Steve Bannon: “Bolsonaro e Salvini são os melhores representantes do movimento nacional-populista”
Em entrevista ao EL PAÍS, o ideólogo da extrema direita diz que o vice-primeiro-ministro italiano e o premiê húngaro Viktor Orbán são os políticos mais importantes da Europa atualmente
Steve Bannon (Norfolk, 1953), ex-assessor estratégico do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e um dos pais do novo populismo político, foi perguntado na quinta-feira passada, 21, na Biblioteca Angelica em Roma, se era o diabo. “Deixo as pessoas decidirem por si mesmas”, respondeu, devolvendo o poder ao povo, como dita seu cânone político. Muitos na capital italiana, onde se tornou um habitual suspeito dos salões conservadores, afirmam sentir o cheiro de enxofre quando ele sai da sala. Acontece nos círculos da esquerda, mas também no Vaticano, onde encorajou a corrente de oposição ao papa Francisco liderada por alguns cardeais como o norte-americano Raymond Burke.
A Itália é a plataforma a partir da qual Bannon, assessor também do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e do vice-primeiro-ministro da Itália, Matteo Salvini, está desenhando o quadro político para as próximas eleições europeias. Um plano em que o Vox, partido de extrema-direita espanhol fundado em 2013, com quem ele começou a se reunir em 2017 em Washington e que verá na Espanha nas próximas semanas, como ele mesmo explicou no sábado em seu apartamento em um hotel em Roma, tem reservado um papel fundamental.
Pergunta. Por que Roma lhe interessa tanto?
Resposta. Vim para as eleições gerais para acompanhar Salvini e a Liga e fiquei impressionado. Havia um tremendo entusiasmo dos jovens usando o Facebook Live e realizando campanhas muito sofisticadas. Os partidos tradicionais perderam força. Romperam o velho paradigma de esquerda-direita e depois das eleições vi Salvini e lhe fiz uma proposta. Sabia que ele queria levar a coalizão de centro-direita ao Governo com Silvio Berlusconi. Conversamos por cinco horas e eu disse a ele que, em vez disso, podia deixar de lado as diferenças e trabalhar com o M5S. Imagine, é como se Trump e Bernie Sanders tivessem feito um acordo assim. É revolucionário.
P. O senhor aconselhou Salvini a deixar o M5S e voar sozinho?
R. Isso quem tem de decidir são as pessoas. Mas o acordo com a China, por exemplo, já o distanciou. É um erro fundamental de Luigi Di Maio [vice-presidente da Itália e líder do M5S]. É um terreno escorregadio. A China pratica o capitalismo predatório. Posso imaginar por onde irão os tiros com esse acordo. Eles emprestam dinheiro que você não pode devolver e ficam com os bens.
P. Quanto o senhor fala com Salvini?
R. Não vou dizer com que frequência, mas falo várias vezes por semana com membros seniores da Liga. Recebi alguns deles nos Estados Unidos nos últimos meses. Tenho uma relação excepcional com Salvini, acho que ele e Viktor Orbán [primeiro-ministro da Hungria] são os dois políticos mais importantes da Europa hoje.
“Se não encontrarem nada contra Trump nos próximos seis meses, ele ganhará com uma margem maior do que em 2016”
P. Ele copiou muitas ideias de Trump.
R. Salvini é mais populista do que Trump... mas tudo é sobre soberania, sobre administrar seu próprio destino. É comum a Orbán, Bolsonaro, Salvini ou Trump. Também Le Pen [deputada francesa de extrema-direita], embora não tenha conseguido governar.
P. O M5S já não lhe interessa?
R. Bem, eles são mais de esquerda... Eu sou um cara de direita, mais conservador. Então tenho mais afinidade com a Liga. Mas apoiei muito que fizeram um acordo que será um paradigma político no futuro.
P. O senhor cobra por seus conselhos?
R. Não recebo um dólar de nenhum Governo ou de partidos. Não sou um consultor político.
“O resultado do Vox na Espanha gerará uma onda de expansão na Europa”
P. Sua renda não depende da política?
R. Não, nunca tomei um centavo.
R. Então por que faz isso?
R. Porque eu ganhei dinheiro suficiente em minha vida para poder me concentrar no que quero nos últimos dez anos. E é esse movimento populista, por isso lancei Breitbart Romee Breitbart London. A ideia era ter infraestrutura que apoiasse o Brexit, Nigel Farage, o M5S, a Liga... Também ajudei Bolsonaro e o recebi quando ele esteve em Washington.
