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Bolsonaro encara o fim da euforia da vitória com suspeitas sobre ex-assessor

Presidente eleito será diplomado nesta segunda em meio a desconforto no seu núcleo com movimentações suspeitas de amigo da família e dúvidas sobre capacidade de colocar seus planos em pé

Jair Bolsonaro, no último dia 5.
Jair Bolsonaro, no último dia 5.Eraldo Peres (AP)
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O presidente eleito Jair Bolsonaro será diplomado nesta segunda pelo Tribunal Superior Eleitoral, num ato que formalizará sua aptidão para assumir o cargo, marcando oficialmente a contagem regressiva para a sua posse dentro de 22 dias. O primeiro presidente militar da redemocratização segue venerado por metade do Brasil, enquanto a outra metade do país e do mundo se pergunta se ele está realmente apto para dar conta do recado. Antes mesmo de assumir no dia 1º de janeiro, Bolsonaro já alimentou o noticiário com pautas que deixam enormes dúvidas no caminho, seja pela guerra interna em seu partido, seja pelo perfil de seus ministros, e mais recentemente, pelas suspeitas de corrupção que começaram a rondar a sua família.

Neste domingo, ele nomeou seu 22º ministro, o advogado Ricardo Salles, para comandar o Meio Ambiente, injetando mais uma dose de polêmica no noticiário. Criador do Movimento Endireita Brasil, Salles, que tentou se eleger deputado federal nesta eleição pelo partido NOVO, tinha como bandeira em sua campanha a segurança no campo. Ele aproveitou seu número como candidato, 3006, para associá-lo à munição Springfield —identificada por essa mesma sequência numérica— e recomendá-la para combater pragas de javalis no ambiente rural, e também contra a esquerda e o Movimento de Trabalhadores Sem-Terra. Uma cruel ironia é o fato de a escolha de Salles se dar horas depois de um brutal assassinato de dois representantes do MST na Paraíba, aumentando o desconforto de quem se preocupa com os retrocessos que podem ser vividos nessa área.

Isso quando o Brasil ainda vive o período de transição, momento da “euforia dos vitoriosos, e da amargura dos derrotados”, como descreve um observador privilegiado de Brasília que acompanhou muito de perto as últimas mudanças de poder. Na última semana, porém, Bolsonaro já começou a provar um gosto agridoce sobre o que lhe espera, para deleite de seus adversários que veem sua amargura baixar na mesma proporção em que a euforia vitoriosa toma um choque de realidade.

Tudo começou com o vazamento das discussões ácidas entre os integrantes do partido pelo Whastsapp, na quinta feira, 6, seguida pela descoberta de que um assessor do seu filho, o senador eleito Flavio Bolsonaro, movimentou 1,2 milhão de reais entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, uma renda incompatível com seus ganhos. As informações constavam de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), O dinheiro chegou a respingar nas contas da futura primeira dama, Michelle Bolsonaro. O assunto tomou os jornais no final da semana. Bolsonaro e o filho Flavio não se furtaram a falar do assunto. O presidente eleito disse a jornalistas que ele havia sido credor de empréstimos ao ex-assessor, Fabrício Queiroz. Flavio se pronunciou pelo Twitter, dizendo que estava com a consciência tranquila.

Erros ingênuos, insinuações maldosas da mídia ou um político que acreditou no próprio personagem que ganhou a eleição numa cruzada anticorrupção contra o PT? Para um Brasil que viu Aécio Neves e o ex-ministro Geddel Vieira Lima fazerem campanha anticorrupção, e hoje estão enrolados em denúncias, qualquer sinal de fumaça preocupa. Bolsonaro, em todo caso, tem capital político de sobra ainda, e um suporte poderoso dos militares para seguir seu caminho e que muitas vezes têm garantido um certo verniz para seu futuro Governo. O próprio vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão, mostrou-se favorável a explicações mais claras sobre o episódio do empréstimo. “O ex-motorista, que conheço como Queiroz, precisa dizer de onde saiu este dinheiro. O Coaf rastreia tudo. Algo tem, aí precisa explicar a transação, tem que dizer”, disse ele à jornalista Andrea Sadi, do portal G1. Mourão também será diplomado nesta segunda, junto com Bolsonaro.

Os militares, aliás, que estão até a raiz na era Bolsonaro —sete dos 22 ministros são fardados—, estão fazendo as vezes de freio institucional para o futuro Governo e, para alguns, são os que vão governar de fato. A volta à política em plena democracia vem dentro do propósito de permitir que o Brasil supere este momento de turbulência, que começou em 2014. “Eles garantiram a eleição e agora, a transição”, diz uma alta fonte de Brasília, com a honestidade de quem enxerga o papel dos militares em toda a formação do Brasil, desde os tempos imperiais. Segundo esta fonte, a presença deles é endossada pela população, como as próprias urnas confirmaram. Afinal de contas, Bolsonaro deixou claro desde o princípio que eles estariam junto caso vencesse. Uma amostra dessa influência já pode ser testemunhada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), de Brasília, que serve de base para o Governo de transição. Por ali, militares circulam com a mesma desenvoltura que os políticos e jornalistas que cobrem a capital.

A questão é se eles serão os fiadores dos planos ambiciosos do novo Governo, tanto a guinada à direita nos costumes, como a retomada do crescimento econômico com um plano ultraliberal. Se o otimismo do mercado financeiro deu o tom durante a campanha e este período de transição (a bolsa subiu e o dólar caiu desde a vitória do militar reservado), é o Bolsonaro do Palácio do Planalto que desperta um enorme ponto de interrogação entre os que pensam mais a longo prazo do que investidores de bolsa. Como o Governo novo vai colocar em prática seus planos de virar o Brasil para a direita, sem prejuízos para a economia, o emprego e para os direitos sociais previstos pela Constituição, é uma pergunta que se repete nas principais embaixadas de Brasília. Algumas ideias da equipe econômica lembram fórmulas dos anos 80 e 90, que depois afetaram o poder de compra das pessoas, analisava preocupado um representante de um dos países com mais negócios no Brasil em conversa com o EL PAÍS.

O mesmo mercado financeiro já dava sinais contraditórios nos últimos dias, influenciado pelas notícias internacionais, mas também pelos desencontros internos do Governo. A partir de agora, o Brasil entra na contagem regressiva para saber o quanto da euforia pós eleições era apenas entusiasmo e o quanto será o sucesso prometido.

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