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Em busca da virilidade reinventada

Três figuras masculinas foram decisivas para o desfecho do caso Elaine Caparroz, o que mostra o ganho que as redes de apoio às mulheres vítimas de violência têm ao incluírem os homens

Elaine ao lado do filho, Rayron Gracie, no hospital.
Elaine ao lado do filho, Rayron Gracie, no hospital.Reprodução/ Instagram

Os motivos que levam ao feminicídio no Brasil são os mais banais e medievais. Mulheres morrem por deixar queimar o feijão, estar fora de casa quando o marido chega, usar uma roupa curta e, principalmente, por querer a separação. Morrem muitas também por serem independentes e manifestarem desejos. O matador é o homem que ainda não percebeu o quanto o feminismo mudou as mulheres e não viu a urgência de desmontar o modelo e os valores que norteiam a sua virilidade.

As figuras masculinas mais próximas de Elaine Caparroz, agredida por quatro horas na madrugada de 16 de fevereiro, parecem pender para o lado da mudança. Eles não hesitaram em apoiá-la, defendê-la e denunciar a tentativa de feminicídio que a vitimou. A começar pelo filho Rayron Gracie, 17 anos, que vive em Nova York e treinava jiu-jítsu na Europa quando tudo aconteceu. Ele foi só carinho. Abriu a porta do quarto do Hospital Casa de Portugal, aconchegando-se nos braços da mãe. Os dois choraram muito, depois cantarolaram uma música, como faziam na infância dele. O lutador é um garoto de 1,90m, pesa 100 quilos e calça 45, mas conseguiu permissão para passar a noite no leito, grudado nela. Quis saber onde doía e como vinha se cuidando. Elaine respondia com a voz pastosa, porque a língua ainda tentava desviar-se dos coágulos e dos 60 pontos da costura que recolocou no lugar os lábios que seu agressor deixou pendurados. Os médicos acharam que, a partir do reencontro, a paisagista passou a reagir mais prontamente, restabeleceu o humor e melhorou o quadro clínico.

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Sem julgamentos

O filho se comunica com a mãe por chamada de vídeo diariamente. Na noite de 16 de fevereiro, ligou no momento em que ela recebia Vinicius Serra no apartamento, pouco antes da selvageria. “Rayron mostrou-se triste em me ver no hospital daquele jeito, mas não perguntou detalhes, não quis saber que tipo de relacionamento podia ser aquele, nem me condenou”, afirma Elaine. Desde cedo, viu a mãe trabalhar e ganhar autonomia. “Conversamos antes de Rayron estar com a mãe, e ele demonstrou entender que agir de forma rude e dar o troco nunca fazem sentido”, diz Rogério Caparroz, 45 anos, seu tio, irmão caçula de Elaine.

O jovem lutador não quis falar com a imprensa. Porém, em uma entrevista concedida em 2017 à revista Tatame, comentou que perder o pai aos 6 anos levou-o a amadurecer mais rapidamente. Citou a saudade, a falta que sente dos carinhos do pai, Ryan, e afirmou: “Aprendi com aquela dor. Tenho certeza que posso superar qualquer coisa”.

O irmão Rogério também desempenhou papel importante. Saiu correndo de São Bernardo do Campo (SP), onde vive e trabalha na indústria automobilística, e chegou ao Rio de Janeiro nas primeiras horas após o ocorrido. “Eu me dividi entre dar assistência à minha irmã e reunir provas que pudessem segurar o agressor preso, sem a possibilidade de fiança, de sair livre da audiência de custódia, por exemplo”. Para isso, contou com a ajuda do empresário Carlos Eduardo Martins, 56 anos, marido de Lidiane de Paula, 40, amiga de Elaine. Carlos fez muitas fotos e vídeos do corpo dilacerado da paisagista e colocou em suas redes sociais com texto contundente sobre aquela truculência. Em poucas horas, o conteúdo chocante viralizou, atraindo a imprensa e garantindo muito espaço nos noticiários. Em outra linha, ele e Rogério abasteceram de informações e imagens o delegado da 16ª Delegacia, Rodrigo Freitas de Oliveira, que respondia pelo plantão daquele fim de semana. Desta vez, enviaram também registros do interior do apartamento revirado e cheio de sangue e também uma imagem da planilha de controle de visitantes, onde Vinicius fez o porteiro escrever “Felipe”, o seu nome falso.

Cidadania e empatia

Elaine está hospedada na casa de Lidiane e Carlos, e ele tem postado mensagens de combate à violência doméstica, tomado contato com outras histórias de vítimas. “Com tudo isso, estou aprendendo a ser mais cidadão”, admite. Já o irmão de Elaine ficou conhecido como o porta-voz da família. Dava entrevistas claras, defendendo o direito de uma mulher “ser quem ela quiser”. Para ele, “o Código Penal descreve condutas criminosas de quem agride e mata. Mas convidar uma pessoa para ir a sua casa, não está tipificada como crime. Não é errado ser livre”. Rogério demonstra estar alinhado aos que acreditam que a masculinidade deve ser revisada. “O homem precisa acordar para isto: a mulher pode ter uma vida diferente daquela que ele considera certa.”

Em uma nota redigida aos repórteres que o cercavam na porta do hospital em busca de notícias, Rogério disse: “Agradecemos de coração a cobertura e a atenção que todos vocês têm dado, pois isso reforça a conscientização sobre esta barbárie”. Em casa, ele tem ensinado para os filhos que o amor consanguíneo deve ser desenvolvido e acalentado. “É esse amor que permite a empatia. Ela me leva a entender o que devem estar enfrentando os pais de Vinicius. O casal tem agora um problemão”, explica. “Quero que o agressor seja punido conforme a lei. Mas não desejo a sua morte. Mesmo o homem que comete uma atrocidade, como Vinicius, tem em volta de si familiares que o amam. A sociedade só vai piorar se desejarmos mal a ele.” Mas pode evoluir muito se as redes de apoio às mulheres vítimas de violência incluírem as figuras masculinas.

(Esta reportagem foi realizada por Patricia Zaidan com apoio de um grupo de fundadoras do Instituto Patrícia Galvão)

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