P. O senhor trabalhou com ele desde o começo?
R. Sim. Veja, ele e Salvini estão muito próximos. Falam de lei e ordem em seus países. Ele está um pouco mais focado na economia. São pessoas dinâmicas. Mais do que Trump, ele e Salvini defendem a ideia de um Ocidente judaico-cristão. E é algo que também está próximo do Vox: família tradicional, estrutura da sociedade, guerra contra o marxismo cultural... Lembre-se que esse movimento é populista, nacionalista e tradicionalista. E Bolsonaro e Salvini são seus melhores representantes.
P. Como isso os ajuda? O senhor empresta tecnologia, sondagens...?
R. Não sou consultor político. Nunca pisei em um escritório de campanha. Quando Trump estava com 12% eu disse: ‘Se você voltar para as ideias básicas nacional-populistas com as quais começou e às quais renunciou, ganhará com certeza. Em 88 dias você ganhará’. Foi a mesma coisa que disse a Bolsonaro em julho de 2018, quando estava com 15%. Ele tinha uma mensagem tão poderosa que se continuasse a confiar nela, mesmo que a imprensa dissesse que era o diabo, ele venceria.
P. Só isso?
“A Igreja Católica norte-americana estará liquidada em 10 anos”
R. Veja, duas das operações mais sofisticadas na política hoje são a dele e a de Salvini. Bolsonaro ganhou com uma a campanha que custou 750.000 dólares (cerca de 2,9 milhões de reais). E Salvini com quatro ou cinco milhões de euros e muito Facebook Live. Esses caras têm a capacidade de transformar a política em um estilo de vida aspiracional.
P. As pessoas que o senhor assessora aspiram a dar o bote em eleições europeias cruciais.
R. São as eleições mais importantes da história da UE. Elas definirão o caminho em uma direção ou em outra. Quanto mais participação houver, maior será a vitória do movimento populista. Algum tempo atrás nos davam 20%, mas está subido.
P. Qual será o quadro depois das eleições?
R. O plano franco-alemão é criar os Estados Unidos da Europa. A Espanha será a Carolina do Sul; a Itália, a Carolina do Norte. Querem transformar as nações em unidades administrativas, despojando-as de sua essência. Macron quer mais integração comercial, de mercados, de imigração, um exército... Sua narrativa é “nós ou o caos”. Mas a alternativa é uma Europa de nações, em que cada país administrará seus problemas e dará as soluções adequadas. As decisões serão tomadas pelas pessoas na Espanha e não por um bando de tecnocratas em Bruxelas.
P. Um quadro perfeito para a hegemonia dos Estados Unidos.
R. Por favor... Vocês vivem em La La Land. Os EUA querem uma Europa forte. Não somos um poder imperial, mas revolucionário. Não queremos protetorados, mas aliados.
P. No caso da Rússia também?
R. A Rússia é uma cleptocracia gerida pela KGB e pelos oligarcas. Eles têm muitas armas, sim. Mas sua economia é do tamanho do Estado de Nova York. O inimigo está em outro lugar.
P. O que é o The Movement, a plataforma registrada em Bruxelas com Mischaël Modrikamen, advogado e membro minoritário do Partido Popular belga?
R. Apenas um motor de evangelização. Nós fazemos conferências, jantares. Nesta semana há 8 partidos diferentes da Europa voando para Roma para fazer reuniões comigo. Haverá encontros, falaremos sobre estratégia e eu lhes darei todos os conselhos que puder. Então começarei minha viagem à Espanha, passarei uma semana nos EUA e voltarei para cá durante quatro semanas para viajar a diferentes países. Temos a ideia de fazer mais reuniões e sondagens, mas em alguns países não se pode fazer, a menos que te paguem.
P. O senhor acha que Salvini deveria ser o líder do movimento nacional-populista na Europa?
R. Quem sabe, há dois anos era desconhecido. Mas sim, ele e Orbán são os dois líderes lógicos.
“Ocasio-Cortez? Adoro. Tem o que é preciso ter para ganhar”
P. Qual é o objetivo?
R. Um terço do Parlamento já seria incrível. 60 dias são uma eternidade em política, tudo pode acontecer. E agora as pesquisas dizem que a Liga será o partido com mais apoio. Entende como a vida vai mudar com o Parlamento Europeu com Orbán, Salvini e Le Pen liderando os maiores partidos?
