O surto moral de um advogado agressor que ninguém quer defender
Vinícius Serra, que tentou matar Elaine Caparroz, teve um comportamento monstruoso e não mostrou arrependimento: “Quando isso acabar, saio do país”, teria dito quando foi preso
Tudo o que a mídia publicou sobre o lutador de artes marciais, Vinicius Batista Serra, que espancou por quatro horas a paisagista Elaine Caparroz, de 55 anos, depõe contra ele. Um bad boy na descrição de frequentadores e treinadores de academias, colegas do curso de direito e donos de bares do seu bairro. Um monstro sanguinário traçado a partir dos relatos das dez pessoas ouvidas na 16ª Delegacia na Barra da Tijuca, entre testemunhas e vítima. O EL PAÍS foi ao endereço do advogado, de 27 anos, para ouvir sua família, que mora no quinto andar de um prédio de classe média alta, em uma rua tranquila do carioca Leme, a uma quadra da praia, na altura do Posto 1. É preciso analisar o seu perfil.
Ninguém disse algo em defesa do faixa-marrom de jiu-jítsu ou apontou um traço mais ameno de sua personalidade. Certamente ele o tem. O que levou este rapaz nascido em Cuiabá a tornar-se um ser tão violento? Em que origens seu comportamento se alicerça? Ao aceitar a denúncia contra ele e decidir pela manutenção da prisão, o titular da 3ª Vara Criminal, juiz Alexandre Abrahão Teixeira, considerou, entre outras coisas, “que Vinicius é dado à prática reiterada de atos violentos contra pessoas frágeis”. Em 2016, bateu no irmão deficiente, movido pelo sumiço de 1.200 reais, achados logo em seguida. No meio daquela confusão, o pai entrou para poupar o mais fraco, acabou apanhando também, e levou o caso à polícia. Mas não seguiu com um processo.
O silêncio da família
Na quinta-feira, véspera de Carnaval, quase duas semanas depois da tentativa de feminicídio contra Elaine, o solícito porteiro do prédio de Vinicius interfonou para o apartamento da família, desligou e disse: “Não atendem. Lá não tem ninguém. Nem a empregada passou hoje pela portaria”. A repórter deixou seu número de celular em uma carta para Gianna Lina Serra Luna e Zacarias Batista de Lima, pais de Vinicius. Pediu uma entrevista, perguntou se não queriam falar sobre o filho, defendê-lo. Nos dias que se sucederam, não enviaram nenhuma resposta.
O casal ainda não havia providenciado um advogado para Vinicius. Na delegacia, enquanto ele permanecia detido após o flagrante, apenas Gianna compareceu. Recusou-se a depor. Estava ali para ver o filho, a quem levou iogurtes e outras guloseimas. Vinicius —que já teria sido aprovado no exame da OAB, mas corre o risco de não receber a carteira de advogado, porque a Ordem está analisando seu caso— igualmente esquivou-se. Disse apenas à autoridade policial que falará em juízo. “Porém ao pessoal da delegacia soltou informalmente uma frase que reflete seu desprezo”, comentou a delegada titular da 16ª, Adriana Belém. “Vinicius disse aos agentes da DP: ‘Quando isso acabar, saio do país e fica tudo certo’”, recordou a delegada. Segundo ela, que pesquisou a base de dados da Polícia Civil para investigar Vinicius, ele agrediu a própria mãe. “Contou isso aqui numa conversa. Mas não encontrei indícios desse fato. A mãe não registrou a ocorrência”, afirmou. Adriana, começou a profissão como carcereira e está há 29 anos na polícia. “Nunca vi tanta frieza. Vinicius é um homem dissimulado e em momento algum demonstrou nervosismo ou arrependimento.” Ela concluiu que o lutador sentia prazer com a dor da vítima. “Esperava que Elaine recobrasse os sentidos para voltar a bater. Ela desmaiava de novo, ele parava.”
O surto moral
Vinicius responderá por tentativa de homicídio triplamente qualificado (meio cruel, mediante dissimulação e contra mulher por razões da condição de sexo feminino. Ou seja, por tentativa de feminicídio). Ele nunca havia sofrido uma condenação, mas pisou em DPs para queixar-se de violências sofridas. Em março de 2018, foi à delegacia de Botafogo e registrou uma luta corporal com um grupo, numa loja de conveniência, depois de um homem ofendê-lo com as palavras “Seu merda, seu viado”. Vinicius teria ido para o Hospital Copa D’Or depois de enfrentar dez caras de uma vez. Comemorando o Réveillon de 2016, em meio a uma paquera, alegou ter sido atacado, sem razão, em uma boate do Leblon. Voaram socos e pontapés para todos os lados; e ele amanheceu na 15ª Delegacia, na Gávea.
O que reiterou algumas vezes na portaria do prédio de Elaine, após o massacre, e na delegacia —sempre informalmente— é que sofreu um surto psicótico no último 16 de fevereiro. Mas uma insinuada patologia está descartada em laudo feito no Hospital Penal Psiquiátrico Roberto Medeiros. A versão já havia sido contestada por Bianor Filho, advogado de Elaine: “Não acredito em surto. Quem surta não troca de nome. Não tenta se evadir do local da agressão. Quem surta não diz que só fala em juízo. Não deleta a conta no Instagram. Só se ele teve, naquela noite, um enorme surto moral”.
(Esta reportagem foi realizada por Patricia Zaidan com apoio de um grupo de fundadoras do Instituto Patrícia Galvão)
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