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“MP fará tudo para barrar Escola Sem Partido, se cumprir sua missão constitucional”

Gustavo Roberto Costa, do Ministério Público de São Paulo, fala sobre o grupo de promotores e procuradores Coletivo Transforma MP, que não aplaude a Lava Jato e promete resistir às pautas de Bolsonaro que considera violadoras da Carta

O promotor Gustavo Roberto Costa, um dos coordenadores do Transforma MP.
O promotor Gustavo Roberto Costa, um dos coordenadores do Transforma MP.
Gil Alessi

O Movimento Escola sem Partido ou as ideias que o movimento prega, como a de que a educação está contaminada por "doutrinação esquerdista", não param de ganhar fôlego. O passo importante mais recente foi a decisão de Jair Bolsonaro de nomear para o Ministério da Educação o professor da elite do Exército Ricardo Vélez Rodríguez. Neste cenário, com uma bancada de promotores se alinhando às pautas do futuro Governo, um grupo de servidores dos Ministérios Públicos estaduais e Federal se organizou no Coletivo Transforma MP, focado na defesa e promoção “dos Direitos Humanos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, priorizando os explorados, oprimidos, vulneráveis, excluídos e minorias”. O grupo, com pouco mais de cem promotores e procuradores, publicou um manifesto contra Escola Sem Partido. Gustavo Roberto Costa, 37, promotor do MP-SP e um dos coordenadores do coletivo, descarta o rótulo de "outro polo". "Nós não queremos esta posição. Estamos onde o ordenamento jurídico diz que deveríamos estar", afirmou em entrevista ao EL PAÍS.

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Pergunta. Como surgiu o Transforma MP?

Resposta. Surgiu formalmente em dezembro de 2016, mas começou a se organizar no início daquele ano. Somos uma associação civil que se organizou para lutar, defender e mostrar para a sociedade quais as verdadeiras funções do Ministério Público e quais as causas que deve abraçar. Dentre elas, estão a defesa da Constituição, dos Direitos Humanos, a redução da pobreza e das desigualdades e o combate à corrupção. Cabe ao MP estar atento às garantias fundamentais.

P. Na visão de vocês o MP não vinha cumprindo essas funções?

R. Não dá para dizer que os MPs não estavam cumprindo com isso. Mas faltava um pouco a evidência concreta dessa função do MP como defensor da democracia, da ordem jurídica. Começamos a nos organizar na época que houve o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Divulgamos uma nota contrária a isso porque achávamos que juridicamente falando era algo incorreto, e que o ordenamento jurídico estava em risco com a tomada daquela providência. Além disso, nós verificamos que estava havendo um desrespeito às garantias constitucionais.

P. Algum caso específico?

R. É difícil falar de um caso específico para não parecer que estamos assumindo a defesa de um ou outro. Nossa intenção é maior, não estamos fazendo a defesa de uma pessoa ou um partido, mas sim apontando irregularidades. Vemos um conjunto de medidas que vem no sentido de ferir o nosso direito como o conhecemos. Estas operações midiáticas que estão muito em evidência até hoje, que pré-julgam os acusados sem ter o cuidado de garantir ampla defesa, que não permitem a produção de provas por parte dos acusados, é algo que criticamos.

P. O que você descreve parece muito com alguns excessos cometidos pela Operação Lava Jato...

R. Tendo o cuidado de não apontar casos específicos para não parecer que assumimos a defesa de um ou de outro. Mas existe um consenso dentro do Transforma MP no sentido de que as conduções coercitivas, prisões preventivas como foram utilizadas, para conseguir delações premiadas, mandados de busca e apreensão... Tudo isso são instrumentos previstos na Constituição, mas foram utilizados de forma incorreta e que mereciam um reparo por parte do Judiciário e de quem tem o poder pra isso.

P. Este viés dentro do MP parece uma posição minoritária na carreira, não?

R. Aparentemente minoritária. Existe um grupo que fica mais em evidência, que é um grupo mais favorável ao punitivismo, que acha que a lei penal pode resolver o problema, e temos nós que teoricamente ficaríamos no outro polo. Mas nós rejeitamos esta posição. Estamos onde o ordenamento jurídico diz que deveríamos estar. E existe um silêncio grande de parte das carreiras.