P. Quando o senhor entrou em contato com o Vox?
R. Eles vieram me ver há dois anos, no verão de 2017, eu ainda estava na Casa Branca. Veio uma pessoa que trabalhava para eles, não posso dar o nome, acompanhada por dois membros de sua equipe. Convidei-os para jantar em minha casa, na embaixada Breitbart em Capitol Hill. Naquela época, eles eram menos do que zero. Mas entenderam a lógica.
P. Como o senhor pensa ajudá-los?
R. Falarei com seus líderes, tentarei motivá-los, que pensem que o que fazem é a coisa mais importante. As eleições estão nas mãos deles. É o que fazia com Trump todos os dias. O Vox pode alcançar um resultado incrível na Espanha.
P. O senhor tem algum dado?
R. Não. Nada interno, apenas o que leio. Mas vejo que eles podem chegar a 15% e isso geraria uma onda de expansão na Europa. Um partido que começa do nada!
P. O Vox não é a Liga. É um partido sem experiência, mais baseado na oportunidade. Não tem uma classe dirigente.
R. Como o M5S. Veja, a prefeita de Roma não nem sequer é advogada. O que eu gosto neles é que são políticos cidadãos, como o Vox. Eu não concordo com Alexandria Ocasio-Cortez, mas hoje ela é a rockstar número um da política norte-americana. Agora ela é tão forte quanto Nancy Pelosi, mas há apenas um ano ela era garçonete e fechava o turno da noite. Hoje ela come na mesma mesa que Trump e Pelosi. E estamos falando da nação mais poderosa do mundo. Então todas as apostas estão abertas e com o Vox pode acontecer o mesmo. A política moderna misturada com as redes sociais e com uma mensagem adequada te proporciona isso.
P. Então o senhor gosta de Ocasio-Cortez?
R. Eu adoro! Ela tem o que é preciso ter para ganhar. Determinação, coragem, tenacidade... É verdade que não sabe muito e o que sabe é completamente equivocado, especialmente em economia. Mas tem algo que não se treina. E se o Vox conseguir algo assim, acredite, oestablishment ficará em estado de choque. Não acredito que seja necessário ir às universidades adequadas. Já experimentamos isso. O mundo muda, pense em Trump, é um cara de reality show! [Hillary] Clinton queria ser presidenta desde que tinha 6 anos. Frequentou todas as boas escolas, obteve seu diploma de Direito... e o povo a rejeitou. É por isso que a velha esquerda está em colapso. Eu queria que Cortez estivesse do nosso lado. Eu disse isso outro dia em uma reunião dos republicanos: precisamos de mais garçons e menos advogados.
“Trump se libertará das correntes e transformará o ‘Relatório Muller’ em uma arma”
P. O senhor acredita que Trump terminará seu mandato?
R. Sim. Pelo que ouvi, e fui chamado para prestar depoimento durante 13 horas, os documentos foram entregues ao promotor especial Robert S. Mueller. Se não tiverem detalhes sobre a obstrução à justiça, Trump inverterá a situação e usará o Relatório Muellerpara atacá-los. Ele se libertará das correntes, transformará esse relatório em uma arma. Agora vamos vê-lo ir para a guerra. [a entrevista foi realizada algumas horas antes da divulgação da decisão do promotor].
P. Qual seria a candidatura mais perigosa para ele?
R. Ninguém estará perto de derrotá-lo. Mas poderiam tentar uma combinação de Kamalla Harris e Beto O’Rourke como vice-presidente. Uma mistura da Califórnia e Texas. Sua estratégia será se concentrar no Arizona, na Geórgia, na Carolina do Norte e na Flórida. Trump já bloqueou o meio oeste. Mas eu insisto, se não encontrarem nada nas investigações nos próximos seis meses, ele ganhará com uma margem maior do que o fez em 2016. Isso vai deixá-los loucos. Apostaram tanto no Relatório Mueller... e Trump ofendido é perigoso. A coisa ficará feia.
