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Eduardo Bolsonaro se oferece como cruzado pela “extinção da esquerda” na América Latina

Deputado e filho do presidente eleito organiza Cúpula Conservadora das Américas em Foz do Iguaçu. Olavo de Carvalho, por vídeo, foi uma das estrelas e pregou batalha anticomunista na educação

O deputado Eduardo Bolsonaro, em Foz do Iguaçu.
O deputado Eduardo Bolsonaro, em Foz do Iguaçu.Paulo Lisboa (Estadão Conteúdo)

Eduardo Bolsonaro chega a um hotel de luxo de Foz do Iguaçu (PR) cercado por seguranças que vestem roupas pretas e cochicham o tempo inteiro por rádios comunicadores. Mal desembarca do carro, é abordado por uma cadeirante que quer que ele transmita um recado ao seu pai. Para, escuta-a atentamente e promete que dirá ao presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), que a mulher e o seu marido, um médico de meia idade, o acham uma pessoa “muito querida”. Andando a passos largos é parado por um jovem, coloca as mãos em seus ombros e segue conversando até se deparar com uma longa fila parada em frente ao auditório onde ocorre a primeira Cúpula Conservadora das Américas, movimento organizado por ele que tem o objetivo de reunir lideranças de direita do continente.

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A fila eram 60 pessoas pacientemente organizadas ao lado de livros de autores liberais, como Gilbert Chesterton ou Ludwig Von Misses, e araras com camisetas com lemas que exaltam o armamento da população (um deles era “Você não vai combater a violência soltando pombas”). Elas esperavam justamente a chegada de Eduardo. Queriam tirar uma foto com o deputado federal do PSL de São Paulo que teve a maior votação do país neste ano, mais de 1,8 milhão de votos. Aperta e sacode mãos, distribui tapinhas nos ombros e, vez ou outra, recebe um beijo no rosto. O evento só começa depois que termina a fila dos fãs do “chanceler paralelo” do futuro Governo Bolsonaro - o deputado foi aos EUA se apresentar aos norte-americanos, não foi acompanhado do futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O atraso já ultrapassa 50 minutos.

O tom calmo na voz e o olhar direcionado a cada um de seus interlocutores contrastam com algumas das ideias radicais defendidas por Eduardo e por outros participantes do evento. Uma delas é a de “exterminar” a esquerda do país – algo que foi insistentemente dito por Jair Bolsonaro na campanha eleitoral. Durante um dos debates no evento, o ideólogo do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho, afirmou que o país precisava fazer com os esquerdistas "o mesmo que os espanhóis fizeram com os astecas que viviam na América espanhola".

“A esquerda deslegitimou a direita. Temos de fazer exatamente a mesma coisa com eles”, afirmou Carvalho por videoconferência. Enquanto discursava da sua mesa de trabalho em casa, nos Estados Unidos, o escritor ora dava um trago no seu cachimbo ora tomava um gole de conhaque em um copinho de cachaça. Disse ainda: “Temos de perseguir um por um. Sobretudo as empresas de mídia que apoiaram o Foro de São Paulo”. Nessa linha, seguiu o deputado Eduardo: “Temos uma mania de entorpecer, principalmente através de universidades e escolas, as mentes das pessoas. Para combater isso, temos de estar nessa batalha cultural”.

A ideia da cúpula conservadora era, justamente, fazer contraponto ao citado Foro de São Paulo, a organização esquerdista que teve seu auge, na década de 1990, reunindo partidos como o PCdoB e o PT, organizações como a então guerrilha colombiana FARC. Na definição do deputado eleito Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PSL-SP), na linha de sucessão da extinta monarquia brasileira, o encontro da direita trata-se de uma manifestação da cidadania, mas que não tinha como objetivo demonstrar qualquer tentativa de controle cultural, econômico ou midiático para toda a América Latina. “Não queremos criar um fórum para controlar e dominar a região. Não é isso. É para se ter um fórum de resgate da cidadania e da libertação. E para que todos os países tenham orgulho de sua nação.”

O discurso de que o continente americano precisa conter o comunismo também era algo constante. O filósofo cubano Orlando Gutiérrez, um dos representantes dos exilados em Miami, insistiu: “O comunismo é a morte”. Ao passo que o deputado Eduardo disse que o futuro Governo fará de tudo para restabelecer a liberdade em Cuba.

Mais uma vez agindo como se comandasse o Ministério das Relações Exteriores – ainda que negue com veemência qualquer influência na área – ele também sinalizou ao representante da oposição venezuelana, Roderick Navarro, do grupo Rumbo Libertad, que o Brasil trabalharia para romper as relações com o Governo Nicolás Maduro. “Temos de agir de todas as maneiras para restabelecer a liberdade no nosso país. Nós, hispânicos, valorizamos a família, as instituições e a religião. A esquerda é contra tudo isso porque ela prega a barbárie, não a civilização”, afirmou Navarro, um exilado venezuelano em São Paulo.

Entre os 606 espectadores da cúpula (900 a menos do que os que se inscreveram) havia mais homens que mulheres. Quase não apareceram negros. E o português era o idioma mais ouvido, apesar de entre os palestrantes haver representantes de diversos países de língua espanhola. Uma das exceções no público era o advogado paraguaio Francisco Clerch, um militante do conservador Partido Colorado, que por décadas governa o Paraguai – com exceção dos anos de Fernando Lugo (2008-2012). “Estou aqui porque sou contra o aborto, a favor da economia liberal e preciso saber o que os outros países conservadores como o nosso pensam”. Jovens com camisetas do Movimento Brasil Livre e outros com bandeira do Brasil imperial também circulavam pelo hotel.

O presidente eleito fez uma aparição surpresa por videoconferência e deu o tom que já era esperado dele. “Ou mudamos o Brasil agora ou o PT volta, mais forte ainda (...) O que está em jogo não é o sucesso ou o fracasso do Brasil. O que está em jogo é a nossa liberdade.”

Laços familiares

Mesmo que não fale em nome do Governo de seu pai, Eduardo tem de frequentemente responder às dúvidas relacionadas ao presidente eleito ou aos seus familiares. Durante uma breve entrevista coletiva após um dos debates, o deputado afirmou que não tinha respostas sobre o ex-assessor parlamentar de seu irmão, o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que está sendo investigado pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) por ter movimentado 1,2 milhão de reais entre 2016 e 2017. “O que há é uma investigação, não se sabe que dinheiro é esse ainda. Mas essa é uma pergunta que tem de ser feita para o Flávio e para o Queiroz”. Mais cedo, Jair Bolsonaro respondeu a jornalistas que todos indícios deveriam ser investigados.

Nesta semana, Eduardo também protagonizou uma briga com a deputada eleita e sua correligionária Joice Hasselmann. É uma disputa pela liderança do partido na Câmara, que oficialmente só deveria começar no ano que vem. Mas foi antecipada por conta de uma troca de farpas em grupo de WhatsApp. “Discussões internas são até saudáveis. Qual partido não passa por isso. O que aconteceu ali foi o vazamento de dados de um grupo de WhatsApp em que a gente estava lavando a roupa suja. Mas não vejo isso como prejudicial para a governabilidade”.

Por fim, mesmo com as turbulências internas, o deputado encontrou tempo na cúpula para mudar o status de seu relacionamento. No encerramento, ele pediu em casamento a sua namorada, a psicóloga Heloísa Wolff. Agora com sua própria família, a semente do conservadorismo foi plantada. O evento deverá se repetir em 2019.

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