ponto de implodir. O novo presidente soube captar o estado de espírito de uma parte da sociedade francesa, farta da velha política e das velhas estruturas e, ao mesmo tempo, esperançosa e otimista. É a França mais cosmopolita e educada, a da renda mais elevada e das metrópoles globalizadas, mas também da faixa atlântica, em parte rural, a que menos sofreu os embates do capitalismo transnacional.

Uma parte do voto em Macron é um voto de adesão; uma parte ainda maior é constituída por cidadãos de direita e esquerda que antes de tudo queriam deter a Frente Nacional de Le Pen. São eleitores emprestados, que não darão nada ao presidente nos próximos meses e que em alguns aspectos – a economia ou a Europa – se opõem às suas ideias.

O sistema de eleição em dois turnos é um diferencial crucial da França em relação a outros países submetidos ao embate populista. Na França, embora a opção extremista se classifique, como ocorreu no primeiro turno, em 23 de abril, no segundo turno se formam maiorias que impedem seu acesso ao poder. Esta é a maldição da FN e de Le Pen, que, apesar de seus avanços, continuam carregando o estigma da ultradireita de raiz racista, antissemita e colaboracionista. A derrota no momento mais doce para suas ideias – excepcionalmente, um candidato estava em sintonia com Moscou e Washington, e era o caso de Marine Le Pen – abrirá uma reflexão e poderá fazer sua liderança cambalear. Conta, porém, com o aval de milhões de eleitores e a aspiração de se tornar o principal partido de oposição. Além disso, a elevada abstenção, comparada com outras eleições, e um resultado que dobra o de seu pai, Jean-Marie, em 2002, são um sinal: a frente anti-Le Pen mostra sinais de debilidade.

O perigo para Macron é a forte contestação que encontrará à esquerda e à direita, os sempre eternos bloqueios com que se depara qualquer presidente reformista – e quase todos chegam prometendo, por fim, a reforma – poucos meses depois de se instalar no Palácio do Eliseu. Antes, deverá nomear o primeiro-ministro – as apostas incluem do veterano centrista François Bayrou a uma mulher procedente da sociedade civil – e obter uma maioria parlamentar nas eleições legislativas de junho.

A vitória de Macron significa, por ora, mais pelo que evita – a ascensão ao poder de um partido extremista que queria tirar a França da UE e do euro – que por suas propostas em si. O potencial simbólico do resultado – um homem jovem, ao qual já compararam ao canadense Justin Trudeau e que será comparado a John Kennedy no mundo dos Trump, Putin e Brexit – vai além dos detalhes do programa do Em Marcha!.

A França, apesar de seu decrescente peso internacional e suas inseguranças existenciais, tem em comum com os EUA sua vocação universal, a crença em que a “ideia francesa” – os ideais da Revolução, dos direitos humanos – transcende suas fronteiras. O general De Gaulle falava em 1945 desses “momentos da história em que no solo da França se decidia o destino da Europa e, através dela, até mesmo o do mundo”. A eleição de Emmanuel Macron é uma mensagem global.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_