P. O senhor não acha que essa visão da política empobrece e simplifica demais o sistema?
R. É exatamente o contrário. Temos uma visão muito hipócrita sobre o assunto, é uma besteira. Eu servi na Marinha, estive no Pentágono, fui a Harvard, trabalhei no Goldman Sachs, tive minha própria empresa com sócios no Japão... Estive em todos os conselhos de administração e na Sala de Guerra do Pentágono. E acredite em mim, se você me deixar escolher que me governe uma das primeiras 100 pessoas que aparecerem em um comício do Vox na Espanha ou um dos 100 políticos de mais alto nível, eu fico com os primeiros. Você terá um país administrado de forma mais correta, eficiente e por pessoas que entendem a natureza humana. Esses são os famosos deploráveis de Trump.
P. Pelo que o senhor diz, que tipo de partido acredita que o Vox é?
R. Um partido nacional- populista. Não são profissionais, mas têm orgulho disso. Estão próximos de Bolsonaro e de Salvini. Os detalhes mudam em cada país, mas a filosofia é a mesma: levar a tomada de decisões para perto das pessoas, soberania, segurança e economia. A vitória do Vox é que já levou seu discurso ao resto da direita: partidos como Cidadãos e PP já falam como eles. Isso é o que chamo de colocar o produto. Agora os outros terão de convencer as pessoas de que não são apenas cópias. A chave é acreditar nisso para poder cumprir o que se diz.
P. Muitos dos postulados dessa nova política têm ares totalitários.
R. Por favor! As pessoas dizem “o fim da democracia”. Isso acontece porque os partidos tediosos do centro já não podem ganhar. A crise democrática é que deixaram de vencer os de sempre. Nos EUA, 130 milhões de pessoas votaram nas eleições do meio do mandato! Estamos divididos, então é fantástico. Isso é a democracia.
P. Como o senhor lutaria contra o populismo?
R. A única maneira é tendo um plano de segurança e economia que você possa implementar e cumprir. Mas os partidos de centro só dizem “somos os especialistas, vocês são os idiotas”. Nada muda, mas eles pedem para você continuar votando neles. Estamos assistindo a uma revolução global das pessoas comuns. Na Polônia, no Brasil, na Espanha, na Itália... e também no Japão.
P. Todas essas receitas não funcionariam em um cenário sem crise econômica, sem problemas de imigração...
R. A crise traz o populismo, definitivamente, porque as elites não têm soluções. Mas então você tem de cumprir, como Trump. Falei sobre isso com ele na campanha, se não, não serve para nada. Ele está fazendo isso. Eu sou um homem do mercado, e quando você chega ao poder tem de cumprir. Veja [Paulo] Guedes, ministro da Economia do Brasil. Não concordo com ele em muitas coisas, é um neoliberal da escola de Chicago. Eu sou um nacionalista... Mas ele tem um plano e martela isso todos os dias. A Bolsa sobre, há entusiasmo.
P. Seu interesse por Roma também inclui o Vaticano. Deixe-me perguntar sobre a crise...
R. Serei brutalmente franco: a cúpula sobre pedofilia foi um fracasso. A Igreja Católica tem uma crise existencial. Mas os EUA representam 70% do seu cash flow. Aqui eles não entendem que a Igreja norte-americana estará liquidada financeiramente em dez anos. Essa crise é enorme e terá muitas implicações. Desde que a cúpula foi realizada, o Estado da Virginia Ocidental foi acusado de encobrir pedófilos e colocá-los nas escolas. No Estado de Nova York estão abrindo casos. Também aconteceu na Pensilvânia com o Grande Júri. Começarão a confiscar hospitais e escolas para pagar indenizações e obrigações. Foi asqueroso ver que na cúpula não se falou de tolerância zero. Transparência? Isso é uma crise e deve ser tratada como tal. Se não, perderemos a Igreja.
P. O que acha do acordo com a China?
R. É atroz. Assinaram um acordo com o Estado mais totalitário do mundo e completamente ateu. Existem 20 milhões de santos fiéis que foram deixados abandonados. Um acordo secreto? A única coisa que dizem é que eles escolherão os bispos. Tudo isso terminará com o restabelecimento das relações diplomáticas. É disso que se trata. E venderão a Taiwan e a todos os seus cristãos.
P. O senhor é próximo do cardeal Raymond Burke, um oponente declarado ao papa Francisco.
R. Conheço esses rapazes e sei que estão decepcionados com o papa Francisco, que continua dizendo que o maior problema do mundo é o nacionalismo e o populismo. Não os pedófilos homossexuais ou o partido comunista. Em política internacional ele não é infalível e o que está fazendo é horrível.
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