P. Vocês sofreram alguma sanção por se posicionar com relação a alguns temas espinhosos?

R. Não houve nenhum tipo de sanção. Quando assinamos o manifesto contra o impeachment houve uma comunicação para a Corregedoria Nacional do MP, que levou à instauração de uma sindicância. Mas no final acabou sendo arquivada porque se entendeu que não era manifesto político partidário, até porque os membros do MP são impedidos de ter atuação partidária. Fora isso até hoje não houve perseguição em razão do nosso posicionamento.

P. Qual será o papel do MP durante o Governo de Jair Bolsonaro?

R. Na minha visão o papel do MP é fundamental [no novo Governo]. Se o MP exercer seu papel, sua missão constitucional, fará de tudo para barrar estas propostas que ferem a Constituição, os direitos humanos e uma sociedade livre, solidária e justa. Pautas como mudança nas regras da Previdência, a criminalização de movimentos sociais, (se opor ao) Escola sem Partido, expansão do agronegócio em detrimento de terras tradicionais indígenas e degradação do meio ambiente são pautas que o MP terá que abraçar para impedir que estes retrocessos ocorram. O MP será posto à prova caso estas pautas sejam colocadas. O Transforma MP tem um papel de denunciar e até mesmo ajudar a instituição a lutar contra estes retrocessos.

P. Há uma ala do MP que parece estar se mobilizando em torno de uma série de pautas bolsonaristas. Fazem um encontro nos próximos dias. Como vocês avaliam isto?

R. Eu não conheço a fundo essa entidade que está se formando, mas eu penso que toda opinião deve ser respeitada. Apesar disso, eu vejo que algumas pautas deveriam a meu ver ser bandeiras do MP, como por exemplo, a redução do encarceramento em massa que nós temos. Estamos na contramão de vários países do mundo que vem reduzindo sua taxa de aprisionamento. E uma das mesas do Congresso organizado por esta ala do MP fala que o encarceramento em massa é um mito... Como pode? Nossa população carcerária cresceu mais de sete vezes em 30 anos. Como isso não é encarceramento em massa? As prisões estão lotadas de negros e pobres.

Além disso, eles fazem uma defesa da Escola sem Partido, que também é algo que foi denunciado pela ONU como sendo contrário aos Direitos Humanos. Somo signatários de tratados internacionais que vão no sentido contrário, e o próprio STF já deu pareceres nesse sentido...  Então fico perplexo, embora respeite, ao ver que parte do MP, que deveria zelar pela ordem jurídica, vai na contramão.

P. Como avalia a atuação da procuradora-geral da República, Raquel Dodge?

R. As posições dela parecem variar. Sabemos que quem está na cúpula tem compromissos políticos, isso é normal. Agora eu noto que há uma preocupação dela e da cúpula com relação ao avanço do conservadorismo. Ela é uma mulher que tem amplo conhecimento dos direitos humanos e constitucionais. Então vejo essa preocupação dela com relação a isso, e creio que a cúpula precisa se posicionar.

P. O STF deu sinais de que pode barrar iniciativas como o Escola Sem Partido ou outras autoritárias. Como avaliam isso?

R. Eu fiquei muito satisfeito com aquela decisão do STF que invalidou as batidas feitas pelos Tribunais Regionais Eleitorais em universidades antes das eleições, me pareceu muito acertada. Mas o STF vem de muito tempo perdendo credibilidade. Os ministros às vezes querem sozinhos ser o tribunal. As decisões acabam sendo monocráticas, há a suspensão de julgamentos de certas questões, muita vaidades e disputas internas. Me parece que em muitos casos o STF não vem cumprindo suas ações. Um exemplo disso são as ações de inconstitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, que ficam à critério do presidente da Corte para serem pautadas.

P. Ficou surpreso com o ex-juiz Sérgio Moro aceitar um cargo no novo Governo?

R. Não quero fazer juízo de valor porque pode envolver uma pessoa que... pode parecer que está é uma posição do coletivo e não minha. Mas fiquei surpreso. Não esperava que esse profissional pudesse largar a magistratura e assumir um cargo no Governo.

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