Gente, fauna e flora costuradas nas obras de Rosana Paulino
A artista visual estreou sua primeira exposição individual dia 8 de Dezembro na Pinacoteca de São Paulo com um olhar para os negros na história brasileira
Rosana Paulino, uma das artistas visuais pioneiras na discussão sobre raça e gênero no Brasil, tem a arte como necessidade. “Se eu não crio, eu não durmo, fico doente” confessa a paulistana nascida na Freguesia do Ó, zona oeste de São Paulo, que desenvolve gravuras, desenhos, esculturas e instalações. O trajeto percorrido durante os 25 anos de carreira da artista refletem os desafios de fazer arte por teimosia e as inquietações de uma mulher afrobrasileira, como ela se identifica, em busca de sua ancestralidade. “A todo momento eu estou pensando o país como ele sempre foi visto e como é visto até hoje. Como se fosse um imenso armazém onde gente, fauna e flora estão aí pra ser explorados”, diz ela, que tem suas obras em cartaz na Pinacoteca até 4 março de 2019.
Costura da Memória é o nome da mostra que reúne 140 obras de 1993 até 2018, um trabalho considerado singular por Valéria Piccoli, curadora da exposição ao lado de Pedro Nery. “Ela consegue misturar esse saber mais erudito com uma tradição familiar, popular que não se ensina na escola e consegue criar a poética dela a partir dessa conjunção de coisas que às vezes parecem mais irreconciliáveis”, afirma. A mostra ocupa três salas da Pinacoteca do Estado de São Paulo, os ambientes todos partem de buscas pessoais de Rosana Paulino para reflexões sociais que contam a história dos negros no Brasil.
Ao entrar na exposição depara-se com 1500 patuás, amuletos de proteção ligados ao Candomblé em que a artista reproduziu 11 fotos de seu álbum de família. Segundo ela, Parede da Memória (1994), é uma instalação para homenagear e proteger seus antepassados. Na mesma sala encontra-se outra obra conhecida da artista: Bastidores (1997), uma série de bordados, técnica aprendida com sua mãe, que costuram olhos, cérebros e bocas de fotografias de mulheres negras em alusão à violência doméstica. Em comum, as obras tem a experiência da mulher negra refletidas não só no conteúdo como na forma: a costura é um dos elementos mais presentes na exposição. “A partir do momento em que eu trago um elemento tido como primordialmente feminino, eu tô trazendo também questionamentos, a costura é uma atividade desvalorizada.” Rosana aprendeu a costurar em casa e levou esse aprendizado para sua carreira. “Minha mãe foi bordadeira durante muito tempo para ajudar nos nossos estudos, então, a costura pra mim tem toda uma questão afetiva”, revela.
Para Valéria Piccolo, curadora da exposição junto com Pedro Nery, Rosana consegue mesclar conhecimentos de mundos diferentes e a partir disso produzir uma arte singular. “Esse universo feminino da casa, de aprender a costurar, de aprender com coisas muito manuais. Ela mistura esse saber mais erudito com uma tradição popular que não se ensina na escola e a partir dessa conjunção de coisas que às vezes parecem mais irreconciliáveis, ela constrói uma poética que é só dela”.
Outro elemento fundamental no trabalho de Rosana é o barro, material também ligado a sua mãe que estimulava a artista e suas três irmãs a criar brinquedos a partir do barro do Rio Tietê. “Eu venho dessa educação muito criativa, eu talvez não conseguisse trabalhar com outras coisas porque mesmo antes de saber o que era arte eu já tinha uma educação muito criativa.”
Depois de percorrer o primeiro espaço, pode-se escolher ir para a pesquisa que reflete sobre o racismo científico ou seguir em direção a um lado pouco conhecido de Rosana: o estudo da biologia simbólica. No segundo ambiente, uma série de desenhos que a artista realizou observando insetos e bichos no Museu de Ciências trazem para exposição reflexões filosóficas que buscam estabelecer simetrias. “A mulher é ligada aos insetos em algumas culturas e eu busco quebrar com estereótipos de gênero ao refletir sobre a força da natureza feminina”.
Por último, uma sala dedicada ao ressignificado das pseudociências que tentaram justificar a exploração dos negros durante a escravidão. Nesse espaço se destaca a obra Assentamento (2012), que segundo sua criadora, se concentra na reflexão do sequestro da cultura de africanos e africanas que mesmo assim conseguiram reconstruir, mas seguiram com marcas. “Eu reconstruo essas imagens, faço suturas nas fotos, mas dá pra perceber que as partes não se encaixam perfeitamente: isso é a escravidão”, relata Rosana.
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