Só sete jovens negros no Olimpo da educação pública de Nova York
O célebre colégio Stuyvesant se torna também o epicentro da segregação: apenas 7 dos 895 novos alunos para o próximo ano letivo são afro-americanos, enquanto três quartos são asiáticos
A Stuyvesant High School é a grande joia do sistema educacional nova-iorquino, o colégio público aonde famílias com filhos brilhantes, mas sem recursos, aspiram a levar seus filhos. Com fama de ser um universo ultracompetitivo, abre as portas a universidades de elite como Columbia, Harvard, Yale, MIT e Princeton. Mas a escola se tornou também um marco zero de segregação: só sete dos 895 novos alunos admitidos para o ano letivo de 2019-2020 são negros. Por outro lado, os asiáticos compõem quase 75% dos estudantes. No epicentro desse desequilíbrio está o exigente exame de acesso: meritocracia e raça se chocam neste debate.
Essa escola de ensino médio, que ocupa um edifício de 10 andares no bairro de Tribeca, à beira do rio Hudson, é há mais de um século um símbolo de excelência no mundo educacional. Trata-se de uma versão em miniatura de uma universidade, inclusive pelo nível dos professores – um para cada 22 alunos. Tem 3.300 estudantes matriculados, e uma taxa de conclusão de 98%. Oferece 200 atividades extracurriculares e mantém mais de 40 equipes esportivas. Mas para a grande maioria é um sonho impossível: para entrar nesse colégio público é preciso ter nota alta em um único exame, aberto a todos os moradores da cidade – a maior dos EUA –, que mede o domínio do candidato em matemática e inglês.
Neste ano, 27.500 alunos se candidataram. Mas, como em anos anteriores, o resultado mostra a dificuldade em promover a diversidade, apesar dos esforços do prefeito Bill de Blasio. A disparidade é abissal no Stuyvesant: praticamente todos os que não são asiáticos são brancos, e, embora os 33 hispânicos de 2019 sejam mais numerosos que os 27 de um ano atrás, os negros serão três a menos, segundo os dados obtidos na semana passada pelo The New York Times.
Kay Hymowitz, especialista do Manhattan Institute em questões de pobreza e família, levou seu filho lá. Recorda, tempos depois, como foi duro o processo de admissão: “Exige muita dedicação”, diz. Foi a mesma experiência de Jonathan Fishner, que se formou em 2001: aos sábados pela manhã, ia a um hotel no centro de Manhattan para ter aulas de matemática numa sala cheia de outros garotos. “É muito intenso”, rememora. Conseguiu passar raspando. Se tivesse se enganado em uma pergunta, ficaria fora.
O Stuyvesant não é só o melhor colégio público do ensino médio no Estado de Nova York. Também está entre os 10 melhores nos Estados Unidos na categoria STEM, que tem como foco ciências, tecnologia, engenharia e matemática, e está entre as instituições preparatórias para acessar as grandes universidades. É administrada por um hispânico, Eric Contreras: “Aqui é uma animada comunidade de aprendizes”, afirma o diretor, “que participam diariamente em clubes, programas de pesquisa e fóruns de debate”.
Quatro prêmios Nobel
O processo para entrar no Stuyvesant começa desde a creche. Hymowitz o atribui ao desespero por obter vaga nas universidades mais seletas. “A pergunta é se não está se indo muito longe”, comenta. “Quando você já está dentro, a pressão, a atenção e o estresse podem ser excessivos”. Esta devoção pela alta hierarquia universitária, observa, não se dá em outras partes.
Quatro de seus ex-alunos foram reconhecidos com o Nobel: Joshua Lederberg (Medicina), Roald Hoffman (Química), Robert Fogel (Economia) e Richard Axel (Medicina). O objetivo, acrescenta Contreras, é “inculcar os valores intelectuais, morais e humanísticos para que cada jovem alcance seu máximo potencial”.
Nova York tem oito colégios especializados como o Stuyvesant High School, de um total de 60 instituições de ensino médio onde a matrícula é gratuita e depende de um vestibular. Os outros mais demandados são o Bronx Science e o Brooklyn Tech. Soma-se ao grupo o LaGuardia, onde o aluno ainda precisa, além do mais, passar por uma audição para avaliar seu talento em música, dança ou interpretação.
Críticas ao sistema
Ao entrar na conta da escola nas redes sociais, chama a atenção a composição étnica das fotos em que aparecem grupos de alunos. Algo similar acontece quando se analisa a lista dos ex-alunos mais ilustres. O primeiro afro-americano que aparece é o economista Thomas Sowell. É preciso baixar bastante até encontrar Eric Holder, o primeiro negro a ocupar o cargo de secretário de Justiça dos EUA.
A deputada Alexandria Ocasio-Cortez usou o Twitter para pôr o dedo na ferida, observando que “68% de todos os alunos de escolas públicas são negros ou latinos”, e que por isso a informação sobre a Stuyvesant mostra como o modelo “é injusto”. É o que opina o aluno William Hier, que entrou num ano com apenas 10 calouros negros. “É um problema sistêmico”, diz.
68% of all NYC public school students are Black or Latino.
— Alexandria Ocasio-Cortez (@AOC) March 19, 2019
To only have 7 Black students accepted into Stuyvesant (a *public* high school) tells us that this is a system failure.
Education inequity is a major factor in the racial wealth gap. This is what injustice looks like. https://t.co/89NKvXk4vg
“Tudo se move em torno de um único exame”, afirma. Considera que as coisas vão piorar com as reformas prometidas. Lennox Thomas, do movimento Teens Take Charge, acrescenta que não se pode permitir “que um sistema injusto defina a inteligência ou potencial” dos estudantes de raça negra. Por isso, defende que sejam destinados mais recursos aos colégios para preparar meninas e meninos talentosos.
O responsável pelo ensino público de Nova York, Richard Carranza, também critica, com base nesses resultados, que o exame seja a única referência para entrar nesses colégios especializados, porque isso “perpetua um status quo inaceitável”. O diretor da Stuyvesant também é favorável à criação de um processo seletivo misto, para evitar que tudo seja concentrado numa única prova.
Educação primária
Mas, se o plano do prefeito Blasio for aplicado em sua formulação atual, diminuiria a proporção de asiáticos que frequentam os centros especializados. Soo Kim, graduado no Stuyvesant e presidente de sua associação de ex-alunos, acredita que o debate sobre a segregação faz os membros da sua comunidade se sentirem “más pessoas”.
O problema é complexo. O consultor educacional David Bloomfield considera que “a desigualdade não se resolve com medidas pela metade”. A origem do problema, para ele, está no ensino fundamental, onde as crianças não brancas apresentam um rendimento inferior. O Admision Squad, uma instituição que prepara alunos de minorias para a prova de acesso, opina que é preciso reforçar com programas específicos a educação nos bairros carentes.
Já Mona Davids, fundadora do Sindicato de Pais da Cidade de Nova York, atribui esses resultados à falta de um ensino adequado nos bairros mais pobres da cidade. “Enquanto a qualidade da educação não melhorar”, afirma, “nada vai mudar”. “Não se pode pretender que tudo seja culpa de um exame”, completa Hymowitz, “é um erro ignorar que o problema está nas escolas dessas minorias”.
"Os asiáticos são os que melhor rendem"
Stephan Thernstrom, conhecido por seus estudos em grupos étnicos em Harvard, vai além. Rejeita que neste debate os alunos sejam classificados por raça e não pelos méritos de cada indivíduo. A Stuyvesant, afirma, não é lugar para um aluno médio. E considera, portanto, contraproducente querer inserir nos colégios especializados jovens que não rendem no mesmo nível, com o argumento da etnia.
“A realidade é que são os alunos asiáticos que rendem melhor academicamente; o que ocorre é que são muito motivados”, argumenta. Impor uma ação que favoreça a negros ou hispânicos provocará, alerta, uma nova discriminação. “É uma escolha crucial”, opina, “porque se corre o risco de que o sistema se torne ainda mais segregado se provocar que a educação de elite esteja ao alcance apenas dos muito ricos”.
De fato, não se questiona que os colégios especializados permitem que famílias sem recursos tenham acesso a um ensino gratuito equivalente ao particular. “Muitos destes jovens asiáticos são de famílias bastante pobres”, observa Hymowitz, “mas muito preocupadas com a educação”. “A diversidade deve ser obtida sem criar uma desvantagem para o mérito. Se não, perderemos gente talentosa.”
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